sábado, 25 de agosto de 2012

O que Londres tem e Lisboa não?

Londres, num dia qualquer

Muita chuva? Mais pontes? Menos carros? Sim. Definitivamente. E até isso tem impacto no dia-a-dia do ciclista londrino. Estabelecer paralelos entre Londres e Lisboa é ao mesmo tempo fácil e difícil. Há diferenças e semelhanças bastante evidentes, e outras algo mais subtis, como já tinha abordado aqui. Entretanto passaram muitas luas, e acho que posso fazer uma abordagem mais profunda. Vamos então por partes, como faria um histórico vilão local.

A Bicycle Culture

A ghost bike também é sinal de uma bicycle culture

Sim, em Lisboa temos malta que faz ciclo-oficinas-coisas e temos uns activistas hardcore que se juntam no Marquês de Pombal na última sexta feira de cada mês para recordar aos enlatados que os ciclistas são esquisitos. Ou qualquer coisa assim. Não que eu tenho nada contra. Eu sei que eu sou esquisito, foi o Carlos Barbosa que disse, ele nunca se engana. Temos uma comunidade de interessados que defende vagamente os mesmos ideais, mas que não consegue chegar a acordo sobre coisa nenhuma. Temos o MUBI e a FPCUB. Temos uma ou outra loja com personalidade e visão para lá do lucro. E os Londrinos?

É como eles se chamam!

Bom, em Londres eles têm o Look Mum no Hands, uma espécie de loja-café-ponto de encontro para a malta que leva o ciclismo "a sério". Pode-se pagar uma exorbitância por um latte e ver o Tour num grande ecrã. Há a nova loja da Rapha e muitas outros estabelecimentos, uns pertencem às grandes cadeias do dark side do capitalismo e algumas outras que são mais como a mercearia do bairro, onde o crabon nem sempre é o material de eleição. É claro que isso é importante, mas as lojas existem porque há ciclistas.

À frente no semáforo

Um "Taxi", perto de Trafalgar

Paramédicos e Policia de Londres, de bicicleta
 
São uma minoria, como em quase todo o lado, mas uma minoria perfeitamente visível. São desportistas, commuters, hipsters, activistas e guerreiros de fim de semana. Estão por todo o lado, dominam os semáforos nas horas de ponta e não se intimidam com os taxistas, os autocarros e o man-with-a-van.

Bicicleta no Museu da Ciência de Londres: uma Brompton!


A revolução pode estar em curso, mas Londres nunca deixou de ter bicletas e ciclistas. Agora pode estar mais na moda e haver mais facilidades, mas o império do automóvel british style sempre teve de coexistir com os ciclistas. Por outro lado, como em Portugal, os ciclistas também são olhados de lado por uns e mesmo odiados por outros. Porque são uma "ameaça", porque ignoram os semáforos, porque não pagam impostos, porque furam o trânsito e passam à frente dos carros, porque são diferentes. Por mais ódio que exista, e há algum, é óbvio que os ciclistas estão aqui para ficar.

O Espaço Físico  

Sim, isto é em Londres. Um de muitos parques urbanos

Sejamos claros. Londres é muito diferente de Lisboa na forma como lida com o espaço público. Aqui sempre existiram zonas e ruas exclusivamente pedonais. Percursos pedestres interditos a veículos motorizados e jardins públicos de grande dimensão existem por toda a parte. Há canais com percursos pedestres e cicláveis. Todas as pontes, excepto as ferroviárias, podem ser atravessadas a pé ou de bicicleta. Em Londres não é normal que o cacique local entregue todo o centímetro quadrado disponível para construir prédios ou centros comerciais e fazer os sempre tão importantes acessos rodoviários que trazem o "progresso". São tão atrasados estes Ingleses.

Outro "Park", não muito longe do anterior

Assim, façamos pois uma lista de coisas que faciclitam a vida ao ciclista londrino:
  • Há passeios por toda a cidade, livres de automóveis (Imaginem!!)
  • Parques públicos extensos, podem ser atravessados de bici
  • Canal Paths
  • Ciclovias segregadas ou partilhadas
  • Ciclofaixas
  • Estacionamento para bicicletas abundante
  • Sinalização vertical clara e constante
  • Sinalização luminosa
  • Marcas rodoviárias específicas
  • Cidade quase plana. Quase...

Rua cortada ao trânsito num dos lados...


...garante que apenas os residentes e ciclistas circulam na rua
 
O Ambiente Rodoviário 
 
Talvez mais importante que estes "pormenores" do espaço, é o facto de aqui as regras em geral serem respeitadas. Carros encima do passeio, razias a ciclistas, excessos de velocidade grotescos, tudo isto também existe, mas muito menos que em Lisboa. E a inexplicável e constante agressividade portuguesa ao volante, isso felizmente quase não há.

Just beware of the BUS!

Os automobilistas em geral respeitam as bicicletas enquanto veículo. Não concedem facilidades, mas também não usam da intimidação. Esperam em cruzamentos quando não têm prioridade. Esperam se não houver espaço para ultrapassar numa rua estreita. Buzinadelas "saí da frente" são muito raras.

Excepções para ciclistas

O ciclista é considerado na elaboração de percursos
 
Abundam as zonas de 20 e 30 milhas por hora. E as ruas de sentido único ou mesmo fechadas ao trânsito motorizado. O estacionamento no centro é praticamente inexistente. A congestion charge também ajuda a manter a praga de enlatados sobre controle. Nada disto existe em Lisboa, onde na prática não só não se reprime nem se fiscaliza nada, como ainda se promove o uso do carro na cidade, com abundância de faixas de rodagem e hectares de estacionamento público gratuito, ou quase. 

O Ambiente Político e Institucional


Sul de Londres: cartaz pago com dinheiros públicos a incentivar o uso da bicicleta

Toda a gente sabe que o sempre colorido Mayor de Londres circula, pelo menos ocasionalmente, de bicicleta. Não será só por isso, mas é perfeitamente claro que existe uma visão estudada para onde se pretende caminhar em matéria de mobilidade ciclável em Londres. O sistema de bicicletas de uso partilhado, conhecido em todo lado como "Boris Bikes", está integrado na toda poderosa TFL, a instituição que gere todos os transportes da capital britânica. Eles fazem coisas fixes como publicitar em campanhas o bom que é andar de bicicleta, divulgam avisos sobre os perigos comuns para o ciclista e até fornecem mapas da cidade gratuitos, especialmente pensados para ciclistas.

O objectivo é simples: aumentar o número de utilizadores de bicicleta na capital Britânica. E aqui, as palavras não andam tão divorciadas das acções como em Lisboa.

2 comentários:

  1. Bessa,

    Obrigado pela perspectiva e detalhes comparativos sobre a vivência ciclística nas duas cidades. Mais um post pedagógico. Continuas a fazer serviço público !

    Abraço,
    Vasco

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  2. Thank you old chap, you are too kind.

    : )

    Abraço!
    Bessa

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