quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Ciclo-fascista fura a greve


 
Antes que comece a chegar o hate mail, esclareço que não estou contra a greve geral, cujo rescaldo ainda domina os noticiarios, nem muito menos sou fascista. Só para alertar algum internauta distraído que veio aqui parar à procura de "sexy girls on bikes" ou algo do género.

A verdade é que o dia da greve se afigurava, para mim, bastante tranquilo. Talvez demasiado tranquilo até, provavelmente fechado em casa o dia todo. Acabou por não ser assim. A manhã foi ocupada com uma deslocação a Cascais, (de carro, arg!) e pouco depois recebi uma mensagem indicando que, contra todas as previsões, teria uma aula na faculdade.

Imediatamente pensei que era a desculpa perfeita para, por fim, ir às aulas de bike, all the way. Com o comboio em serviços mínimos e o Metro completamente fora de serviço, só a bicicleta me podia salvar. (OK, estava o carro na garagem, mas isso tira todo o dramatismo da narrativa!)

Depois da chuva, um pouco de Sol em Carcavelos

Assim, após um cafezinho com uma amiga em Carcavelos, onde a qualidade de vida para alguns parece que vai em aumento, arranquei para o centro de Lisboa, onde a comunicação social reportava, com o rigor a que já me habituei, ora que o dia era de feriado e não se viam pessoas na rua, ora que o caos estava instalado e era impossível circular. A verdade teria de a descobrir por mim próprio.

Eu estava meio constipado e sentia-me, sei-lá, fraco, frágil. Decidi então que ia seguir tanto quanto possível por caminhos secundários e relativamente livres de trânsito rápido. Assim, em lugar de apanhar a auto-estrada marginal até Algés, fui pelo passeio marítimo, tranquilamente, indiferente à possibilidade de estar a cometer alguma ilegalidade escabrosa, que aquilo tem uns horários esquisitos para os ciclistas.

A partir de Paço de Arcos tornou-se então inevitável recorrer à pista de corridas Lisboa-Cascais, também conhecida como estrada marginal. Consegui chegar sem incidentes à Cruz Quebrada, um feito não tão desprezível como alguns possam pensar, a julgar pela quantidade de muros, pilaretes e postes derrubados que povoam as laterais desta estrada.

Fim do passeio marítimo de Oeiras

Depois de passar por debaixo da ponte ferroviária da Cruz quebrada, esperava-me um pequeno percurso mais apropriado a máquinas de BTT, um percurso que conheço bem, justamente dos meus tempos áureos do pneu cardado. Infelizmente, nem a minha indumentária cicle-chic nem a minha bicicleta de cidade se ajustam bem a estes terrenos. Tais factos pareciam claros para os ciclistas de licra e carbono com que me cruzei neste pequeno troço, a julgar pelos seus olhares enojados atirados de soslaio. Mesmo assim, apesar da desconfortável trepidação, acabou por ser divertido e num instante estava em Álges.

Sem incidentes cheguei à pseudo-ciclo-coisa de Belém e por lá segui a bom ritmo, mesmo que aos ziguezagues, fosse pela natureza do percurso, fosse para me desviar dos peões. Continuo a não perceber como é suposto um tipo atravessar a estrada a seguir às Docas e que diabos fazem paralelos, buracos, caixotes do lixo e carris de eléctrico numa ciclovia. Mas pronto, isso devo ser eu que sou esquisito. Os corredores e donos de canídeos não pareciam importar-se e essas foram as únicas outras pessoas que encontrei pelo caminho.

No Cais do Sodré, um olhar para o relógio fez um rombo na minha auto-confiança: tinha levado uma hora e meia para chegar a Lisboa! Tanto passeio marítimo e "ciclovia" dá nisto. A minha aula estava prestes a começar e eu ainda estava do outro lado da cidade. Boa Mike. E agora?

Não podia fazer nada a não ser continuar. Subi a baixa, a Av. da Liberdade, pela lateral, e depois travessei para o Parque Eduardo VII. O trânsito era intenso e algo confuso. Apesar de tudo, levei apenas 23 minutos a chegar à Av. de Berna, o mesmo tempo que costumo levar de metro. Ironia das ironias, a minha aula tinha sido cancelada... por falta de alunos!

Aproveitei para fazer uma pequena reunião de trabalho com um colega, mas pouco depois estava de novo na estrada. A av. de Berna estava absolutamente caótica. Subi numa lateral da Embaixada de Espanha e fui ter um pouco mais à frente à ciclovia que passa na Faculdade de Economia da Nova. Segui até ao Jardim Amália Rodrigues, de novo o Parque Eduardo VII, Marques do Pombal em grande estilo, Av. Liberdade onde um autocarro tentou passar-me a ferro, etc. Passei ao lado da Câmara de Lisboa e pedi autorização aos policias que ali se encontravam para seguir em frente na praça do município, e entrar na Rua dos Bacalhaus, coisa que eles aprovaram prontamente.

Outra vez a ciclovia, agora mesmo deserta. Em Algés ainda ponderei apanhar o comboio, mas lembrei-me de o quanto detesto esperar por transportes públicos quando não existem certezas de horários, por isso continuei. Fazer o percurso "todo o terreno" até à Cruz Quebrada, no escuro, revelou-se um desafio. A minha luz de dínamo não foi pensada para estas coisas. E a chocalheira foi tanta que pensei que ia perder peças. Mas fez-se, tal como o resto do caminho até casa. No total, pouco mais de 54 km. O que provavelmente explica o apetite que tinha quando cheguei.

8 comentários:

  1. Bessa, uma nota relativa à estrada marginal (EM): enquanto fugirmos à EM e andarmos mais ou menos ilegais em locais de peões, enquanto circularmos nos "ghetos" que nos querem meter e que alguns apelidam de ciclovias, não vamos lá. Temos de fazer valer os nossos direitos e, ao mesmo tempo, perceber e fazer perceber que quando pedalamos o fazemos como veículo. Como veículo temos o dever de circular nas ruas e não nos passeios. E temos de fazer compreender aos potenciais utilizadores e, em especial, aos autarcas, que não é preciso torrar mais dinheiro em "ciclovias" da treta para se andar de bicicleta. Já tenho visto tipos a irem de carro até Paço d'Arcos, estacionarem o bólide em cima do passeio e tirarem a bicicleta do tejadilho para ir pedalar no passeio marítimo (PM). Faz algum sentido? Se os ciclistas usassem a EM, ao invés do PM, para as suas deslocações, inclusivé para se dirigirem a qualquer praia servida pelo PM, várias coisas sucederiam: em primeiro lugar, se os ciclistas que eu por lá vejo, ao invés de circularem no PM, circulassem na EM, isso obrigaria a velocidade dos carros a baixar; velocidade dos chaços mais baixa mais ciclistas na EM; mais ciclistas na EM atraem ainda mais ciclistas; mais ciclistas obrigam a velocidades mais reduzidas; "and so on, and so on"... :) Eu circulo sempre na EM e só de lá saio quando me dirijo especificamente para o local pretendido. Tal como se fosse de carro. Com a diferença, com deves saber, que de carro não consigo entrar pela porta de casa. :)
    Receio que esse teu relato afaste potenciais utilizadores de bicicleta. Uma hora e meia entre Carcavelos e a baixa de Lisboa? Quem vai trocar de carro num cenário desses? Costumo fazer esse percurso em 40 minutos, em ritmo de passeio, pela EM. É arriscado? Talvez. Mas tenho reparado que quando vou na minha "bike chic" , de calça de ganga, casaco e os restos de cabelo ao vento :) , os automobilistas passam por mim com muito mais cuidado que quando treino na minha estradista, com aquelas licras e carbonos que referes, ;) além do capacete. É só uma sensação, claro, que pode estar errada.

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  2. Boas. Sou consciente do problema da segurança nos números e fiz questão de referir que fui nas calmas (e nas calmas não quer dizer pelo passeio, eu não ando no passeio!) porque não me sentia em grande forma física.

    Agora, eu consigo (e tu também, pelos vistos) ir pela Marginal de bicicleta e sei que não sou o único. Mas não deixa de ser extremamente perigoso e virtualmente impossível para muitas pessoas. O ciclismo utilitário deveria ser acessível a todos e não só aos jovens adultos em boa forma física. Deveriam existir condições para que quem quisesse pudesse deslocar-se (em segurança!) de bicicleta. Uma mãe nunca irá com os filhos para Lisboa, ou para a praia pela Marginal, de bicicleta. A realidade é esta. Na marginal, tal como está hoje em dia, só se aventuram uns poucos, e não é expectável que isso mude se não mudarem as condições de circulação.

    O meu ponto de vista sobre este controverso assunto pode ser resumido neste artigo:

    http://www.copenhagenize.com/2010/07/vehicular-cyclists-secret-sect.html

    Quanto ao resto, mesmo na Holanda não há muita gente que se disponha a fazer um "commuting" de 54 km, por isso acho que não estou aqui a assustar ninguém...

    Um abraço, boas pedalas

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  3. Adoro ir pelo Passeio Marítimo no sentido Lisboa pela manhã e regressar pelo mesmo caminho à tardinha. Há lá vista mais bonita para se pedalar?
    O bom senso não pode ser só de quem arrisca o couro. O bom senso tem de ser proporcional aos riscos.
    A verdade é que não há receitas seguras para a... segurança.
    Enquanto não estiverem (postos por quem lá os ponha) políticos, autarcas, governantes que olhem para o futuro como um presente melhorado e não apenas como um lamento repetido de erros, muitas marés vão encher e esvaziar o Tejo.
    Em vez duma passeata de nus por Lisboa, uma massada de ciclo-cummuters pela Marginal seria uma coisa muito mais impactante...
    ... E pronto lá se foi a minha quota parte de pensamento solto em dose diária.

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  4. Bessa, espero ainda ir a tempo de continuar esta "conversa". Li com a atenção possível a ligação indicada e, depois, outras que lá remetiam. Algumas considerações: não comungo da ideia de ir tudo à manada, nem faz qualquer sentido. As pessoas não andam à manada quando andam de carro, embora pareça devido ao seu número elevado. Elas fazem-se à estrada quando precisam e, por estranha coincidência, há centenas de pessoas que o fazem ao mesmo tempo. Porque razão haveria de ser diferente com a bicicleta? Cada um sabe para onde quer ir e quando. Depois, é possível que, com o aumento do número de ciclistas, surja também a estranha coincidência de se juntarem centenas a partilharem largos trajectos. É nesse sentido que defendo a utilização das ruas. E também defendo uma profunda alteração do código da estrada; aliás, nos últimos dois anos tenho trabalhado na minha proposta de código, para apresentar a quem de direito (seja lá quem fôr) na altura certa - também terei de descobrir quando será a altura certa. :)
    Agora, duas questões: numa cidade como Lisboa, com mais de 800 Km de ruas, faz algum sentido haver ciclovias? Onde é que elas vão ser feitas? Tu já tens essa bela experiência que relataste e, provavelmente, outras. Será que há espaço (e dinheiro?) para fazer 800 Km de ciclovias? Receio bem que a maior parte (já acontece!) se faça à custa do passeio. A meu ver, ciclovias têm de ser para as bicicletas como as AE são para os carros. E isso não contempla os centros das cidades. Além do mais, as actuais ciclovias não são práticas para o tipo de utilização do dia-a-dia. Nesse aspecto, desincentivam o uso da bicicleta em alternativa ao carro.
    Segunda questão: faz algum sentido tentarmos imitar os estrangeiros que nos colocaram nesta situação? EUA à cabeça, Franca, Alemanha, Holanda, Itália, todos países que basearam o seu desenvolvimento económico à custa do mito do carro. Que moral é que eles agora têm para nos dar o exemplo? Porque razão não procuramos nós as soluções para os nossos problemas?
    Abraço e boas pedaladas para ti também.

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  5. Este comentário devia ser um artigo dum blog!
    Levanta algumas das questões essenciais que ocorrem quando olhamos o que andam a fazer em Lisboa para potenciar a bicicleta no dia-a-dia, com o mínimo de sentido crítico.
    Mas julgo que, por muitas culpas no cartório que tenham os países que agora nos são vendidos como exemplo na busca dum novo paradigma, na globalização do modelo de desenvolvimento que nos conduziu aqui -e sabemos que têm- isso não nos pode impedir de aproveitar o conhecimento e as experiências obtidos nessas mesmas procuras.
    O sectarismo, qual quer que seja a sua cor, não nos ajuda.
    Proponho um encontro/debate no Bar dos Gémeos para falarmos e ver se podemos encontrar ideias para intervir. Que acham?

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  6. Antes de mais, uma correcção: onde se lê Franca deve ler-se, obviamente, França. Erro imperdoável, uma vez que as teclas C e Ç até estão bem separadas.
    Não sou sectarista - ou, pelo menos, tento não o ser. Claro que podemos olhar para o que se faz lá fora. Infelizmente, o que tenho verificado ao longo da vida (e lendo o que se fez em tempos de antanho), é que, na esmagadora maioria dos casos, importamos, acriticamente, tudo o que vem de fora. Isso significa, muitas vezes, demasiadas vezes, que ficamos pior do que estávamos antes da tentativa de resolução de um problema. No caso dos carros e da mobilidade, isso é um facto. Em Portugal, pelo menos desde 1927 que há referências aos problemas levantados pelos carros. E como foram tratadas essas questões? Grosso modo com as típicas tiradas, "Eles lá fora fazem assim", "eles sabem e têm razão". E o português "médio" comeu e calou acriticamente, até porque formação, educação e consciência social e cívica das pessoas são conceitos estranhos a quem detém o poder. Eis os motivos pelos quais, entre tantas outras coisas más, temos tantos carros no passeio, tantos mortos e estropiados devido ao trânsito e pelo qual, em última análise, temos de lutar pelo elementar direito a nos locomovermos na rua através do melhor invento da Humanidade, a seguir à roda: a ginga. Até o andar a pé é visto como algo estranho e perverso, pois não paga imposto. Já houve quem me alegasse que não deviam existir passeios, porque só quem tem carro é que paga imposto para circular! Até no meu local de trabalho há esta estranha e bizarra obsessão pelo carro: quando estamos em risco de irmos todos para a "rua", os meus colegas só falam nas SCUT e no preço da gasolina. Quando lhes aponto o meu exemplo, riem-se e chamam-me maluco.
    Temos então as ciclovias. Ora, daquilo que consigo saber através deste espantoso meio etéreo, na Holanda, por exemplo, há de facto ciclovias, vias reservadas em exclusivo para bicicletas. Não se vêem peões nem carros. Tal qual como nas AE - por lá não se vêem peões nem ciclistas. O que temos em Portugal? Passeios a que chamam ciclovias; caminhos que começam em lado nenhum e levam para nenhures, onde carros estacionam e alguns até circulam; caminhos que terminam abruptamente, recomeçando um pouco mais à frente; caminhos que não servem a mobilidade mas sim o lazer; enfim, não somos os únicos (http://erroresyhorrores.blogspot.com/). O que eu defendo é que não há necessidade de se construir equipamento novo para garantir mobilidade de bicicleta. As ruas existem na cidade e deviam chegar. Depois é preciso mudar consciências e isso passa, necessariamente, pela mudança do código da estrada, dando à bicicleta tanto espaço e dignidade quanto aos outros veículos - na minha opinião até devia dar mais, aí sou mesmo sectário. :) Isto, claro, não invalidando a necessidade de verdadeiras ciclovias e outras soluções que facilitassem a mobilidade das pessoas.
    Não sei onde é esse Bar, mas é uma boa ideia, essa do encontro para discutir esse assunto. No entanto, isso teria de ser numa altura em que tal fosse possível para a maior parte de nós - por exemplo, já houve muitos debates em Lisboa aos quais pretendia ir mas que, devido à hora e ao facto de ser durante a semana, tornaram inviável a minha presença. Não moro em Lisboa e, aqui na Outra Banda, iniciativas dessas são raras.
    Abraço

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  7. Como diria um colega meu, bar dos Gémeos: Adjudicado! : )

    Fico feliz que este blogue seja palco de uma saudável troca de ideias, afinal é também disto que se trata. No entanto não será este o formato mais adequado para trocar impressões entre várias pessoas. Vocês conhecem algum fórum português on-line onde estas temáticas sejam realmente abordadas? Sem ser o fórum BTT? e sem ser daqueles onde nunca vai ninguém?

    Já agora, mesmo que discordemos das soluções, é revigorante saber que há mais gente consciente dos problemas e com vontade de os resolver.

    Um forte abraço!

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