Melhor que uma Brompton: 2 Bromptons! |
Aqui há uns tempos fui apanhado em repetidas ocasiões a ver coisas que não devia nas internets. Sim, é isso mesmo que estão a pensar: sites de bicicletas! Concretamente, de dobráveis. Para a co-habitante, um determinado padrão de consultas a lojas virtuais é sinal seguro que este vosso escriba se prepara para alguma despesa, do ponto de vista dela, provavelmente mal ponderada.
Ora eu já tive uma dobrável antes e tenho alguma experiência com este tipo de bicicleta, o que a somar ao facto das nossas actuais instalações serem a tirar para o pequeno fazia presumir que o meu interesse não seria apenas curiosidade. Talvez para evitar males maiores, fui agradavelmente surpreendido com uma Brompton de aluguer como presente no dia em que celebrava muitas luas desde que uma cegonha me largou numa loja de Bicicletas à beira Douro. Ou assim reza a lenda.
Seja como for, Dona Maria, é melhor ir fazer o seu chichizinho, que isto vai demorar. O que se segue é não só uma review de uma Brompton M6R, como uma série de reflexões, provavelmente desnecessárias, sobre este tipo de bicicletas. Depois não digam que eu não avisei.
Bromptons estacionadas na estação |
Começando pelas máquinas: a minha Brompton para o dia era uma belíssima M6R, quer isto dizer que se trata de um modelo com 6 mudanças, guarda lamas e grelha porta-bagagens e guiador de cidade. Tinha também um acabamento especial, um dispendioso lacado que permite ver as soldaduras, que não são realmente soldaduras, uma vez que os quadros das Brompton recorrem ao brazing para a sua construção. A co-habitante dispunha de uma M3R em duas cores, em "British Racing Green" e preto, uns anos mais antiga. As principais diferenças estariam nas mudanças, 3 apenas. Para mais informação sobre as características dos modelos podem consultar o site do importador, ou o da sempre útil NyceWheels.
Broptons dobradas no restaurante chinês |
A "minha" bicla pesava cerca de 12,4 Kg e a da co-habitante um pouco menos, devido ao espigão de selim normal, já que o meu era telescópico, para poder comportar a minha avantajada figura. Tendo apenas um dia para desfrutar das máquinas, procurámos dar-lhes um uso que se assemelhasse ao que elas teriam nas mãos de um ciclista utilitário. Acabamos por fazer pouco menos de 30 km, cerca de metade em ciclovia e metade nas ruas de Lisboa. Com elas andamos também de comboio (CP) e autocarro (Carris), sem qualquer problema.
Esta M3R tinha 5 anos de uso e abuso. Tudo funcionava normalmente |
A primeira impressão que se tem ao montar uma Brompton é de que ela não é tão pequena como parece. Quero dizer, na verdade ela é minúscula, medindo apenas 1,45m de comprimento mesmo com a grelha porta bagagens. Mas apesar disso, a distância entre eixos é de 1,04m, que corresponde ao de uma bicicleta de montanha de quadro pequeno ou de estrada de quadro não tão pequeno. Este pormenor escapa a muitos outros modelos de bicicletas dobráveis e assegura uma estabilidade assinalável. O quadro em aço extremamente sólido para uma dobrável, com fechos simples mas muito eficazes, ajuda a filtrar as vibrações que as irregularidades do piso da capital transmitem às pequenas rodas de 16 polegadas.
Brompton no autocarro |
O resultado é uma qualidade e "despreocupação" ao rolar que não se encontram em outros modelos deste tipo. Logo nos primeiros metros já estamos à vontade até para tirar uma mão do guiador e fazer um aceno. Tudo na Brompton parece (e é) o resultado de um longo processo evolutivo que começou no longínquo ano de 1975 (bom ano esse). Não admira que tudo o que é para funcionar, funciona. Não há pormenores inúteis nas Bromptons, um pecado de muitas outras dobráveis, que se arriscam por vezes a ser bonitos bibelous de colecção, mais que objectos utilitários do dia-a-dia.
Vai uma voltinha? |
Logo na ciclovia de Belém, e mais tarde na zona oriental de Lisboa, a Brompton revelou que à estabilidade insuspeita e conforto de rolamento juntava uma agilidade mais previsível, graças às dimensões ultra compactas e às rodas pequenas. É extremamente fácil colocar a bicicleta onde queremos, para evitar turistas distraídos, por exemplo. A Brompton lidou bem com as, hum, excentricidades das ciclovias da capital, onde as grotescas irregularidades do piso, os vidros e desperdícios, buracos e outras surpresas são uma constante.
O "menu" da Brompton oferece muitas possibilidades |
O guiador tipo "M" é um bom compromisso entre uma posição erguida boa para a cidade, e um bom controlo a velocidades mais elevadas. Sim, eu disse velocidades mais elevadas e não é um eufemismo. A Brompton acelera sem esforço, o que é natural, mas também permite manter ritmos elevados, sem perda de estabilidade, mesmo a descer. O meu GPS acusou 50 km/h, numa descida em Miraflores, sem que eu estivesse a aventurar-me especificamente para chegar a essa velocidade.
E se 50 km/h vos parece pouco, e eu sei que parece para os 95% de automobilistas portugueses que ainda não "sabem" que este valor é o MÁXIMO permitido em cidade, garanto-vos que é mais que suficiente para o uso de uma bicicleta urbana. E mesmo assim, ela certamente "dá" mais.
Em estrada as pequenas dimensões preocupavam-me, porque se uma bicicleta convencional já se arrisca a ser invisível pelas hordas de enlatados, imaginem esta. Mas o facto é que não tive qualquer problema, o mais que aconteceu foi as pessoas abrandarem para verem de perto o número do urso amestrado a fazer malabarismos em cima de um triciclo: eu!
Imagem: João Serôdio |
Em relação aos componentes, quase todos da própria marca, ao contrario do que se costuma encontrar na concorrência, só posso dizer bem. A excepção seria o selim, que não se entendeu com o meu traseiro. Também não perdi tempo a mexer nas regulações. De resto, as manetes e travões funcionam como seria de esperar, muito eficazes, sem chegar ao nível de uns bons "v-brakes". As rodas são sólidas e os rolamentos excelentes. Os pneus da marca também me surpreenderam pela positiva, tendo uma aderência para lá de teimosa, sendo a meu ver desnecessário o gasto suplementar nuns Schwalbe Marathon (bem meus conhecidos e praticamente a referência em ciclismo utilitário). Os fechos e apertos são de grande qualidade.
O cockpit da Brompton |
Traseira de luxo: Luz, grelha em alumínio e as "Easy Wheels" |
Estas rodas só não se dão bem com empedrado em mau estado |
As 6 mudanças foram para mim suficientes para chegar a todo o lado, e isso implicou enfrentar subidas importantes. A co-habitante teve mais dificuldades recorrendo apenas ao cubo de 3 velocidades Stormey Archer, mas a Brompton dispõe da possibilidade de reduzir o o rácio da transmissão em 12 ou 18%, coisa que a M3R verde provavelmente não tinha e que eu recomendaria vivamente para uso em Lisboa. Já o característico Shifter de mudanças da marca é algo estranho, mas fácil de usar.
Cubo de 3 mudanças que combina com o desviador de 2 velocidades |
A escolha de tão poucas mudanças para as Brompton tem uma explicação simples: não é preciso mais! Os clássicos cubos são simples e fiáveis. Permitem meter mudanças parado. É fácil ignorar que muito do que se vê à venda no mercado são mais expedientes de marketing que verdadeiras inovações úteis. Travões de disco hidráulicos, sistemas de 30 velocidades e outros que tais em muitos casos apenas acrescentam custo, peso, fragilidades, necessidades de manutenção e complexidade desnecessárias. A Brompton aparentemente não acredita em truques deste tipo nem em obsolescência programada dos seus produtos. Admiro esta perspectiva! Mais fossem como eles.
Uma verdadeira bicicleta que fique mais pequena não sei se há |
Por fim, a dobra. Muito já se escreveu sobre a milagrosa capacidade das Bromptons se transformarem de bicicletas realmente utilizáveis em volumes do tamanho de uma pequena mala de viagem. Não sei se têm a dobra mais rápida, provavelmente também não será a mais pequena, mas o resultado final é um conjunto fácil de dobrar e pratico de transportar. Acho que é tudo o que se pode pedir. O facto de serem muito giras e atraírem os olhares de pequenos e graúdos também é um atributo nada negligenciável. As Bromptons fazem as pessoas sorrir! Nos dias que correm, isso só pode ser uma coisa boa.
E sim, as Brompton são caras. Muito caras. Mas são o que são, um produto de engenharia de grande qualidade, feito "à mão" na velha Londres por operários do mundo livre. Prometem durar muitos anos e são altamente interessantes para quem tem de combinar a bicicleta com os transportes públicos, além oferecerem segurança contra o roubo e o vandalismo. Parecem brinquedos mas estão muito longe de o serem, embora com facilidade despertem um certo brilho nos olhos em crianças dos 8 aos 80.
Imagem: João Serôdio |
Como sempre, as opiniões expressas aqui são apenas minhas. Não tenho qualquer ligação, clara ou obscura, com marcas, lojas, representantes ou importadores. As Bromptons foram alugadas na Loja das Bicicletas, tendo o responsável tido a delicadeza de nos ceder um modelo que à partida não estava disponível para aluguer. Ele não sabe da minha vida secreta como estrela fulgurante da blogosfera. Podem ler outras reviews (mais) interessantes no Lisbon Cycle Chic e no Lovely Bicycle.