quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Ciclo-Fascista à solta na faculdade?


No decurso de uma aula de Sociologia do Ambiente, fomos colocados perante o conceito de "economia verde": a produção de produtos e serviços que tivessem a preocupação, pelo menos teórica, de evitar ou reduzir danos ambientais. Essa coisa de colocar um rotulo "eco-friendly" num artigo tem muito que se lhe diga. E foi-nos pedido que comentássemos.

Normalmente nem digo nada nestas aulas, pois o ruído é sempre muito e perde-se imenso tempo com as pessoas a darem a sua opinião sobre algo que "ouviram dizer" ou "viram num documentário" não se sabe bem onde.

Desta vez porem, como ninguém dizia o óbvio, avancei o exemplo da industria automóvel, que anda há anos a tentar passar por amiga do ambiente. Mencionei que "verde" seria trocar de carro menos vezes ou não andar de carro de todo.

Embora os comentários dos meus colegas, muitas vezes confusos, mereçam normalmente uma resposta cuidada e bem construída por parte da professora, a minha intervenção mereceu desta vez apenas uns sorrisos e uma pergunta retórica:

- Você é aquele tipo da bicicleta, não é?

Recuando umas aulas, naquela que terá sido a minha única outra intervenção nesta cadeira e com esta professora, tinha falado no meu uso diário da bicicleta perante a questão: "que práticas costumam ter a favor do ambiente, no vosso dia-a-dia?"

Com uma frase, estava rotulado de "activista" e com a segunda intervenção acho que já sou visto como fanático. O que digo parece-me que será agora devidamente pesado pelo minha "ideologia". Parece assim tão estranho pensar que a industria automóvel é tudo menos amiga do ambiente? Será coisa que só um ciclo-fascist poderia pensar?

Não sei por que me surpreende. Embora a minha faculdade seja dos meios académicos mais liberais, pela própria força de ser uma faculdade de Ciências Sociais, a verdade é que também o seu corpo docente, formado por pessoas que me merecem o maior respeito intelectual, parece sofrer da mesma miopia do resto da nação. Também aqui as vacas são (muito) sagradas. Eis um par de exemplos:

Certo professor quis usar uma metáfora de duas ou mais maneiras de atingir um mesmo fim. E lembrou-se da ideia de ir dali, Lisboa, para Cascais: -"Vocês podem ir pela A5, podem ir pela Marginal, podem ir pelo IC19, levam mais ou menos tempo, mas chegam lá"-. Em nenhum momento considerou alguma outra maneira de se deslocar, até que um colega avançou o comboio, ideia que o professor aceitou, para de seguida ridicularizar com a frase "sim... se quiser ser assaltado... ou apanhar uma doença" Outro professor faltou a uma aula e justificou-se depois com o facto de haver muito transito nesse dia e ele não ter um helicóptero para o evitar.

Numa instituição onde tudo se pode questionar, onde tudo se pode discutir e debater, onde parece não haver tabus, o monstruoso paradigma português de mobilidade continua a ser cimentado, pelas mesmas pessoas que eu esperaria serem das mais capazes de assumir e liderar a mudança.

14 comentários:

  1. 1. Thanks for the link to my blog.

    2. WRT this point, the paradigm of automobility is so ingrained that people lack the ability to question that this is "culture" or something that is constructed. One of the keywords I use for entries is "car culture and automobility" to reflect this idea and sense of privilege.

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  2. Muito bom Bessa....5 estrelas.
    Eu também sou o maluquinho da bicla.

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  3. Eu tenho "sofrido" do mesmo problema. No Facebook, pontualmente costumo colocar artigos relacionados com bicicletas e mobilidade sustentável. Até que comecei a encontrar amigos meus na rua, que me dizia: opá, tu estás completamente obcecado com essas coisas da bicicleta e dos transportes públicos - pareces um maluquinho.
    Bem, quando me lembrei, resolvi fazer uma análise dos "posts" que tinha colocado no FB... por cada 10, teria 1 ou 2 sobre estes assuntos. Tinha muito mais sobre política em geral, música, etc... mas como estes temas são tão "exóticos", basta falar neles uma vez por outra, para nos rotularem...

    Enfim, melhores dias virão! Já foi pior... Há 20 anos atrás, era completamente ignorado; depois passaram a olhar para mim e riam; agora já se sentem incomodados e já tenho muita gente que diz "opá, tu é que tens razão, tu é que fazes bem..."

    Melhor, já consegui "converter" uns tantos...
    Com o Lisbon Cycle Chic, espero conseguir chamar mais gente...

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  4. E assim se define um país atrasado, na cauda do mundo desenvolvido em tudo, e um sistema de ensino que cria pamonhas consumistas acéfalos.
    Não vale a pena perder tempo com académicos com esse fraco nível cultural, despreza-os...

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  5. Porque que achas que um professor de ciencias sociais e humanas deve ser , supostamente , mais liberal ?

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  6. Uma imagem vale mais que mil palavras e por isso em vez de tentar convencer quem não quer ser convencido desde há um mês utilizo a bicicleta juntamente com os TP como meio de transporte e tento ser o mais Cycle Chic possível. As mentes mais permeáveis acabam por vir fazer perguntas, as outras tentam arranjar-me alternativas à bicicleta.

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  7. O reaccionarismo da chamada intelectualidade é revelado as mais das vezes por trivialidades como metáforas inocentemente repetidas.
    À medida que a conjuntura social e laboral se vai degradando, à medida que a nossa qualidade de vida é terceiro-mundializada, as alternativas vão aparecer como obrigatórias.
    Quando o IRS o FMI e o preço do crude se sentarem no camarote a assistir à nossa agonia, quem quiser fugir vai ter que pedalar. Li-te-ral-men-te!

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  8. De malucos já não passamos!!! Caguei para eles todos!

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  9. Parabéns! Continua a espalhar a fama!
    E o que é que os teus colegas do Bloco de Esquerda e afins têm a dizer? Ou já não há disso na FCSH?

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  10. A Faculdade de Motricidade Humana, uma das mais conceituadas do país na área de ciências do desporto, tendo uma licenciatura chamada de EXERCÍCIO E SAÚDE tem apenas uma pessoa a visitá-la de bicicleta: eu. Não tem sequer um local apropriado para estacionar a minha pasteleira de estimação. Mas pior do que isto é a reacção dos caríssimos alunos e professores, que acham que faço "muito bem, sim senhor, mas coitadinha, vens mesmo de bicicleta?". Isto quando deveriam ser estas pessoas as primeiras a divulgar e a praticar a mobilidade saudável.

    É giro chegar à faculdade e ela estar sempre cheia de carros, no estacionamento e pela estrada fora, porque são tantos os meninos "do desporto" que levam o popó que não cabem todos lá dentro.

    É preciso ser urso.

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  11. Thank you Richard, for your comment and (I'm guessing!) your translation efforts. Love your site.

    Gonças: Pois, parece que sou mesmo maluquinho! : )

    Miguel: Já andas nestas andanças há muito tempo. É d'homem! Eu não costumo partilhar as minhas convicções com a maioria dos meus amigos. Os que sabem acham estranho e nem falam do assunto ou lêem estas páginas. A maioria são carro-dependentes e estarão mais perto da perspectiva do meu professor engraçadinho do que da minha...

    Nuno: o país é atrasado, mas ainda não perdi a esperança. Não ando por aí a evangelizar, mas não serei eu que irei mudar de opinião! Se o petróleo voltar a subir vamos ver coisas estranhas a acontecer...

    rcicla: Eu não digo que tenham de ser, a minha experiência é que os professores dessa área que eu conheço são assim. E garanto que não podes fazer ciência em ciências sociais sem ter uma mente aberta...

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  12. Humberto: a crise trouxe um dado novo. É sabido que o nosso paradigma de mobilidade não traz nada de bom e é insustentável. Talvez agora se torne mais evidente. Estou a tentar ver a coisa pela positiva...

    : )

    César: É isso, de maluquinho para baixo já não passo. Espero que com o tempo os maluquinhos sejamos muitos!

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  13. Buli: A FCSH está diferente... A malta nova já não usa t-shirts do Che, deve haver outras modas. Temos um professor ministro, se calhar é por isso, estamos vendidos ao poder! E o pessoal de comunicação social parecem top-models e têm um ar mais Univ. Católica que outra coisa. Não conheço as ideias políticas dominantes, mas o ambiente é bem simpático. Ah, a maioria continua anti-praxe e pró-bjeca. Vida de estudante é que é! : )

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  14. R.Guerreiro: No técnico, na Alamenda, desde há uns anos eliminaram os passeios dentro das instalações, para caberem mais carros. Aquilo é surreal, mas ninguém acha estranho! E eu também apanho isso do coitadinho, tentam oferecer-me boleia, porque acham que aquilo é um sofrimento atroz a que me submeto... Mas mesmo quando andava de scooter era assim, e com os transportes públicos também: tudo o que não for andar de carro parece que é coisa de "coitadinhos". Pensa assim, estamos a ser pioneiros, isto tem que começar por algum lado...

    Um abraço para todos!

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