terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Uma bicicleta para Lisboa

Muita gente me tem perguntado: Que tipo de bicicleta é a mais indicada para um uso diário em Lisboa?

Enfim, na verdade ninguém me pergunta nada disso. Não conheço pessoalmente mais ninguém que queira começar a pedalar em Lisboa. Aliás, a maior parte das pessoas que conheço parece ter um ódio de estimação pelas bicicletas e por quem as usa, e consequentemente nem costumo falar com ninguém sobre o blogue. A não ser ocasionalmente para receber reclamações de amigos carro-dependentes que se sentiram ofendidos com alguma coisa que leram por aqui.

Mas vamos supor que era verdade, vamos supor que existe, perdido no cyberespaço, uma legião de Alfacinhas, fieis seguidores do Lisboa Bike, que anseiam só por uma resposta a esta inquietante questão para largarem o vicio da vaca sagrada e se fazerem às ruas da capital em duas rodas...

Pois ainda bem que perguntam! Eu andava mesmo com vontade de escrever sobre o assunto!

Se é verdade que basicamente qualquer bicicleta pode servir para um uso utilitário, haja vontade, também não se pode ignorar o facto de que as bicicletas, como os sapatos, têm características que as adequam mais a determinados fins específicos (já dizia o Mourinho). Por esta altura do campeonato, já me sinto com experiência para falar do assunto, não só por pedalar regularmente em meio urbano, como por ter experimentado ao longo dos anos vários tipos de locomoção a pedais. Como muita gente, a minha ligação às duas rodas sem motor chegou via actividades de lazer, leia-se BTT. E foi com uma BTT de gama baixa que dei os primeiros passos no fora de estrada.

A minha (ex) velha e fiel GT Avalanche, veterana de Portalegre

Uma bicicleta desse tipo, como a GT da fotografia, é uma arma urbana de capacidades nada desprezáveis. As BTT's são omnipresentes em Portugal e portanto, baratas. Têm uma posição confortável, mudanças que chegam e sobram, travões potentes, suspensões e quadro à prova dos buracos da capital, e não dão demasiado nas vistas quando estacionadas na rua. São leves quanto baste, cerca de 13-14 kg. Fica-lhes a faltar uma grade de transporte de carga, embora a maioria das BTT baratas tenham apoios para tal. Uns guarda-lamas e luzes e reflectores também dariam jeito, mas tudo isso são coisas que se podem comprar e montar à posteriori, embora os guarda lamas para uso urbano sejam mais difíceis de encontrar. Já os pneus cardados tanto podem ser uma bênção (nos buracos e zonas de fraca aderência) como uma cruz (não são propriamente leves).

Bicicleta de cidade alugada em Barcelona por este vosso escriba

Outra possibilidade interessante será comprar uma bicicleta de cidade de raiz. Estas podem ser mais difíceis de encontrar no nosso mercado, mas existem, como comprova a lista de links deste blogue. As vantagens deste tipo de bicicletas são a posição de condução extremamente cómoda, com o ciclista erguido  e com grande visibilidade. O equipamento costuma ser completo e incluir habitualmente descanso lateral, protecção da corrente, guarda lamas, sistema de iluminação com dínamo e grade porta bagagens. A estabilidade e o conforto são as características marcantes destes modelos, bem como a baixa manutenção, já que a sua transmissão está entregue na maioria dos casos a um cubo de mudanças, onde a agua e a sujidade não entram. Em contrapartida, oferecem (muito) menos mudanças e são mais pesadas, ultrapassando muitas vezes os 20 Kg, pelo que o seu uso em certos locais de Lisboa, como a Rua Vale de Santo António, será problemática.

Esta Dahon Mu P8 deixou saudades

Para quem faz uso dos transportes públicos e da bicicleta (seus malucos!) é boa ideia ponderar uma dobrável. Ou "desdobrável", como dizem os senhores que também vendem esse misterioso objecto que é a "bicicleta de passeio". Só as rodas pequenas já facilitam muito a arrumação e se for necessário, uma vez feita a transformação ocupará tanto espaço como uma mala de viagem. O problema destas bicicletas é serem um pouco caras. As alternativas baratas nunca me convenceram, porque uma bicicleta de roda de 20 polegadas (ou menos) é naturalmente instável, e se à equação juntarmos maus materiais, um sistema de dobra manhoso, que permita flexão do quadro, e uma engenharia de vão da escada, temos um produto saltitão, barulhento e que parece que se irá despedaçar a cada irregularidade da estrada. Bem construída, uma dobrável é uma pequena maravilha da técnica, muito ágil e surpreendentemente rápida.

A co-habitante testa uma dobrável de assistência eléctrica

Em Lisboa uma dobrável irá sempre sofrer com os buracos das nossas ruas, por causa do tamanho das rodas, mas é um compromisso interessante. Há no entanto outro pequeno problema, poucas vezes tido em conta: estas bicicletas, ao serem caras e vistosas nem sempre se podem deixar na rua. Mas por outro lado também não se podem levar exactamente para todo o lado. Bancos, salas de reuniões, salas de aulas, supermercados, há sítios onde mesmo dobradas não são bem vindas. Infelizmente é preciso não esquecer que nesta cidade é possível deixar um carro em cima do passeio todo o dia, na maior avenida do centro, e nada acontecerá, mas facilmente nos apontarão o dedo por entrar numa sala com uma bicicleta dobrada...


Que bike para Lisboa?

Todos os tipos anteriores de bicicletas são passiveis de uso urbano em Lisboa, mas não serão quanto a mim ideais. E terão reparado que deixei muitos tipos de bicicleta de fora desta lista, e não tal não será por acaso. As bicicletas de estrada são quanto a mim pouco práticas e demasiado frágeis, excepto talvez as mais antigas. As BTT's mais caras, construídas a pensar na competição, para uso quotidiano são pouco mais que uma piada. As recumbent são super-raras, pouco práticas numa cidade com colinas e sobretudo demasiado perigosas porque se tornam invisíveis no trânsito. E toda a onda de bicicletas de pista ou as single speed da moda são para uma minúscula minoria pseudo-ultra-cool e seriam demasiado perigosas nas mãos do cidadão comum (ou não-tão-comum-como-isso, já que decidiu optar pela mobilidade sustentável!). Podia ter incluído as maravilhosas bicicletas de touring, mas elas são raras por cá e algo dispendiosas. Faltou assim falar só de um tipo de bicicleta, quanto a mim a bicicleta ideal para Lisboa: a minha!

Gama de Trekking da KTM no Salão da bicla de 2009 em Santarém

As Bicicletas de Trekking, literalmente "bicicletas de passeio" (agora sim) são um tipo específico de bicicleta híbrida, e estão entre a bicicleta de BTT e uma bicicleta de estrada, com um mix de componentes utilitários pelo meio. Há muitas variações ao tema, estas biclas podem ter transmissão por desviador ou por cubo, podem ter guiador recto ou sobre-elevado (estilo BTT) ou mesmo ter um guiador de cidade. Podem ter muitos acessórios ou poucos, mas têm sempre roda 700, que suaviza as crateras da Av. 5 de Outubro, quadros resistentes tão leves como os de BTT, e uma boa posição de condução, descontraída e confortável, para um dia inteiro a desviar-nos de taxistas kamikaze. São muito estáveis, com uma boa distância entre eixos e as tais rodas grandes. Com um peso superior às BTT mas inferior às bicicletas urbanas, entre os 15 e os 18 kg, com muitas mudanças à disposição e muito conforto, as bicicletas de Trekking são quanto a mim a ferramenta ideal para o dia-a-dia em Lisboa, no estado actual da capital. Ou seja, estão aptas para chegar a todo o lado, longe das pseudo ciclovias e no meio do vale tudo da selva enlatada.

Conheço esta bicla de algum lado...

A minha Riverside 3 é uma bicicleta de Trekking com um cariz urbano e já foi objecto de uma review nestas páginas, pelo que me limito a deixar aqui umas fotos. Qualquer que seja a bicicleta, boas pedaladas!

Guiador de cidade

Grade porta-bagagens: indispensável

Protecção de corrente permite usar qualquer roupa


Avanço regulável

Punhos confortáveis, com ou sem luvas

Dínamo de cubo, o gerador para o sistema de luzes

Luzes e reflectores como manda a lei

Sem pilhas, sem preocupações, basta dar ao pedal e faz-se luz