quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O que diz Barbosa


Fui recentemente confrontado com mais um mui nobre serviço que o Sr. Carlos Barbosa prestou à nação. Depois de impedir os planos da CML, que pretendia devolver a baixa de Lisboa às pessoas e encerra-la ao trânsito automóvel, depois de confrontar publicamente as autoridades pelo seu descaramento de passar multas a quem circula em excesso de velocidade, (ver aqui texto de um admirador), depois de encher páginas de jornais na sua cruzada contra o elevado custo dos combustíveis, o Sr. Barbosa utilizou uma campanha de sensibilização sobre atropelamentos em meio urbano, cujos números recentes são trágicos, para nos revelar mais uma verdade escondida. E a verdade é só esta: a culpa é dos peões.

O presidente fala. O povo escuta.
Sim, sim, houve quem considerasse estas afirmações um ultraje, uma vergonhosa culpabilização das vítimas por parte do dirigente de uma associação poderosa que defende os interesses daqueles que, em última análise, são quem mata. Podem ler comentários pertinentes aqui.

Seria fácil classificar o Sr. Barbosa como uma besta, mas isso seria passar ao lado do problema. Eis uma das frases mais repetidas pelos media, atribuída ao Sr. De Barbosa: "Mesmo que o automobilista venha a 30 ou 40 km/h e o peão se atirar para a passadeira dificilmente o peão não será colhido. As pessoas atravessam em qualquer lado como se lhes apetecessem e tivessem direitos"

Lá está. Não interessa se o peão tem prioridade nas passadeiras, que pelos vistos só tem se não vier absolutamente nenhum carro, segundo o Sr. Presidente. A questão paradigmática é que essa gente, esses peões, pensam que têm direitos. Obviamente, não têm. Há pessoas em Portugal que ainda não perceberam, mas eu faço um favor ao Sr. Presidente e explico: se não estás ao volante de um veículo motorizado, não tens qualquer direito, excepto talvez o de permanecer calado. Essa é a realidade que algumas pessoas não compreendem e para a qual o ReichFüher Barbosa chama, e muito bem, a atenção.

És um camponês miserável: não podes caçar nas terras do rei, ou serás enforcado. É óbvio. És um peão miserável, se te colocares no caminho de um membro da casta superior, a conduzir o seu reluzente exosqueleto com rodas, serás trucidado. É justo. Aliás, só não é justo porque o mui nobre senhor condutor ainda se arrisca a passar pela maçada de se atrasar meia hora, para dar a sua versão dos acontecimentos às autoridades. Depois vai à sua vida, enquanto o peão vai para a morgue.

Out of my way, peasants!
Nem me vou debruçar aqui sobre o tempo ridículo de abertura dos semáforos para peões, a falta de passadeiras e de espaço nos passeios, as vergonhosas passagens aéreas que obrigam as pessoas a desviarem-se centenas de metros, ou mesmo a velocidade vertiginosa a que se movem impunemente os automobilistas dentro das cidades. Para quê? O facto é que, com lei ou sem ela, como no caso dos recém libertados escravos norte-americanos, quem não se desloca de automóvel em Portugal pertence a uma casta sem direitos. Se espancassem um negro num estado do Sul dos EUA em finais do séc. XIX e o deixassem moribundo, estendido na estrada, aos culpados não lhes acontecia nada. Por cá, é basicamente a mesma coisa. O Sr. Barbosa só nos estava a recordar quem manda.

Ora o Cavaleiro De Barbosa não costuma falar de ciclistas nas muitas entrevistas que dá. Conhecendo o que ele pensa dos peões, acho que consigo formar uma ideia. Mas o que mais incomoda no Presidente do ACP não é o facto de ele aparentemente viver na Idade Média (mais acertadamente, nas Dark Ages como diriam os anglo-saxões), onde uns são donos e senhores de todas as terras e têm todos os direitos e os outros... nem por isso. Não, o que irrita realmente é que este é um eficaz comunicador, que faz chegar a sua mensagem a um público ávido, um público que se sente oprimido pelos elevados custos de andar para todo o lado de pópó e injustiçado pela perseguição do estado, na forma de limites de velocidade, multas e radares. Em terra de cegos, o Barbosa é rei.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Deixem lá estar isso


Para grande frustração minha, o meu trajecto diário de bicicleta está, por agora, reduzido a uns meros 3 km. São 3 km todos os dias, são 3 km feitos a fundo, mas são 3 míseros km. Menos de 10 minutos a dar ao pedal, para ir de casa à estação do comboio e regressar. Forçado a utilizar os transportes públicos, ando mais atento às suas problemáticas. E atenção, eu só uso transportes públicos finos: nada de autocarros comprados em 3ª mão à República Checa, nada de aturar a condução condicionada ao humor do senhor motorista, nada de perder tempo em engarrafamentos, acidentes e confusões a que esses paquidermes viciados em nhã-nhã de dinossauro estão sujeitos. Não, para este vosso escriba só serve bifinho do lombo, ou seja, comboio suburbano (da linha de Cascais) e metro.

Da utilização regular destes dois serviços, só posso dizer bem. Tirando a questão das máquinas dos bilhetes da CP, tudo me agrada. É talvez incrível, mas verdadeiro. Não sei se esses reclamadores profissionais, que têm sempre uma desculpa para usar o carro para ir nem que seja à casa de banho, andaram alguma vez de metro nos últimos 10 anos. Carruagens limpas, estações bem iluminadas, horários cumpridos, tudo o que é para funcionar, funciona. A CP é basicamente a mesma coisa.

Fiquei por isso intrigado quando soube que a cronicamente falida CP se preparava para adquirir carruagens e locomotivas novas, no valor de centenas de milhões de Euros. Boa parte desse novo material seria para a linha de Cascais. Ora eu não sou engenheiro, mas tenho a a ideia que os comboios não são propriamente produtos de consumo, como os modernos pópós, que a maior parte das pessoas acha por bem substituir  cada 5 ou 6 anos. Com a devida manutenção, até um comboio a vapor com mais de 100 anos está apto a transportar passageiros. E assim à vista, não há nada nas carruagens que me diga a mim, utilizador, que aquele material é demasiado velho ou ineficaz. Por que razão uma empresa falida estava disposta a gastar muitos milhões, de dinheros públicos, para substituir carruagens confortáveis e seguras era algo que me ultrapassava.

Felizmente a crise parece ter colocado algum bom senso nas mentes geniais que dirigem a CP. Foi hoje noticia que a empresa arranjou maneira de largar o contrato de aquisição sem perder dinheiro. (Só a face). Não fico propriamente feliz de ver menos investimento a ser feito nos comboios, antes pelo contrário. Mas ainda acho que as prioridades de mobilidade continuam por cá muito mal definidas.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Ciclovias no passeio

A existência de uma ciclovia marcada e delimitada não é a panaceia para todos os males do ciclista urbano, todos o sabemos. Este vídeo publicado no site do El País, filmado em Madrid, uma cidade pouco amiga da bicicleta apesar ser completamente plana, prova que o problema não é só nosso.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Dia europeu sem carros?

Finda a semana europeia da mobilidade, um balanço. Confesso que estava na expectativa de ver alguma coisa especial acontecer ontem, o dia europeu sem carros. É que eu ainda sou do tempo em que se fechavam ao trânsito avenidas inteiras do centro de Lisboa, onde só circulavam os transportes públicos (mais as muitas excepções que os portugueses são pródigos em arranjar para qualquer regra).

Av. de Berna, ontem de tarde

Desde há uns anos para cá, nada. Para felicidade dos automobilistas mais empedernidos, que não conseguem passar sem a sua fiel montada um dia por ano que seja, nem um metro de asfalto fica nestas datas vedado à circulação das vacas sagradas. A semana da mobilidade é suposto promover o uso dos transportes públicos e da bicicleta, demonstrando que em condições mais favoráveis, ou seja, sem o asfixiante trânsito automóvel, estes podem ser meios de transportes mais cómodos, rápidos e tão seguros como o uso dos supracitados paquidermes que tudo entopem. As principais autarquias do país, e não só, ao que parece, decidiram que isso dá muito trabalho.

Campo Pequeno, ontem
As iniciativas agora resumem-se a meros actos simbólicos, como a apresentação em Lisboa de um mapa de ciclovias que não traz absolutamente nada de novo. Aliás pelo contrario, serve de confirmação de que a câmara ainda nem tem previsto o traçado de uma ciclovia que finalmente ligue a cota do rio à zona do centro da cidade, algo como ligar a Praça do Comércio ao Saldanha, para mim o traçado mais importante do ponto de vista do ciclismo utilitário na cidade.

Mas será que podemos realmente esperar alguma coisa de um município que tem as ciclovias entregues ao pelouro dos jardins? Que este ano possibilitou aos ciclistas a benesse de poder ir brincar una noite para o Túnel do Marquês, fechado, das 23:30h às 05:00h??? Acham mesmo que esta gente leva a mobilidade sustentável minimamente a sério?

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

24h BTT: mais olhos que barriga


Nunca pensei que num post sobre uma prova desportiva viesse a falar de algo relacionado com os temas da mobilidade sustentável, mas a verdade é que estou prestes a fazer isso mesmo.

Para os não iniciados convém explicar que as 24h BTT de Lisboa são uma prova de BTT, amadora, disputada em circuito, a solo ou em equipa, num período de um dia. Neste caso, o percurso foi delineado nos terrenos do Jamor, num total de 13 km. A organização do evento é inteiramente privada, a cargo da Escola Aventura.

A grande K espera para entrar em acção

Infelizmente, a organização esteve mal, e desde a primeira hora. A prova foi adiada por vários meses, por razões nunca bem explicadas. As informações sobre o evento foram chegando a conta gotas, as mais importantes só conhecidas imediatamente antes da prova começar ou mesmo depois. O local escolhido para o acampamento era pouco mais que um baldio, com piso de brita, sem acesso a agua ou electricidade. Os balneários disponibilizados estavam longe, as casas de banho também. O percurso estava mal marcado e pior vigiado. Era fácil, sobretudo de noite, cometer erros que custavam tempo ou mesmo cometer erros propositados que fizeram alguns ganharem tempo. Os pontos de abastecimento de agua estavam colocados em sítios caricatos, antes de descidas, por exemplo. O jantar deixou de ser servido bem antes da hora prevista, etc, etc, etc. De realçar que por tudo isto, cada participante pagou 40 Euros.

Tendas? Quais tendas?
De todos os problemas e contratempos, para mim o mais interessante foi o que aconteceu na zona do campismo. Logo na sexta feira de tarde apareceram participantes para montar as suas tendas. Eu fui uma dessas pessoas. Alguns não se limitavam a colocar a sua tenda mas reservavam largos pedaços de território, marcados com fitas de plástico, para os amigos e membros da equipa. Até aqui tudo mais ou menos normal, não fosse a situação dos automóveis. Não era permitida a presença de carros nesta zona de campismo, provavelmente por causa do exíguo espaço disponível. No entanto, poucos se mostraram disponíveis para dormir sem terem o pópó por perto. Toda a gente precisava do carro ali ao lado, ninguém podia passar sem ele. Os membros da minha equipa foram das poucas pessoas que conseguiram misteriosamente sobreviver sem ter o carro estacionado a 5 metros.

Sem forma de fiscalizar quem estava a prevaricar ou impor penalizações a quem não retirasse o carro do recinto, a organização depressa lavou as mãos do problema. O resultado foi dormirmos todos, não num acampamento, mas num parque de estacionamento, onde se via, de longe a longe, uma tenda. Todo um hino às vacas sagradas e à dependência patológica que algumas pessoas, incluído amigos que tenho como inteligentes e razoáveis, parecem sofrer.

Afinal, para andar de bicicleta faz falta um carro. Aliás, muitos!

Felizmente, o excelente ambiente de convívio e o próprio desafio da prova tornaram a minha participação nas 24h num acontecimento de boa memória. Passar da minha bicicleta utilitária para a BTT, em que já não mexia há algum tempo, foi, ao principio, desconfortável. Guiador baixo, pneus grandes a gerar atrito, ainda levei uns minutos a adaptar-me. Depois foi sempre a rolar, por uma vez até foi a rolar aos trambolhões por uma ribanceira abaixo, a que chamam de "kamikaze", vá-se lá saber porquê.

Imagem: Rita Ramos
No fim, a minha equipa de 4 pessoas, que na sua maioria não levam o desporto muito a sério, que quase não treinaram, e que usam bicicletas que outros designam como velhas e pesadas, acabou a prova na 3º posição, com direito a cerimonia de pódio e taça. E conseguimos isto sem ter um só automóvel a dormir aos nossos pés. Incrível.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Da News



Este vídeo chegou-me via a newsletter da FPCUB. Vale a pena difundir. É uma reportagem sobre a evolução nos últimos anos (ou revolução?) do uso da bicicleta  na cidade de Sevilha. A Andaluzia é das regiões espanholas que conheço pior. Tenho a ideia de que os andaluzes não são muito diferentes de nós, ou seja, também são todos meio ciganos. (Com perdão para o povo Roma.) Antes que comece a chegar o hate mail, esclareço que só quero dizer que são também pouco avessos a cumprir regras, obedecer a normas e talvez bastante obcecados com questões de status. Ou seja, gostam (demasiado) dos seus pópós, e fazem um uso muito "liberal" deles. Como nós.

A julgar pelas imagens do vídeo, os progressos na rede de ciclovias de Sevilha parecem ter sido conseguidos sem incomodar o divino fluxo das vacas sagradas. As ciclovias parecem estar todas nos passeios. As zonas do centro histórico continuam abertas ao tráfego automóvel. Há, aqui e ali, uns cruzamentos esquisitos, umas bicicletas a ter que descer passeios, enfim, coisas que, se fosse cá, diríamos feitas "à portuguesa". Agora, é inegável que eles fizeram notáveis progressos, numa terra com temperaturas médias muito altas, coisa tão ou mais problemática que as tão citadas (na hora das desculpas) colinas de Lisboa. Em suma, quanto mais não fosse pelas semelhanças, um exemplo a analisar.

Mais noticias: na edição do Público on-line vinha esta interessante peça. Já começa a enjoar a conversa dos carros eléctricos. Um trabalho incluído no separador "Ecosfera" do jornal, que não fala mais que de automóveis. Os média têm muita culpa em ajudar a propagar o mito do "carro amigo do ambiente". Tal coisa não existe. Querem um veículo eléctrico amigo do ambiente? Um que já existe há muitos anos? E que não estaciona em cima do passeio? Chama-se "Comboio". Experimentem.

Por fim, mais dois apontamentos. São sobre os blogues que, já terão reparado, sigo mais atentamente:

- Por um lado, os meus parabéns ao Pedro Fontes, o homem que atravessou África a solo, de Angola a Moçambique, montado na sua bicicleta de montanha. Depois de milhares de km, muito calor, muitos furos e alguns encontros mais imediatos com a fauna local, o Pedro chegou, são e salvo, a Maputo, segundo noticiou ontem a RTP2. Mais info também aqui. Uma viagem memorável!

- Por fim, o outro projecto que tenho acompanhado com grande interesse, a volta a Portugal do Paulo Guerra dos Santos está a aproximar-se da sua conclusão. Tendo lido avidamente as reportagens diárias desta epopeia, fica-se com a ideia de que Portugal não é só Lisboa e que no país, felizmente, muitos municípios parecem levar bem mais a sério as questões da mobilidade sustentável que o da nossa capital. Fiquem atentos ao site, era interessante que quem tivesse disponibilidade, se juntasse ao Paulo na sua última etapa, no regresso à velha Olissipo. Uma grande "escolta" de bicicletas seria o final merecido para esta aventura.

As 24h

Este ano deixei-me convencer a participar nas míticas 24h de BTT de Lisboa. A prova realiza-se este fim de semana, desta vez nos terrenos do Jamor, uma zona que conheço bem, porque foi em tempos o meu "quintal", a minha zona de treinos, muito frequentada sempre que não tinha tempo para ir mais longe.

A minha fiel "Grande K" durante um reconhecimento do percurso

Infelizmente, é também um terreno difícil, muito técnico. E também excessivamente urbanizado, é preciso andar às voltas no mesmo sítio para não passar a vida a atravessar estradas. A organização parece ter escolhido um percurso possível tendo em conta esta realidade. Mesmo assim, parece-me demasiado técnico para uma prova de resistência. Nos últimos anos a legião de adeptos do BTT não tem parado de crescer. Com isso também cresceu de maneira notória o número de "raids", passeios e competições amadoras. Infelizmente estes eventos têm cada vez mais uma componente comercial e uma competitividade feroz, que a mim pouco dizem. Espero não ser o caso das 24h, tenho boas expectativas para esta prova. Só o facto de pedalar de noite e participar em equipa, com amigos, já será uma boa experiência. Não deixarei de postar aqui um relato. Caso sobreviva, é claro.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Haverá esperança?

Hoje acabei o dia um pouco indeciso, algures na zona cinzenta que vai do optimismo contagioso ao negativismo deprimente. Por acaso, estive em Oeiras, andei por Belém e acabei em Cascais. Vamos às boas noticias primeiro:




Este é o novo estacionamento para bicicletas da estação de comboios de Oeiras. Já existem dois outros espaços como este do mesmo lado da estação, mas estão sempre repletos de bicicletas. Muitas vezes os ciclistas são obrigados a recorrer aos postes e corrimões disponíveis por perto. Não sei ao certo há quanto tempo foi criado este novo espaço, só reparei nele hoje.

Este tipo de estrutura em "U" invertido é unanimemente considerada a mais correcta. Como utilizador estou completamente de acordo. Infelizmente não é a mais utilizada pelos municípios e demais autoridades, na hora de construir os seus estacionamentos para velocípedes. Mais um facto que demonstra como muitas vezes os projectos de modos suaves estão desligados da realidade e do público a que deviam servir.


Sinalizado e estrutura em "U" invertido. Um luxo!


Reparem então no meu espanto: numa zona onde já existem pelo menos 3 pontos de estacionamento para bicicletas (a abarrotar, mas existem), foi construído mais um, e ainda por cima, bem feito. É de notar que com esse dinheiro poderiam ter sido construídos 0,05 milímetros de autoestrada, ou o espaço utilizado para o estacionamento de 1/2 automóvel. Não estou habituado a tanto luxo! Rejubilemos!
  
Este pequeno prodígio parece ser da responsabilidade da CP e não da Câmara Municipal de Oeiras. Não deixa de ser curioso que a CP pareça mais preocupada com a mobilidade sustentável que o auto-proclamado "concelho de referencia, sem rival em Portugal". Talvez seja uma questão jurisdicional, mas realmente já não espero muito de uma autarquia governada por um criminoso condenado, reeleito contra tudo e contra todos pela população com maior nível de instrução do país, que nunca deixa de defender o seu autarca com afirmações do tipo: "Roubar roubam todos, mas ao menos ele tem obra feita".


Quase uma bicicleta para cada carro. Ah... Não.


Mesmo que poucos autarcas façam alguma coisa por isso, o facto é que hoje vi muita gente a andar de bicicleta, tanto em Oeiras como na zona de Belém. Foi altamente moralizador. Muitos utilizadores aproveitam a possibilidade de transportar a sua bicicleta no comboio. Outros aventuravam-se na temível marginal, com bicicletas utilitárias. Até vi uma longtail! Aliás, vi tantas bicicletas hoje que comecei a fazer uma contagem de marcas.

Ganhou a Órbita. O que é nacional é bom.


Bicicleta e comboio. O progresso não chegou aqui!


Está imagem, de (pequenos) progressos a serem alcançados na demanda da mobilidade sustentada, foi rapidamente desfeita numa subsequente visita ao novo Hospital de Cascais. Tanto asfalto foi ali derramado que pensei que ia ficar mal disposto. Ou terá sido da meia dúzia de rotundas que tive que navegar em menos de um quilómetro para chegar ao destino? E eu fui para lá de carro, provavelmente a única maneira "fácil" de conseguir chegar. Passeios não se vêem, ou são diminutos, tudo foi mais uma vez idealizado para pasto das vacas sagradas. Até a entrada do Hospital é precedida de uma enorme rotunda de múltiplas faixas, que parece ali existir apenas com intuitos decorativos.

Ali ao lado, cercado por vários pisos de estacionamento e uma cintura de 8 faixas de autoestrada, o Cascais Shopping da minha juventude está irreconhecível. Uma família de clientes do tipo pedonal (sem dúvida em vias de extinção) parecia mais chocada do que eu, ao verificar que o passadiço por onde tentavam aceder ao centro comercial desembocava num túnel rodoviário sem passeio nem berma. Não é deste progresso que eu quero fazer parte.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O bom, o mau e o vilão

 

No apartamento onde passei uns dias no Algarve havia uma série de revistas estrangeiras, que me proporcionaram uns momentos de leitura descontraída. Um artigo sobre ciclismo utilitário que me chamou a atenção vinha publicado, imagine-se, na conhecida revista Top Gear. Como ex-trabalhador desta área, e admirador do estilo visual do programa de televisão (embora abomine a linha editorial) fiquei genuinamente curioso por saber o que diziam estes tipos sobre a emergente utilização de bicicletas, como meio de transporte, no Reino Unido. Como se veio a revelar, nada de bom.


Jornalista não gostou de usar licra. Quem o terá obrigado?


Para ser justo, no pequeno artigo reconhecia-se a habitual jocosidade que caracteriza o franchise Top Gear, mas não era mais crítico com o comportamento dos ciclistas que outros textos, nacionais e estrangeiros, que tenho encontrado (estou-me a lembrar por exemplo de um editorial do Vitor Sousa na Motociclismo). Passar sinais vermelhos, ignorar sinalização e regras de prioridade, alternar entre a faixa de rodagem e o passeio conforme a conveniência, estas costumam ser as criticas mais comuns. Para o autor britânico em causa, acrescia a ideia de ser injusto e incorrecto permitir o acesso à via pública a pessoas que não têm que se sujeitar a qualquer formação ou exames para o fazer (versus o que acontece com os condutores de veículos motorizados).


Bugattis a 400 km/h e... bicicletas??


Nada disto é novo, mas cada vez mais estará na ordem do dia, se continuar a aumentar o número de utilizadores de bicicleta nas nossas cidades e estradas. Por um lado a liberdade que a bicicleta proporciona facilita este tipo de comportamentos. Do outro lado da questão temos o problema das infraestruturas e do código da estrada. Tudo foi legislado, desenhado e construído com o intuito de acomodar, agilizar e beneficiar o transito automóvel. As vacas sagradas. O ciclista é muitas vezes posto numa posição onde, se não improvisar, e porventura desrespeitar alguma regra do código, estará a colocar-se em perigo ou a obrigar-se a fazer vários km inutilmente. Sentidos únicos, vias rápidas em meio urbano, estradas sem berma* e com trânsito intenso, cruzamentos perigosos, as questões são muitas e infelizmente pouco conhecidas e consideradas, quer pelo público em geral, quer pelos decisores políticos (o que é notório nas ciclovias que vão aparecendo).


Ciclistas na berma


A visão da bicicleta como um brinquedo, sem lugar na via pública, ainda está muito presente na sociedade. Mesmo entre a maior comunidade portuguesa de utilizadores regulares de bicicleta, o mundo florescente do BTT, isso é verdade. Não deixa de ser sintomático que, no principal fórum nacional desta especialidade, haja um tópico de 17 páginas onde se discute a eventual obrigação de respeitar os semáforos.
 
Não é fácil ser um ciclista urbano e um cidadão cumpridor ao mesmo tempo. Isso não invalida que se faça o possível por cumprir as normas, excepto onde elas se revelem claramente perigosas. Circular na faixa do meio, por a faixa mais à direita ser de BUS, numa daquelas avenidas lisboetas onde os carros circulam impunemente a velocidades de auto-estrada, parece-me suicídio, mesmo que seja a postura correcta do ponto de vista do código da estrada. O bom senso obriga, neste caso, à utilização da faixa BUS. Já contornar um cruzamento, com sinais vermelhos, pelo passeio, para poupar tempo, não me parece de todo desculpável. E devo ir pela ciclovia, mal desenhada, cheia de cruzamentos perigosos e de peões ou manter-me, ilegalmente, na estrada? Mesmo tirar uma mão do guiador para sinalizar uma manobra pode ser, em certas circunstancias, perigoso. Será melhor arriscar uma queda a alta velocidade, acossado pelos automóveis, e fazer o sinal, ou não sinalizar a manobra e fazer a curva em segurança? Os exemplos são muitos, e a única solução é ser o bom senso (e não o comodismo) a prevalecer nestas decisões.


Se cruzar montado, o código não obriga o pópó a dar prioridade


Do ponto de vista demográfico, os ciclistas são uma pequena minoria. É um dado a reter. As minorias são alvos fáceis de críticas. Meias verdades ou mesmo fantasias tornam-se muitas vezes factos inquestionáveis na mente de quem delas não faz parte. Aliás, o ódio ao ciclista anda à solta por aí, alimentado como sempre pela ignorância. Porque "estorvamos", "não pagamos impostos", "não temos seguro", "não usamos capacete", "não temos prioridade", tudo serve de razão a quem dela não precisa para odiar. A mobilidade sustentável é uma causa que passa ao lado de alguns ciclistas, mas pela minha parte, não pretendo dar mais motivos que os necessários para ser visto como um marginal pela sociedade, por mais desequilibrada que eu próprio por vezes a julgue.

*Sim, circular pela berma também não é legal, mas se tiver umas bicicletas desenhadas já é. Giro, não?