sábado, 25 de fevereiro de 2012

Londres e o Ciclismo Veicular

Imagem: Joana Franco

Começo por admitir que tenho um certo fraquinho por Londres. Há qualquer coisa na cidade que me agrada. E não é de certeza a comida. Ou o clima. Talvez eu seja um admirador secreto do proverbial stiff upper lip britânico, aquela mistura de politeness e sangue frio que se mantêm mesmo que tudo à volta esteja a desabar. E talvez seja essa mesma atitude perante a adversidade, dos súbditos de sua majestade, que os leva a serem grandes adeptos do ciclismo veicular.  

Dia dos namorados em Londres

Ora eu já por aqui perdi algum tempo (e fiz perder o vosso), a maldizer o conceito do "vehicular cyclist". Também sou amiúde crítico das "pseudo-ciclovias", pelo que muitos estarão a pensar, não sem razão, que eu sou um (inserir palavrão cabeludo aqui) incoerente. Mas deixem-me tentar explicar.

"Boris Bikes" esperam clientes

Simplificando, o ciclista veicular acredita que isto está é cheio de maricas. Pussies. Então é lá agora preciso vias segregadas, legislação especial e não sei mais o quê para andar de bicicleta?? Nada disso. Um gajo faz-se à estrada, imita os carros e pronto. Vais virar à esquerda numa avenida com 5 faixas? (À direita em Londres...) Então sinalizas a mudança de direcção e colocas-te atempadamente na faixa mais à esquerda. Simples. Está tudo a andar muito depressa? Tens que andar ao ritmo do trânsito também, pois então. É o quê? Têm todos carros com mais de 100 cavalos e circulam nas grandes avenidas muito acima dos limites legais? E tu, não tens pernas? Toca a mexer. Pussie. 

Num país onde velhotes de 100 anos batem recordes de ciclismo como forma de celebrar o aniversário, e onde o prato nacional é um peixe horroroso servido numa folha de jornal, não sobram dúvidas que os Londrinos são tipos duros (e tipas) com pelo na venta e estofo para esta forma particular de ciclismo utilitário. Mas a bravura não anula certamente os perigos, e não admira que o YouTube esteja inundado de vídeos como este:



Sim, este tipo estava praticamente a pedi-las, mas quem tem ido a Londres recentemente pode testemunhar que é comum ver ciclistas a comportar-se desta forma. Em Londres, os ciclistas circulam como veículos motorizados, muitas vezes à máxima velocidade que conseguem, e recebem o mesmo tratamento impiedoso que os automobilistas costumam reservar uns para os outros. É verdade que existe sinalização, que há ciclo faixas pintadas no asfalto em muitas vias, que os ciclistas podem circular nas faixas BUS e esperar pelo verde do semáforo na frente da fila. Em alguns sítios até há ciclovias segregadas, mas poucos são os automobilistas que respeitam estas pinturas rupestres e as distâncias de segurança. Há até quem diga que as ciclo faixas reduzem a segurança dos ciclistas. 

Ao tentar entrar no jogo de igual para igual, sem mudar mais nada, é fácil esquecer quem é que se encontra numa posição muito mais vulnerável: o ciclista. Não estamos nos anos vinte, há muitos (mesmo muitos) carros nas estradas, e circulam muito rápido. E depois acontecem tragédias. Não deixa de ser curioso que mesmo nas campanhas por mudanças no estado da coisa-ciclistica no Reino Unido recorre-se quase sempre a alternativas às vias segregadas. Na conhecida campanha do The Times, propõem-se umas medidas e alterar uma série de coisas, menos o direito a andar na estrada. E quem pode censura-los?

Crachá da campanha do Times

O ciclismo veicular não deixa de ser uma espécie de experiência Darwiniana, onde só os mais fortes sobrevivem. No ciclismo veicular não parece haver espaço para os mais novos e os mais velhos, os mais fracos e os mais lentos. Em Londres circula-se a toda a velocidade, o tempo todo. Existem outras cidades europeias onde o modelo é um pouco diferente e atrai mais pessoas para o ciclismo, não é verdade? Há até muitas semelhanças entre Londres e Lisboa, no que toca ao uso da bicicleta como meio de transporte. Mas se calhar devíamos inspirar-nos naquilo que funciona e não naquilo que gostaríamos que funcionasse.

Apesar de tudo, não esqueçamos que a bicicleta é a forma mais rápida de deslocação na capital britânica, como os insuspeitos tipos do Top Gear se encarregaram de demonstrar há uns anos. E se ficaram tristes com toda esta conversa, tomem lá um estimulante natural: vejam como em Londres se resolve o problema do estacionamento abusivo em paragens de autocarro. Sr. Costa, está a tomar notas?

2 comentários:

  1. Esta questão não pode nem deve ser vista a preto e branco. Falar de ciclismo veicular vs ciclismo segregado é extremamente redutor e é uma discussão que não faz sentido nenhum porque um não é a antítese do outro. O Eng Mário Alves abordou um pouco o porquê desta questão na última apresentação das one talks: http://www.livestream.com/onetalks/video?clipId=flv_f01aae70-9acd-4f2a-9c38-feced7c56e55&utm_source=lslibrary&utm_medium=ui-thumb

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  2. Bessa, estás a misturar conceitos. O ciclismo veicular pratica-se quer haja segregação quer não. Está sujeito a regras similares. O ciclismo veicular opõe-se ao "ciclismo pedonal" que é o uso da bicicleta como se fossemos simplesmente peões com rodas, sem seguir sentidos de trânsito, sem luzes, sem regras de prioridade estabelecidas entre iguais, etc.

    De resto, o modelo da segregação-veicular comum nos países da moda (NL, DK, etc) não funciona apenas pela existência de vias segregadas. A cultura que vinha de trás, a legislação, o desenho urbano, a existência de espaços de estacionamento nas residências, escolas, edifícios e ruas, etc, compõem o cenário.

    E mesmo assim não são suficientes. Sim, têm bastantes ciclistas, mas não têm peões. Isso não é uma cidade melhor. O problema, excesso de carros, é semelhante ao nosso. A diferença estará, possivelmente, no seu maior controlo a nível de velocidades e de permeabilidade urbana. Esse modelo esgota-se nos 31% de quota modal da bicicleta, parece (em termos globais, de país). Da mesma forma, o modelo segregação-pedonal que se vê a surgir em Espanha esgota muito rapidamente também, e destrói a cultura do andar a pé historicamente mais forte nestas cidades.

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