segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O Tabu

Nada me move contra o automóvel. Pelo contrário, sou um admirador de quase todos os tipos de veículos, desde pequeno que me deixei fascinar pelas fantásticas máquinas que fomos capazes de inventar para nos deslocarmos, desde as locomotivas a vapor até ao super-carro eléctrico capaz de 400 km/h.


Obras da CRIL junto a um Ferro Velho


Infelizmente, nas décadas mais recentes, a nossa paixão pelo transporte motorizado tem trazido mais problemas que benefícios. Como com qualquer vicio, o prazer inicial perdeu-se e agora é só um mau hábito que não queremos admitir, mas um que ameaça o resto das nossas vidas. Nega-lo é como negar a Lua ou o nascer do Sol. Mesmo assim, é o que fazemos. Apesar das nossas caríssimas autos-estradas e automóveis sofisticados, os acidentes de viação matam mais pessoas por ano do que a guerra colonial alguma vez conseguiu. Basta ver os números. No entanto, na nossa cultura, estes factos são sistemáticamente ignorados.


Os meus vizinhos adoram estacionar no passeio
 
Os pais super-protectores de hoje em dia, que vivem permanentemente obcecados com a segurança e conforto das suas crianças, fazem questão de as levar todos os dias à escola sempre de... carro, pois claro. Para sua segurança, supostamente, ignorando que uma das maiores causas de mortalidade infantil e juvenil são justamente os acidentes de viação.


Carcavelos, perto da estação da CP


Esta é uma rua adjacente à estação de comboio de Carcavelos. Existe um parque de estacionamento público, do outro lado da linha, construído propositadamente para os utentes da CP,  mas é pago. Está sempre vazio. Como não existe fiscalização, muitos condutores preferem aqui deixar as suas viaturas, o dia todo. O passeio, o único digno de esse nome na rua, fica intransitável e os pões deslocam-se pela faixa de rodagem, onde os automóveis não abrandam nem dão espaço, porque "as pessoas é que estão na estrada". Situações como esta repetem-se por todo o país, dia após dia. Há uma impunidade total. Imaginem que em vez de carros em cima do passeio fossem tendas, montadas por particulares e ali deixadas. Seriam toleradas? Ainda lá estariam ao fim do dia, incólumes? E vocês perguntam, "porque havia alguém de montar uma tenda em cima de um passeio??" Eu penso o mesmo de um automóvel.

Lisboa, não há muito tempo


Durante anos, ninguém questionou que as nossas ruas e pracetas se transformassem em sobre-lotados parques de estacionamento. Ninguém  levantou a voz, quando os passeios desapareceram e os jardim encolheram, para acomodar mais carros e mais faixas de rodagem. Ninguém objectou que as avenidas se transformassem em vias rápidas, ninguém se queixou quando as crianças já não podiam ir a pé para a escola, porque os passeios não existiam, os pais moravam demasiado longe, e era "demasiado perigoso". Ninguém quis saber dos idosos que ficaram isolados em suas casas, incapazes de navegar a nova selva, de atravessar uma estrada nos míseros segundos que os semáforos lhes concediam. Nada disto se questionou, porque o automóvel era o progresso, e na mente de muitos, ainda é.

Felizmente, no meio da ignorância, começa a surgir a luz. A praça do comercio já foi um estacionamento público! Olhando para ela agora, temos que ter esperança. E denunciar o tabu.

1 comentário:

  1. A foto do VW a espreitar pela janela não teria tanta piada se eu não conhecesse tão bem o sítio!

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