terça-feira, 30 de agosto de 2011

Vilamoura & Velocípedes

Pôr do Sol na praia da marina

Este ano regressei a Vilamoura, a sui generis localidade algarvia que é ao mesmo tempo uma cidade e um resort privado. Não que as diferenças entre Vilamoura e outras áreas turísticas do Sul de Portugal sejam imediatamente evidentes, afinal Vilamoura também sofre de algum excesso de betão e está infestada de enlatados durante os meses de calor. Mas há algumas características para lá do estatuto jurídico e a temperatura da água que tornam esta terra interessante para mim.

Vilamoura: terra de sonhos, mega-iates e... bicicletas!

Já o ano passado aqui tinha dado conta da utilização utilitária da bicicleta em Vilamoura. Tudo indica que ela é muito superior ao de outras localidades lusas de características semelhantes (se é que existe alguma cidade portuguesa semelhante a Vilamoura...). As pessoas vão ao supermercado de bicicleta, vão à praia de bicicleta. Locais de estacionamentos para bicicletas são comuns. Pistas próprias para velocípedes também abundam. É normal as casas de férias de Vilamoura terem bicicletas na garagem ou arrecadação. Em Vilamoura, a bicicleta não é tabu, e não é um brinquedo. Embora se possa considerar que as bicicletas servem apenas durante o tempo de lazer (as férias), não são utilizadas para fazer BTT ou "treinos" de estrada.

A minha bicicleta urbana emprestada

Na sua maioria as bicicletas são utilizadas para deslocações e os modelos mais populares são bicicletas de montanha baratas, provistas de uma grelha traseira para bagagens ou modelos utilitários puros, como bicicletas de cidade. Há de tudo, menos modelos exóticos de crabono, pelo menos estacionados nas ruas. Para luxos há Ferraris e Bentleys com fartura, sobretudo na zona da marina. É com estes automóveis e muitos outros bem mais proletários que o ciclista utilitário de Vilamoura tem de interagir. Sim, porque apesar da influencia estrangeira, em Vilamoura o panorama automóvel é bem português: o excesso de velocidade, as manobras à campeão, e o estacionamento selvagem estão na ordem do dia, como em muitas outras zonas urbanas do país.

Popós na estrada, popós no passeio... e o povo , pá?

O tráfego durante o mês de Agosto é muito volumoso e os engarrafamentos são tão vulgares em Vilamoura como na área metropolitana de Lisboa. Tudo isso são ainda mais razões para se usar a bicicleta. Não sei se conscientes deste facto, as autoridades do resort têm promovido o uso das duas rodas sem motor. As mudanças são visíveis de ano para ano, e este verão fui surpreendido com algumas novidades bem interessantes. A zona do centro, perto da marina, foi dotada de novos passeios, novos estacionamentos para bicicletas e, coisa muito rara em Portugal, ciclo faixas pintadas no asfalto.

É... uma... ciclofaixa!!!!

Tem o boneco e tudo!

E que tal uma coisa assim nas avenidas de Lisboa?

É claro que as preocupações urbanísticas da gestão do resort de Vilamoura, e recordo que este não é espaço público no sentido a que estamos acostumados, são também ornamentais. Além de ciclo faixas e estacionamentos para bicicletas, Vilamoura apresenta também extensas áreas jardinadas, elaborados passeios pedonais ou mistos (peão + bici), mobiliário público exótico e outras mordomias a que não estamos acostumados no resto do país. 

Vistoso e funcional estacionamento para bicis. Sem bloquear o passeio!

Por vezes tenho dificuldade em perceber se o fomento do uso da bicicleta por estes lados é para levar a sério ou não terá a ver com a tendência eco-friendly cosmética e inconsequente que tanto me irrita em Lisboa. Em Vilamoura também existem ciclovias absurdas e inúteis em cima de passeios estreitos. Ou ciclovias que começam no meio do nada e acabam em nenhures. Também há estacionamentos "rompe rodas" em locais impróprios. Quero acreditar que se trata de falta de experiência e das inevitáveis dificuldades de implementação de medidas bem ponderadas numa realidade que, apesar das suas particularidades, ainda é muito enlatado-centrica, como o resto do país.

Alguém reconhece esta bicla?

Assim, Vilamoura apresenta-se como uma espécie de precursora portuguesa para aquilo que o resto das cidades e vilas do país podem fazer. Apesar das características especificas de Vilamoura, não vejo razões para que não sirva de exemplo para outras paragens. Além do que tenho vindo a reportar, em Vilamoura também se está a estudar um sistema público de bicicletas de uso partilhado e já é possível alugar comercialmente bicicletas na vila. A nível local, parece-me uma terra que está a trabalhar em todas as frentes para uma mobilidade mais sustentável.

Ciclovia partilhada em Vilamoura.

Prevejo abjecções quanto ao facto de isto ser coisa de ricos. Vilamoura terá ciclovias e ciclo coisas (e jardins e fontes...) porque é uma terra de lazer e com dinheiro de sobra. Uma terra sem dinheiro e que viva da industria e dos serviços tem é que se preocupar com os famosos "bons acessos e mais lugares de estacionamento" e será forçosamente mais feia e perigosa para ciclistas. Não concordo. É uma questão de prioridades. Quando os responsáveis da autarquia de Lisboa começarem a ganhar coragem para retirar espaço e financiamento ao Grande Deus Automóvel e começarem a preocupar-se mais com a segurança e qualidade de vida das pessoas, talvez descubram que isso afinal não sai assim tão caro, pelo contrário.

Acho que já tenho saudades do Verão de 2011...

Não posso concluir sem um especial agradecimento à Ana, não só pela bicicleta de empréstimo, como pela organização de umas inesperadas e soberbas férias a Sul. Os pacientes modelos fotográficos improvisados Comandante Pedro e Co-Habitante também não estão esquecidos. Agora que a maioria regressa à labuta diária, espero que as energias venham também recarregadas, a cidade de Lisboa ainda apresenta muitos desafios ao ciclista utilitário, mas as coisas têm vindo a melhorar e com a ajuda de todos podem melhorar ainda mais. Não percam o fôlego e boas pedaladas.   

Esqueçam tudo o que eu disse...

...sobre a bicicleta ideal para Lisboa. O que é preciso é uma coisa destas:

Surly Moonlander. Tenha medo. Tenha muito medo
 

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A FrankenBicla

Os anos passam, a ferrugem fica
 
Parada há anos, sem conseguir competir com as máquinas mais modernas da frota, a primeira bicicleta da co-habitante ganhava ferrugem no terraço. Veterana de duas décadas de bons serviços e mil e uma aventuras de infância e juventude, a velha bicicleta de BTT, comprada no Jumbo de Cascais quando Mário Soares era ainda presidente da república, merecia uma reforma mais digna.

Mãos à obra

Muitas vezes se discutiu cá em casa o destino a dar a velha Bike Queen. Coloca-la num contentor para África, entrega-la num ferro velho, simplesmente deixa-la sem cadeado no estacionamento de biclas de onde tudo desaparece, eram hipóteses em aberto.

No fim, a nostalgia falou mais alto e um ambicioso projecto de recuperação foi posto em prática pela co-habitante, com alguma ajuda técnica (e de força bruta) da minha parte. A bicicleta estava já há alguns anos transformada em single-speed. Assim, as alterações requeridas para a colocar de novo na estrada não eram muitas, mas a lista foi complementada com novos requisitos. A saber:

  • Nova corrente
  • Garfo novo, com apoios para v-brake
  • Espigão de selim mais longo
  • Travão v-brake na frente
  • Pneus novos
  • Punhos novos
  • Pedais novos

O único material verdadeiramente novo
É claro que acabámos por recorrer ao vasto stock de material usado que atafulha abunda cá em casa e as únicas peças realmente novas que usámos foram o espigão de selim mais longo e o garfo. Ambas as peças foram adquiridas após longa busca nas catacumbas dos Armazéns Airaf, a mítica loja de bicicletas lisboeta que parou no tempo no dia do atentado ao presidente Reagan.

O travão de trás ficou como estava.
 
A seguir a retirar ferrugem das rodas e do quadro e olear tudo o que mexe, a melhoria do sistema de travagem era uma das principais prioridades, já que os travões de origem eram mais "abrandadores" que outra coisa. O resultado final não convenceu: tenho que arranjar uma manete nova para a travagem ser mais progressiva. Apesar de ainda ser um work in progress, a FrankenBicla esta apta a ser usada em deslocações curtas e não carece do uso de cadeados de 10 kg para a menter longe das manapulas dos amigos do alheio. 

Eis o resultado final, em toda a sua (escassa) glória:

Medo. FrankenBicla pronta para mais 20 anos de serviço

Talvez não se perceba, mas a FrankenBicla mete medo. Eu pelo menos fiquei aterrorizado quando fui dar uma volta com ela: a direcção tem vontade própria, os travões ou não fazem nada ou bloqueiam de repente, há umas folgas assustadoras nos cubos das rodas, etc, etc, etc. Mas ninguém pode dizer que a bicla não tem personalidade. E a co-habitante está satisfeita, e acho que isso é tudo o que interessa.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Erro na transmissão

Mãos à obra.

Diz-se que os profissionais de estrada trocam de corrente após cada prova. Os BTTistas de fim de semana trocam a corrente todos os anos. Eu troco de corrente quando já não consigo meter mudanças.

É ligeiramente irritante ter a corrente a saltar de carreto para carreto, sem para tal ser solicitada. Sobretudo quando isso acontece numa subida íngreme e a desestabilização provocada ameaça atirar-nos para debaixo de um camião. Nestes casos o problema pode ser:

  • Desgaste da corrente.
  • Desgaste da cassete.
  • Falta de força da mola do desviador.
  • Desgaste nos roletes do desviador. 
  • Todas estas coisas juntas. 

Os amigos das lojas de bicicletas recomendam que se troquem todas as peças da transmissão de uma só vez. Eu troquei a cassete por uma menos gasta. E coloquei uma corrente nova. O desviador tem as rodas um bocado comidas. A pedaleira é de 2004. Estamos em crise.

Para os interessados a quem os 16200 vídeos do YouTube não sirvam, eis a sequência de passos para trocar com sucesso de corrente:

Estes "links" dão jeito. Quando se conseguem abrir...

1 - Remover corrente velha. Se a corrente tem um elo, a primeira coisa a fazer é localiza-lo. Depois alivia-se a tensão na corrente com um arame ou algo parecido e abri-se o elo. Há ferramentas que servem exclusivamente para essa função, mas se ela se recusar a abrir, quebrem a corrente.

O ideal era usar um arame

A ferramenta para abrir correntes é esta. Se não tiverem uma mas tiverem um daqueles alicates que se usam para roubar bicicletas, também serve. A corrente velha não tem muita utilidade, talvez possa ser reciclada para fazer arte moderna... Esta é uma boa altura para irem buscar uma cerveja e brindarem às vossas capacidades mecânicas

Quebra correntes. Uma ferramenta muito útil.

2 - Medir corrente nova. Há que remover a corrente com cuidado para não riscar o quadro. Depois coloca-se a corrente nova, tendo o cuidado de medir o tamanho. Há várias maneiras de o fazer:

  • Usar a corrente velha para comparação.
  • Colocar a corrente nova fora dos desviadores, na pedaleira grande e carreto maior. Somar mais um elo (alem do link) e cortar o restante.

Não é boa nem é má. O que se espera é que seja duradoura.

3 - Colocar a corrente nova. Mais uma vez há que ter algum cuidado, para poupar mais alguns riscos ao quadro. Pode-se usar um arame para manter a tensão na corrente aberta e apertar o link rápido. Se não tiver link, tem que se recorrer ao quebra-correntes.

Para tutorial se calhar está fraco, mas como o país está a banhos, pode ser que ninguém repare. Boas férias, boas pedaladas, adeus, até ao meu regresso!

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Dura lex sed lex

Nós por cá...


Parece que os homens e mulheres que impõem a lei no concelho de Oeiras esquecem-se por vezes de a cumprir. O facto é tão mais relevante porque é a policia municipal que se encarrega de multar os "perigosos prevaricadores" que circulam no passeio marítimo de Oeiras de bicicleta, fora do horário em que são tolerados. No mesmo passeio marítimo onde é vulgar encontrar automóveis... Enfim, temos que ser positivos: ao menos estes policias andam de bicicleta!

Eu sei que há alguns que não vão perceber a imagem, para esses eu recordo: é proibido circular no passeio, seja de bicicleta, seja de Fiat Punto. O facto recorda também as poucas alternativas que existem a uma estrada marginal (N6) estreita, sem bermas e com excesso de tráfego a qualquer hora do dia.

domingo, 7 de agosto de 2011

A bicicleta certa

Bicicletas há muitas

Qualquer pessoa que já foi dar uma volta de bicicleta com uma das tribos do ciclismo sabe perfeitamente que há umas bicicletas certas e outras completamente erradas. O grupo de guerreiros do asfalto do Cacém, que vão dar um giro ao Domingo pela serra de Sintra, rapidamente esclareceria o novato e o levariam a perceber que a sua Zeus herdada do pai o ia deixar abandonado na estrada, a milhas do grupo. O iniciado seria encorajado a comprar a última geração de bicicleta de crabono, de uma marca conceituada. No modelo topo de gama, porque os outros claramente são para iniciados e ninguém quer parecer iniciado. Mesmo que o seja.

Ainda que ninguém lhe dissesse nada, o novato depressa perceberia que os seus calções normais de usar na rua ofendiam a visão sensível dos novos companheiros, além da resistência aerodinâmica o fazer perder 0,02 segundos por km, e acabaria por investir mais uns cobres numa indumentária “aceitável” para os passeios. Depois haveria também que gastar mais um pouco num ciclo-computador, também ele da marca certa, pois claro. E com todas as funções indispensáveis, que um homem já não passa sem saber quantos Watts de potência está a aplicar na roda traseira.

Na altura de investir num rolo para “treinar” em casa, durante o inverno, e comprar um cardiofrequencímetro para se manter na zona certa, o iniciado nestas lides provavelmente já terá a conta bancária bastante maltratada, mas pelo menos sentirá o calor fraternal de se sentir por fim aceite pela Tribo.

Este tipo de visão desportivo-consumista mantém as tribos do ciclismo normalmente afastadas do ciclismo utilitário, ao mesmo tempo que a sociedade em geral olha com desconfiança para qualquer pessoa que pretenda simplesmente deslocar-se para algum lado a força de pedal. No fundo temos todos uma data de preconceitos e definições tão exactas como intolerantes do que é “normal”.

Nacional 10, no Laranjeiro

Na nacional 10, ontem, a caminho de Setúbal, fui ultrapassado por um par de ciclistas de estrada, ambos com a indumentária certa, mas segundo os meus preconceitos, a atitude errada. É que além de me terem feito uma rasante, não me disseram nada. O que seria de esperar de membros de outra tribo, já que eu trajava à civil e montava a minha Frankenbicla. Não merecia pois um mero “bom dia”. Esta indiferença contrastava com o comportamento de outros ciclistas da zona, afinal eu tinha passado a manhã a saudar e responder a cumprimentos de companheiros do pedal. Espicaçado pelo comportamento, lancei-me na perseguição deste duo, que avançava a bom ritmo, bem abaixados em posição aerodinâmica, o segundo elemento na roda do primeiro, aproveitando ao máximo o cone de ar. Para minha surpresa, não tive grandes dificuldades em apanhar estes “atletas”, nem em manter-me ao ritmo deles. Sem licra, sem pêlos rapados, sem crabono, sem saber a minha frequência cardíaca, a pedalar erguido, numa bicicleta de montanha com um guiador mais alto que o Bruno Nogueira.

É claro que é possível que aqueles ciclistas estivessem no regresso de uma volta épica de 286 km e eu os tenha apanhado já mesmo a chegarem a casa, cansados e sem fôlego para cumprimentos. Há que dar um desconto. Criticar é fácil.

E talvez seja por isso que o fazemos. Como quando eu disse ao meu amigo Pedro que se calhar não era boa ideia ele ir a pedalar os 260 km que separam a sua casa de umas merecidas férias no Algarve. A coisa começou quando eu próprio, que tinha sido convidado a lá passar também uns dias, avancei a hipótese de fazer a viagem de bicicleta. Ora o Pedro disse logo que era gajo para fazer isso também. Para mim o problema nem era que ele não andasse regularmente de bicicleta, nem o facto de a maior distância que tinha percorrido até ao momento terem sido cerca de 30 km. Para mim, o problema era a bicicleta dele ter este aspecto:

Já não se fazem destas

Sim, é uma genuína Confersil, com quase todo o equipamento de origem. Contando com mais de duas décadas de uso variado, este modelo ainda mantém os pneus e calços de travão originais! Apesar de estar avaliada em menos que o ar dos seus pneus, esta bicicleta é para o dono insubstituível e de elevado valor sentimental, já que o tem acompanhado em inúmeras aventuras desde a infância.

Está novo!

Não está bem focado, mas acho que ficam com a ideia

Determinado a provar as suas capacidades e as da sua Confersil, o Pedro alinhou numa voltinha de teste, de Almada a Setúbal, cerca de 40km já meus conhecidos. A ideia era manter o tipo de ritmo que seria necessário para uma deslocação ao Algarve em 2 dias, ou seja uma média entre os 20 e os 25 km/h. Apesar da ameaça de chuva, e embora coberta de ferrugem, com uma roda muito empenada e um pneu prestes a rebentar, a Confersil manteve a integridade e o Pedro não deu parte de fraco. A distância foi coberta em escassas duas horas, cumprindo os objectivos.

No fim, nenhum de nós irá para o Algarve de bicicleta, já que o tempo de férias escasseia e as estradas são ainda mais perigosas nesta altura do ano. Eu ganhei um novo respeito pelas bicicletas que podem parecer BSO's, mas que apesar disso ainda têm utilidade e podem servir fielmente os seus orgulhosos proprietários em diversas circunstâncias.

Por outro lado, quando não envolvidas numa disputa "a minha é maior que a tua" dos seus donos, que justifica logo gastos ilimitados, as bicicletas de qualidade parecem merecer um certo desprezo do cidadão comum. As pessoas acham normal pagar 20,000 Eur por um carro ou 500 Eur por um telefone, mas acham no mínimo excêntrico que alguém gaste mais de cem euros numa bicicleta "normal". Para muitos uma bicicleta é uma coisa simples, como um piaçaba. Claro, há piaçabas feitos de ouro e pedras preciosas, mas quem é que realmente precisa de uma coisa dessas? Pois é. Eu não preciso. Mas há mínimos. Ou não? O problema parece ser quem é que decide quais são.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O Verão da Bicicleta Partilhada

Bicicletas de uso partilhado em Barcelona

Tenho uma amiga que, por razões profissionais, mantém debaixo de olho os concursos públicos que vão saindo publicados em diário da república. Nos últimos dias tem sido lançados concursos relacionados com sistemas de bicicletas partilhadas em vários municípios do país. Nomeadamente Torres Vedras, Beja e Murtosa. Nenhum deles constitui grande surpresa, uma vez que são concelhos com tradições ligadas à bicicleta. Torres Vedras é terra de grandes ciclistas e as suas estradas são a meca dos guerreiros de fim de semana da zona de Lisboa. Beja foi muitos anos uma espécie de pequena colónia alemã, fruto da presença de elementos da Nato na base aérea. Muitos germânicos trouxeram as famílias e também as bicicletas. O concelho da Murtosa fica ao lado de Aveiro, pelo que imagino não sejam necessárias muitas mais explicações, mas em todo o caso podem sempre ler isto.

Não me posso pronunciar sobre a qualidade destes projectos, que desconheço, mas aplaudo desde já a intenção de os levar para a frente durante a tempestade em que actualmente navegam as finanças públicas. 
Só um questão recorrente se levanta. E Lisboa?

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

A Volta está de volta

Começou há quase um século e chegou a ser uma clássica prova de 3 semanas que apaixonava o país. Actualmente a Volta a Portugal em Bicicleta conta com um pelotão mais reduzido e a sua duração estabilizou, desde os anos oitenta, em redor das 10 etapas. A volta já não arrasta as multidões de outros tempos, e o facto de ainda se realizar neste período de crise é já um triunfo para os organizadores.

A Volta de 2008, em Gondomar

Este ano teremos 14 equipas, sendo que apenas 4 são nacionais. Para compor o pelotão, e como noutros anos, recorreu-se à selecção nacional, que participa como mais uma equipa. Mesmo antes do tiro de partida, há a registar mais uma desistência, hoje, de uma equipa italiana.

De 4 a 15 de Agosto, a Volta está entre nós, culminando a última etapa, que começa em Sintra, na Av. da Liberdade, em Lisboa. Milhares de pessoas da zona da grande Lisboa poderão assim ver a passagem do pelotão ao vivo. Parte de mim fica satisfeito pelo António Costa ter autorizado este evento no coração da cidade, embora outra parte desconfie que ele só o fez porque a chegada ocorrerá a meio da Agosto, justamente quando a perturbação do sagrado trânsito automóvel da capital será menor.

O Vencedor verá o seu nome inscrito no troféu

O principal patrocinador da Volta é a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, ou melhor dito, os Jogos Santa Casa. A contenção de custos presente no evento deste ano torna-se evidente também pelo uso de fotografias de banco de imagens para a campanha publicitária. Só assim se explica que o famoso time-traveling t-shirt-wearing retro-Fred from the planet Tridork, tenha conseguido fazer mais uma aparição, desta feita marcando presença nos cartazes da volta.

A Volta ainda atrai multidões

Como sempre, registo a ironia de uma prova desportiva realizada na mais eficiente máquina criada pelo homem gerar tanta poluição, à passagem da caravana pelo país, ou no caso deste ano, um terço do país. Dezenas de automóveis e motos acompanham a todo o momento os ciclistas, a meu ver desnecessariamente, e a própria caravana publicitária é um gerador de desperdícios.

Ainda assim, aguardo com expectativa a 8ª etapa, que culminará na Torre. Só espero que o desempenho dos ciclistas consiga contrabalançar a cobertura televisiva da RTP, que sem dúvida incluirá os elementos clássicos destas transmissões:

  • O João Baião a falar de chouriços.
  • Entrevistas a vários indivíduos bêbedos em tronco nu, todos com enormes barrigas suadas a reluzir ao Sol.
  • O João Baião a falar de queijos.
  • Imagens dos bêbedos a alinharem cuidadosamente garrafas de cerveja vazias, nas bermas da estrada da Torre.
  • O João Baião a pular ao som de música brejeira.

Que comecem as festividades...

terça-feira, 2 de agosto de 2011

"O falso moralista"

Presidente da Câmara de Vilnius e o Mercedes na ciclovia. Imagem SWNS

Tenho um colega da faculdade que identifica com a expressão "Falso Moralista" todo aquele que não esconde um comportamento menos convencional ou mais altruísta. Por exemplo, se andas de bicicleta na cidade sem ser por seres muito pobre, és um falso moralista. Tens preocupações ambientais, falso moralista. Separas o lixo para reciclar: falso moralista! Basicamente, o "falso moralista" para ele será todo aquele que tem ideias alternativas às socialmente prevalecentes, mesmo quando isso significa não acreditar em cunhas e não fugir aos impostos. Esta visão é bastante comum entre nós.

Durante muitos anos fui como os outros. Fazia o que toda a gente fazia. Ia de carro para todo o lado, estacionava o mais perto possível da porta de casa, por vezes em cima do passeio. Coleccionava multas da Emel. Na auto estrada andava à velocidade que o carro permitisse. Depois de uma noite de copos, voltava para casa de carro. Para andar de bicicleta ia para o monte, sempre de carro, claro.

Eu mudei. Este blogue é um dos resultados dessa mudança e neste blogue tenho encontrado alguma resistência às minhas opiniões. O consenso parece ser que existe um excesso de crítica da minha parte, e que Portugal não apresenta assim tantos problemas no que toca ao uso dos modos suaves.

Eu mantenho a discordância.

Os desafios que se colocam a quem enfrenta as nossas ruas e as nossas estradas de bicicleta são enormes. O clima de guerra civil rodoviária, mantém-se, bem como o sentimento de impunidade. A diário somos confrontados com todo o tipo de manobras perigosas e excessos, e apanhamos pequenos sustos que facilmente podem, num dia qualquer, ser algo bem mais grave. O automóvel reina supremo, deixando marcas de violência por todo o lado. Mobiliário urbano retorcido, postes e pinos derrubados, passeios vandalizados, este é a realidade por onde se move o ciclista urbano. Quem decide pegar numa bicicleta e tomar o seu lugar na via pública deve faze-lo de forma consciente e não inspirado por fotos de pessoas bem vestidas a pedalar em cima do passeio.

Eu sei onde vivo. Os meus amigos são pessoas inteligentes e com excelente formação académica. Mas mesmo entre eles, muito poucos são os que respeitam os limites de velocidade, o código da estrada (já de si manhoso), ou os que sabem ultrapassar um ciclista com um mínimo de segurança. Os noticiários regurgitam a diário todo o tipo de atrocidades na nossa rede viária. E todos temos parentes, amigos e conhecidos que estiveram envolvidos ou faleceram em acidentes de viação. A minha mãe foi atropelada numa passadeira. Sobreviveu. Mas um tio morreu da mesma maneira. O meu avô num acidente de moto. A lista é longa. Está é a nossa realidade. Escamotea-la não nos vai ajudar a mudar nada.

Para ser possível um nível de segurança mínimo para peões e ciclistas na nossas cidades, o uso do automóvel tem de ser limitado, mesmo fortemente reprimido. Fingir que isto não é verdade, que não é necessário, que podemos todos conviver é outra falácia. Eu sou a favor de pensamento e atitude positiva (ou nunca sairia de casa com uma bicicleta), mas estou um bocadinho saturado de contos de fadas. Lisboa é um parque de estacionamento baldio gigante. Vale tudo na capital. A policia fecha os olhos e a Câmara propõem soluções cosméticas enquanto se continua a insistir em benesses para o automóvel: "melhores acessos"; "mais estacionamento público". O que Lisboa precisa é de piores acessos e muito menos estacionamento! E mais passeios, mais faixas BUS, mais zonas de 30 km/h, mais zonas pedonais, ciclovias realmente segregadas, ciclofaixas seguras, sem perdas de prioridade e poucos cruzamentos. E uma policia municipal que faça... o seu trabalho.



Nada realmente mudou a não ser a vontade de mais pessoas pegarem numa bicicleta. Isso é fantástico, e provavelmente será o mais importante, mas ainda está quase tudo por fazer. O código da estrada prevalece. Não estamos mais próximos de legislação de strict liability. O país continua enamorado do grande libertador, o carro. Taxar ou acabar com o estacionamento público, fiscalizar o estacionamento ilegal,  pedonalizar ruas, trocar o trânsito por esplanadas nas principais praças, construir ciclovias: tudo são iniciativas que podem significar o fim da carreira de um autarca. A campanha do presidente da câmara de Vilnius que ilustra este post dificilmente seria empreendida ou compreendida por cá.

Mas o relógio não para. Com tudo o que está a acontecer na nossa economia, e com o previsível aumento continuo do preço dos combustíveis fosseis nos próximos anos, eu quero ver como se vão deslocar as pessoas (e os bens) na zona de Lisboa, se os transportes públicos estiverem arruinados e só as elites puderem suportar o uso do automóvel. Continuamos a hipotecar o futuro e ninguém se parece questionar. As alternativas existem, e a bicicleta é certamente parte da solução. É pena que tão poucos entre nós a levem a sério.