sexta-feira, 16 de março de 2012

Christinas há muitas

Da minha nova base ultra-secreta no Parque do Jamor, continuo a acompanhar atentamente o mundo biciclistico (sim, essa palavra não existe em português de Portugal, mas todos os grandes autores inventam léxico novo). Uma equipa dedicada de lebres do campo percorre a imprensa internacional numa procura incessante de informação que me permita perceber as novas tendências da(s) cultura(s) de bicicleta. Recentemente foi-me apresentado um texto de um jornal inglês que não posso deixar de comentar. O artigo já tem umas semanas, as lebres são tecnicamente funcionários públicos e desde que lhes cortaram a 13ª e 14ª cenoura têm andado particularmente vagarosas. É o que se pode arranjar.

"Christina, não vais levar a mal, mas inteligência é fundamental!"

Trata-se um texto do "The Independent", onde uma articulista dá rédea solta ao seu descontentamento sobre a existência das chamadas "Ghost Bikes". Para quem não sabe, uma "Ghost Bike", para além de mais uma marca de bicicletas, é o nome que se dá a um memorial a um ciclista caído (leia-se morto), que toma a forma de uma bicicleta amarrada perto do local do incidente. A bicicleta é pintada toda de uma só cor, normalmente branco, e pode ter fotos e flores colocadas. É o equivalente às cruzes com nomes e flores que se podem encontrar por vezes em Portugal no local de atropelamentos mortais ou outros acidentes de viação.


Já li todo o tipo de noticias e artigos de opinião ofensivos e até insultuosos para com o ciclismo em geral e os ciclistas urbanos em particular. Que alguém se irrite com uma bicicleta parada é algo novo para mim. No artigo em questão, a amiga Christina alega que é normal para quem se mete a andar de bicicleta no meio dos carros correr riscos e que portanto não deveria haver surpresas quando alguém morre, muito menos fazerem-se memoriais ao falecido. É como se ir de bicicleta para o trabalho fosse análogo ao Base Jumping ou algo assim. Quem se mete a fazer coisas que se sabe sobremaneira que são perigosas não tem direito a queixar-se depois, parece ser a mensagem.

Por outro lado, a amiga Christina também questiona o papel activista das Ghost Bikes, já que elas servem também para recordar ao mundo em geral que os ciclistas precisam de condições seguras para as suas deslocações. Ela parece pensar que o espaço urbano "é como é" e não pode ser de outra maneira. Mudar alguma coisa só para que uns ciclistas não morram? Ora essa... Esta diarreia articulista não passou despercebida nos meios britânicos e motivou algumas respostas à altura.   

Este tipo de discurso de quem para ele (ela) tudo esta bem e que "o mundo é assim mesmo" e não pode ser de nenhuma outra maneira faz-me lembrar a seita do ciclismo veicular, que tem sempre esse mesmo tipo de raciocínio. Não estou a dizer, nem nunca disse, que a bicicleta não tem o seu lugar na estrada, mas quando a estrada tem características que foram exclusivamente pensadas para o pópó (e muitas das vias de Lisboa têm características como estas) e que são extremamente perigosas para um ciclista, é claro que exijo vias segregadas. Já agora, as vias segregadas deveriam ser para o automóvel, ele é que é a fonte de perigo. Os criminosos é que vão para a prisão (alguns), não são o resto das pessoas que são encarceradas para ficarem a salvo deles.

Uma posta recente do Snob referiu-se a esta matéria do ciclismo veicular com especial acutilância, e eu não podeiria concordar mais. Há até um comentário de um leitor que resume a minha posição bastante bem, mesmo que recorra ao americanês para se expressar: "(...) What cyclist would ever want to ride IN traffic if they had any other choice?? I ride in traffic and act like a car BECAUSE I HAVE TO in my city lacking bike lanes. I take lanes with confidence BECAUSE I HAVE NO OTHER CHOICE to ride a bike. If I had bike lanes, I would ride in them, or even better, if there was a SEPARATE path, I'd take that. I'm so sick of this macho BS that suggests if you can't ride 20-25 mph everywhere you go, you shouldn't be riding.(...)"

Entretanto, por cá, torna-se evidente que a crise do desemprego afinal não pode ser tão grande como dizem, quando criaturas como esta aparentemente têm trabalho:



Isto é suposto ser uma peça "humorística" de um tal canal "Q". Alguém se esqueceu de avisar a Rosa Felix, que de boa fé deu a cara pelo Mubi. Pelo meio aparece um tipo de fixie, que é suposto ser um Bike Buddy que vai ajudar o amargurado "jornalista" a fazer o seu primeiro percurso de bicicleta pela cidade. É suposto ter graça, mas só a um nível muito básico alguém pode achar a peça engraçada.

Para começar, o "jornalista" parece nem saber andar de bicicleta. Talvez para efeito cómico, o selim está demasiado baixo, e ele pedala com os joelhos dobrados e sempre aos ziguezagues. Quem não sabe conduzir um carro nem regular o seu assento provavelmente também não se aventura a ir conduzir até ao Marquês de Pombal. Digo eu. 

Depois temos a escolha da bicicleta. Isto não tem qualquer peso na peça, que é do mais básico e simplório possível, mas escolher uma dobrável em aço com uma só velocidade para pedalar em Lisboa não parece grande ideia. É claro que o suposto "Bike Buddy" não concordaria, já que este autentico cromo se apresenta numa fixie, uma bicicleta também sem mudanças e sem travões. Pode ser bonita, mas não é decididamente a melhor escolha para Lisboa.

As tatuagens, os conselhos obtusos e o linguajar do "man" escolhido para guia e mentor do aprendiz de ciclista completam a mensagem, tantas vezes repetida: "Eles", os "outros", são muito estranhos e andar de bicicleta em Lisboa é uma coisa muito "esquisita".  Eu sei que é suposto ser um programa de humor, mas não lhe vejo a graça. Talvez possam fazer a seguir um sketch sobre "andar a pé em Lisboa". "Ter 85 anos e morar num prédio na baixa". Ou "viver com a pensão mínima em Portugal". Temas não faltam, o problema é que para brincar com coisas sérias é preciso inteligência, e essa às vezes não abunda. Talvez o tal João Aragão ainda vá a tempo de aprender com os mestres:

5 comentários:

  1. ghost bikes, e não "gost bike" :) Felizmente ainda não precisámos de pensar nisto em Lisboa. No entanto a estatistica pode fazer prever que acontecerá em breve com o repentino aumento de utilizadores de bicicleta...

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  2. Certo. Está corrigido, obrigado. As lebres da revisão de texto vão ter que me ouvir...

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  3. a fixie é uma bicicleta "sem travões"?
    pessoalmente até costumo usar uma pasteleira, nada tenho a ver com o pessoal das fixies, mas dizer que uma fixie não tem travões é passar a ideia errada

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  4. As "fixies" normalmente não têm travões, mas efectivamente podem te-los, o que as define é não terem o carreto livre. O facto é que neste caso não tinha, foi só isso que eu disse.

    De qualquer maneira, não levem demasiado a sério o que lêem por aqui. As lebres não gostam...

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  5. Claro que não têm travões, mas no seantido habitual do termo. Mas quem não sabe o que é uma fixie (e era a essas pessoas que era dirigida a frase em causa), fica com uma ideia totalmente errada. Fica a pensar que não podem travar, e isso é totalmente falso.

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