A manhã do último dia começa em algumas das estradas onde eu mais evitaria pedalar em Portugal. As nacionais ao redor de Sines. Sem bermas, sempre com trânsito relativamente denso e rápido, e com malta que ultrapassa as bicicletas de qualquer maneira. Um TIR passou a milímetros do meu guiador e o Dentuça chamou-lhe nomes que eu nem sabia existirem. Este percurso foi tanto mais inglório porque eu fui mesmo obrigado a voltar para trás. Eu explico: há poucos anos algum iluminado resolveu caçar uns votos "inaugurando" uma autoestrada nesta zona, ou melhor, mudando o nome à antiga estrada de duas faixas por sentido que vinha para Sines, e com a alteração, para sempre banindo os velocípedes de ali circularem.
Por aqui? |
Embora tudo indicasse o contrário, eu estava convencido que existiria um caminho para Norte para bicicletas, passando por Sines, mas evitando a dita A26, e o GPS, por uma vez, concordava comigo. O que eu não contava era com o que seria preciso para sair dali sem usar a dita nova "autoestrada". Para o GPS um caminho é um caminho. Mas eu é que tenho que lá passar!
Por aqui?? |
Primeiro tive de usar uns acessos a um estacionamento, depois tive de contornar por trilhos a refinaria e os depósitos de hidrocarbonetos de Sines. Mais tarde andei mesmo no meio do mato, usei umas estradas de acesso para trabalhadores da refinaria e depois de circular numa linha férrea encerrada, lá encontrei uma saída para uma estrada nacional que seguia para Norte.
Por aqui! |
Hum... |
Cheguei sem muitos incidentes a Troia, mas sempre debaixo de imenso calor. O trânsito cada vez mais intenso e os condutores que desprezam a vida dos outros vão tirando alguma piada a circular por estas bandas. Nesta altura ainda faltavam duas travessias de ferry e mais de 40Km para eu chegar a casa, mas eu sentia que era já mesmo ali ao lado.
No Ferry |
Pronta para os últimos Km |
Não era. No Ferry para Setúbal vimos golfinhos e a criançada a bordo correu para ver os simpáticos animais, que pareciam saudar a nossa passagem. Foi um momento de serenidade, que não me preparou para o que viria a seguir. A subida à saída de Setúbal fui brutal. Pouco depois encontrava um trânsito absolutamente infernal entre Setúbal e Almada, em hora de ponta e debaixo de um calor abrasador. Filas e filas de transito caótico, os paquidermes metálicos enfurecidos, que eu contornava e deixava para trás, apesar do cansaço dos mais de cem quilómetros nas pernas.
De maneiras que foi isto |
Suponho que não poderia ser de outra maneira, haveria esforço até ao fim. Em Almada tive de correr para o barco. Uns minutos depois estávamos a ser libertados na outra margem, no Cais do Sodré. O Dentuça exclamou um sentido "I'm back, bitches!" mas a euforia durou-lhe pouco. A rolar lentamente numa Marginal repleta de carros, uma certa melancolia pareceu instalar-se. Parecia incrível estar de volta, mas era verdade, ali estávamos nós, 23 dias e 1900Km depois, practicamente de volta ao ponto de partida. No ar andava uma pergunta, pesada, inevitável, incontornável. "E agora?"
Para libertar a mente destas questões fracturantes, comecei a assobiar o tema de Lucky Luke, como tinha feito em tantos outros finais de dia, nas semanas anteriores. Depressa o Dentuça me acompanhou e juntos cantarolamos pela estrada fora, enquanto mergulhávamos cada vez mais no caos do fim do dia do Isaltinistão.
Km finais: 1909 |
Obrigadão pelas partilhas!! Encontramo-nos na estrada daqui a pouquinho! :)
ResponderEliminarEssa reação ao barulho, trânsito, confusão... na entrada nas cidades lembra-me o regresso a Dili depois de uns dias nos "distritos". Incrível o contraste com a paz de zonas e estradas mais tranquilas... que não sentimos facilmente no dia a dia quando imersos na confusão. Uma boa metáfora para vida, entre muitas outras que se podem formular!!
Força aí - há para aí muitas mais viagens para serem descobertas, literal e figuradamente!!
Obrigado! O que mais impressiona é dar conta que de facto estamos super acelerados e a viver na confusão no dia-a-dia, sem dar conta. Habituamo-nos a tudo!
EliminarGostei muito de ler a aventura e finalmente percebi no que consistiu e o porquê de te aborreceres com os meus comentários durante a mesma. E agora? Só para relembrar que as fronteiras já estão abertas e eu tenho algum tempo para ler :)
ResponderEliminarAinda bem que gostaste! Eu de momento ando a estudar várias possibilidades : )
ResponderEliminarBessa,
ResponderEliminarBelíssima e inspiradora jornada. Li-a em dois capítulos, para saborear melhor.
Obrigado pelas crónicas, fiquei com vontade de conhecer o teu amigo Dentuças :-) Parece ser um gajo porreiro, como tu.
E parabéns, uma vez mais, pelo objectivo alcançado.
Abraço,
Vasco
Olá Vasco! E obrigado! O Dentuça e eu andamos a pensar em outras aventuras, espero ter alguma novidade em breve. Entretanto tenho saudades da minha Vespa vermelha : ) Grande abraço. Bessa
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