- Mas porque é que não ficámos no sofá a ver a Netflix?! - Questiona o Dentuça debaixo do implacável Sol da manhã, enquanto o colossal camião ruge, impaciente, centímetros atrás da minha roda traseira. Atrás deste TIR segue outro, e mais uma fila interminável de outros veículos ligeiros e pesados, rodando ao meu ritmo, até que eu consiga sair da famigerada ponte do IP3. Já tinha dito que odeio pontes?
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N2?? |
A manhã do meu terceiro dia na N2 até tinha começado bem, um pouco como a noite tinha acabado: à conversa com o proprietário do turismo rural onde me tinha instalado, no Vimieiro. Descobri que ele conhece também o Isaltinistão e em tempos até lá viveu, não muito longe de mim. Curioso. Aproveito também que tenho direito ao pequeno almoço para sair para a estrada já devidamente munido de umas calorias para alguns quilómetros. O anfitrião faz questão de me tirar uma foto com a bicicleta, para o seu site, antes de eu abalar de volta à N2.
E sabe bem estar de volta à estrada. Mas a manhã traria consigo algumas surpresas. Uma coisa que é preciso compreender é que a N2, com 738Km de extensão, na verdade não existe... Ou melhor, ao longo do longo percurso, a estrada por vezes desaparece, para se transformar em IP ou IC, para ser uma avenida urbana, ou um arruamento. E por vezes fica difícil seguir o percurso. Em anos recentes, uma vez consolidada a fama desta Route 66 portuguesa, foram colocadas placas em algumas zonas, com vista a ajudar os viajantes a navegar alguma destas zonas mais complicadas.
E foi assim que dei por mim a sair e entrar da "N2" naquela manhã, para evitar as zonas em que ela se transforma em IP. Em alguns casos existe sinalização nova que indica que a N2 é agora numa via paralela, claramente de construção recente. Outras vezes somos obrigados a passar por debaixo da estrada principal e andar no meio do nada. Fica difícil fazer a navegação nesta zona, mas o pior é a ponte sobre o rio (Dão, Mondego?) onde a N2 nos atira de volta para o IP3, que nesta zona perde temporariamente esse estatuto, pelo que bicicletas podem passar (E é o único local onde o podem fazer).
Sucede que nessa altura o IP3 estava em obras, e os meticulosos senhores da empreitada tinham reservado para si todo o piso da estrada e das bermas, com a excepção de uma faixa, estreita, delimitada por enormes blocos de cimento de ambos os lados. Ultrapassagens não eram possíveis, mesmo a uma bicicleta. E foi assim que dei por mim a segurar o transito, que até há umas centenas de metros rodava como em autoestrada e agora tinha de esperar pelo ciclista. Para que não restassem dúvidas, eu rolava mesmo no meio da faixa, não fosse o camião sentir-se tentado a fazer a ultrapassagem, que seria para mim morte certa.
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? |
Saindo do IP3 na primeira oportunidade, para alívio de dúzias de enlatados, ainda tive que saltar uns separadores para regressar à N2, mas daqui para a frente as coisas melhoraram muito. As paisagens continuavam incríveis. Foi nesta altura que encontrei mais ciclistas. Primeiro estive à conversa com um local, que se interessou pela minha viagem e me informou que havia um grupo mais à frente, também a fazer a N2, com carro de apoio. Alcancei este grupo de uns 5 ciclistas e a sua autocaravana de apoio numa subida ingreme, e para minha surpresa, ultrapassei todos eles. Seguiam sem pesos extra e tinham por objectivo fazer a N2 em menos dias que eu, pelo que o seu ritmo me surpreendeu. Confesso que a sensação foi incrível, com carga e sem treino, na minha bicicleta do supermercado, como alguns lhe chamam, eu passei por aqueles companheiros como se estivessem parados, e não mais os voltei a ver.
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Come-se bem em Góis... |
O almoço foi um petisco jeitoso em Góis, numa bomba de gasolina-restaurante-padaria-posto turístico. Fiz a minha pesquisa do costume e identifiquei um parque de campismo em Pedrogão Grande. Sempre me falaram bem da terra e eu há muito que queria lá ir e hoje teria a oportunidade! Em princípio faria sentido também lá ficar em termos de quilómetros diários percorridos.
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Vistas da estrada |
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A Famosa |
O parque de campismo de Pedrogão Grande fica junto à albufeira, e para quem vem da N2, no final de uma descida considerável. Pelo caminho ia pensando que o parque de campismo tinha que estar aberto, porque eu não ia conseguir voltar a subir aquilo tudo para regressar à N2 sem um bom descanso primeiro. As primeiras impressões não auguravam nada de bom, a recepção não tinha ninguém e o parque tinha um portão, que estava fechado. Mas depois apareceu um senhor e à conversa percebi que se tratava de um funcionário da Câmara local, a quem o parque pertencia. Fui informado que o parque aguardava por nova gestão privada, e até lá não estava nem aberto nem fechado, já que a Câmara autorizava os residentes de longa data a permanecer, mas não tinha forma de receber novos utentes.
Simpaticamente, fui convidado a permanecer por uma noite, sem pagar nada, desde que me entendesse com os moradores locais, já que o portão seria de novo fechado. O parque tinha espaços com um matagal impressionante, e claramente precisava de manutenção em algumas zonas, mas os WC's estavam impecavelmente limpos e, melhor que isso, havia uma piscina com água em bom estado! Rejubilai!
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SIM! Só para mim! |
E quanto ao jantar? Como disse, eu dificilmente conseguiria deslocar-me por uma distância significativa, mesmo para comer. Mas fui uma vez mais lambido pela língua viscosa da sorte, pois junto à albufeira, uns metros mais abaixo do parque, estava uma roulotte de petiscos, onde comi um hamburger delicioso e brindei ao pôr do Sol.
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Home, sweet home! |
Dia 17. Vimieiro-Pedrogrão Grande. 101km. (Estrada).
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