Atenção: Tabu |
Há coisas que nunca se discutem em família ou com amigos: politica, religião e... bicicletas. É verdade, todos sabemos que há assuntos que não podem nem devem ser abordados fora de um contexto específico. Pela sua natureza delicada, ninguém se põe a falar do aborto num almoço de família. Ou a discutir politica com os colegas de trabalho. A menos que já saibamos bem as opiniões de cada um, caso contrário estão criadas as condições para uns momentos extremamente desagradáveis.
Infelizmente, e como nos recorda esta posta recente do Lovely Bicycle! a bicicleta pode facilmente ser um daqueles temas fracturantes (pronunciar como se fossem o Francisco Louça), capazes de incompatibilizar parentes e amigos de longa data. Pessoalmente, desde que escrevo este blogue tenho sido surpreendido pelas reacções negativas que tenho recebido, pelo que aprendi a ser discreto. Uma apreciável quantidade de pessoas, inteligentes, racionais e aparentemente razoáveis, podem demonstrar ser completamente intolerantes quanto ao direito da bicicleta circular na via pública ou mesmo o direito do ciclista à vida e integridade física. Assumir que se é um ciclista urbano, em alguns contextos, pode ser análogo a contar aos pais, nos anos 50, que se era homossexual ou comunista.
O facto de não se poder falar livremente de uma coisa tão simples como o circular de bicicleta pela cidade sem atrair comentários depreciativos e mesmo críticas pesadas por parte de pessoas que, supostamente, têm connosco alguma ligação afectiva, deveria ser algo elucidativo do actual estado de coisas. Deve ser mais fácil afirmar em público a nossa fidelidade a um qualquer líder politico controverso do que defender o ciclismo utilitário. Chavões como "a estrada não é lugar para as bicicletas" ou "os ciclistas só estorvam, as pessoas têm pressa" ou mesmo o clássico "estão mesmo a pedi-las para serem passados a ferro" não são difíceis de serem ouvidos de pessoas insuspeitas por quem nutrimos amizade.
No fundo, o verdadeiro tabu nestas coisas é apenas um. O ciclista parece para alguns ser uma ameaça, uma ameaça ao paradigma do automóvel como utilitário imprescindível e insubstituível. E tudo o que ponha em causa a hegemonia da vaca sagrada só pode ser tabu.