quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O que diz Barbosa


Fui recentemente confrontado com mais um mui nobre serviço que o Sr. Carlos Barbosa prestou à nação. Depois de impedir os planos da CML, que pretendia devolver a baixa de Lisboa às pessoas e encerra-la ao trânsito automóvel, depois de confrontar publicamente as autoridades pelo seu descaramento de passar multas a quem circula em excesso de velocidade, (ver aqui texto de um admirador), depois de encher páginas de jornais na sua cruzada contra o elevado custo dos combustíveis, o Sr. Barbosa utilizou uma campanha de sensibilização sobre atropelamentos em meio urbano, cujos números recentes são trágicos, para nos revelar mais uma verdade escondida. E a verdade é só esta: a culpa é dos peões.

O presidente fala. O povo escuta.
Sim, sim, houve quem considerasse estas afirmações um ultraje, uma vergonhosa culpabilização das vítimas por parte do dirigente de uma associação poderosa que defende os interesses daqueles que, em última análise, são quem mata. Podem ler comentários pertinentes aqui.

Seria fácil classificar o Sr. Barbosa como uma besta, mas isso seria passar ao lado do problema. Eis uma das frases mais repetidas pelos media, atribuída ao Sr. De Barbosa: "Mesmo que o automobilista venha a 30 ou 40 km/h e o peão se atirar para a passadeira dificilmente o peão não será colhido. As pessoas atravessam em qualquer lado como se lhes apetecessem e tivessem direitos"

Lá está. Não interessa se o peão tem prioridade nas passadeiras, que pelos vistos só tem se não vier absolutamente nenhum carro, segundo o Sr. Presidente. A questão paradigmática é que essa gente, esses peões, pensam que têm direitos. Obviamente, não têm. Há pessoas em Portugal que ainda não perceberam, mas eu faço um favor ao Sr. Presidente e explico: se não estás ao volante de um veículo motorizado, não tens qualquer direito, excepto talvez o de permanecer calado. Essa é a realidade que algumas pessoas não compreendem e para a qual o ReichFüher Barbosa chama, e muito bem, a atenção.

És um camponês miserável: não podes caçar nas terras do rei, ou serás enforcado. É óbvio. És um peão miserável, se te colocares no caminho de um membro da casta superior, a conduzir o seu reluzente exosqueleto com rodas, serás trucidado. É justo. Aliás, só não é justo porque o mui nobre senhor condutor ainda se arrisca a passar pela maçada de se atrasar meia hora, para dar a sua versão dos acontecimentos às autoridades. Depois vai à sua vida, enquanto o peão vai para a morgue.

Out of my way, peasants!
Nem me vou debruçar aqui sobre o tempo ridículo de abertura dos semáforos para peões, a falta de passadeiras e de espaço nos passeios, as vergonhosas passagens aéreas que obrigam as pessoas a desviarem-se centenas de metros, ou mesmo a velocidade vertiginosa a que se movem impunemente os automobilistas dentro das cidades. Para quê? O facto é que, com lei ou sem ela, como no caso dos recém libertados escravos norte-americanos, quem não se desloca de automóvel em Portugal pertence a uma casta sem direitos. Se espancassem um negro num estado do Sul dos EUA em finais do séc. XIX e o deixassem moribundo, estendido na estrada, aos culpados não lhes acontecia nada. Por cá, é basicamente a mesma coisa. O Sr. Barbosa só nos estava a recordar quem manda.

Ora o Cavaleiro De Barbosa não costuma falar de ciclistas nas muitas entrevistas que dá. Conhecendo o que ele pensa dos peões, acho que consigo formar uma ideia. Mas o que mais incomoda no Presidente do ACP não é o facto de ele aparentemente viver na Idade Média (mais acertadamente, nas Dark Ages como diriam os anglo-saxões), onde uns são donos e senhores de todas as terras e têm todos os direitos e os outros... nem por isso. Não, o que irrita realmente é que este é um eficaz comunicador, que faz chegar a sua mensagem a um público ávido, um público que se sente oprimido pelos elevados custos de andar para todo o lado de pópó e injustiçado pela perseguição do estado, na forma de limites de velocidade, multas e radares. Em terra de cegos, o Barbosa é rei.

4 comentários:

  1. A leitura que se pretende fazer das palavras do Carlos Barbosa é de profundo desconhecimento do código da estrada.
    Artº 101
    1- Os peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que, tendo em conta a distancia que os separa dos veiculos que nela transitam e a respectiva velocidade o podem fazer sem perigo de acidente.

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  2. Ainda bem que alguém, ainda que anonimamente, evoca o CE!
    Não é por acaso que o CE português é um dos menos protectores dos peões de toda a União Europeia. Em total desfasamento com os códigos dos países ditos desenvolvidos, por cá ainda se lhe encontram regras como a supracitada.

    Pôr o ónus no mais fraco em matéria de trânsito é a mesma coisa que justificar uma tareia numa criança porque escorregou e caiu.

    Quando o interesse do legislador for a SEGURANÇA este tipo de normas serão profundamente alteradas.
    Mas nisso o sr careca da fotografia acima não fala... pudera!

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  3. Não há igual ao Sr. Barbosa. Está no top 10. Do quê, é melhor não dizer, para não ferir a sensibilidade dos leitores deste blogue.

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  4. Entrando na onda... Srs. automobilistas não vos esqueceis do artigo 103º do CE:

    "Cuidados a observar pelos condutores"
    1— Ao aproximar-se de uma passagem de peões assinalada, em que a circulação de veículos está regulada por sinalização luminosa, o condutor, mesmo que a sinalização lhe permita avançar, deve deixar passar os peões
    que já tenham iniciado a travessia da faixa de rodagem.
    2— Ao aproximar-se de uma passagem para peões, junto da qual a circulação de veículos não está regulada nem por sinalização luminosa nem por agente, o condutor deve reduzir a velocidade e, se necessário, parar para deixar passar os peões que já tenham iniciado a travessia da faixa de rodagem.
    3— Ao mudar de direcção, o condutor, mesmo não existindo passagem assinalada para a travessia de peões, deve reduzir a sua velocidade e, se necessário, parar a fim de deixar passar os peões que estejam a atravessar a faixa de rodagem da via em que vai entrar.

    Atenção que nem tudo no CE é a favor dos automobilistas... resta só garantir que cumprimos com o artigo 101º "tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respectiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente"!

    Cuidado com os semáforos vermelhos em Lisboa, principalmente na zona do Cais do Sodré, pois o seus significado para os automobilistas é "acelerar a fundo que eu não quero parar!"

    Rita

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