domingo, 31 de outubro de 2010

Aos poucos

Que têm em comum a praça de Alvalade, o Saldanha e o Campo Pequeno? Alguém sabe? Entre outras coisas, estacionamento para bicicletas! Eu sei que sou algo distraído, mas tenho ideia que estas barras em "U" invertido são recentes. Tenho vindo a tropeçar com elas um pouco por toda Lisboa, nas últimas semanas. Todas apresentam o mesmo design e parecem ser fornecidas pela CML.

No Campo Pequeno


Entretanto, pequenas obras resolveram alguns dos problemas apontados à Ciclovia de Belém, como a constante invasão de carros na recta atrás daquele hotel que alguém deixou erguer junta à marina. Outras questões persistem e as próprias obras são incómodas e perigosas para os utentes.

Luxo dos luxos, na estação de Algés, como parte da uma iniciativa da CP já aqui mencionada, que espalhou novos estacionamentos pelas estações das zonas urbanas e sub-urbanas de Lisboa, é agora possível deixar a bicicleta dentro da zona da passagem subterrânea, ao abrigo da chuva. O estacionamento que existia à superfície ainda lá está, usurpado a diário por uma carrinha de vendedores que descaradamente ali estaciona, dia sim, dia sim. Mas os poucos vamos lá.
Espero.

domingo, 24 de outubro de 2010

Da bicicleta de passeio

Diz que é trekking

Para a Specialized são bicicletas de "conforto e fitness". Para a KTM são bicicletas de "passeio" ou "Trekking".  Há quem tenha nomes mais consentâneos com aquilo que está a vender. A Trek por exemplo tem disponíveis bicicletas de "Passeio e Cidade". E outros nem sequer as vendem. Para o povo são "pasteleiras" e até os gatunos só as roubam se não tiverem mais nada à mão.

Será assim tão difícil chamar as coisas pelos nomes? Tão entranhada está no nosso país a ideia de que o uso de uma bicicleta como meio de transporte é um sinal exterior de pobreza que nem os profissionais do sector resistem ao uso de eufemismos para descrever o produto que estão a vender?

Uma pequena maravilha Inglesa
Não é de agora que me irrita solenemente este uso do português, mas a frase utilizada, pelos próprios organizadores, para descrever o Festival Bike deste fim de semana tira qualquer um do sério. A determinada altura aludem de esta forma ao sucesso do certame:

"(...) o envolvimento de empresas e instituições que promovem a bicicleta como um meio saudável para a prática desportiva ou para momentos de lazer, têm sido motivos de atracção e fortes contributos para o crescimento continuado do número de visitantes."

Desporto? Check. Lazer? Porreiro pá. E mais nada?? Transporte? Helllllo? Locomoção? Nada.

Todos os anos costumo ir ao Festival Bike, ultimamente até em trabalho. Esta frase fez-me perder toda a vontade de lá por os pés. Se esta é a visão que têm os profissionais do sector, a da bicicleta exclusivamente como brinquedo (saudável, não poluente, mas apenas um brinquedo), estamos conversados. É engraçado que no meio de todo aquele carbono, titânio e calções de licra, a feira costuma ter espaço para apresentar novidades utilitárias. Sim, ao contrário do que os organizadores parecem pensar, o Festival Bike apresenta também modelos de bicicletas dobráveis, bicicletas de cidade, bicicletas de ciclo-turismo, bicicletas de carga, bicicletas eléctricas, etc. Eis mais algumas fotos de 2009 que o provam:

Que pasteleira esquisita

Tenho saudades da minha Dahon!

Bom, ao menos são giras estas bicicletas de fitness

Com motor? Mas isso é legal?

Outro??

Acho que conheço este senhor de algum lado...

Desejo ao Festival Bike sucesso e um longo futuro à sua frente. No entanto, acho que os organizadores revelam alguma falta de visão, neste vestir da camisola do consumismo enquanto a mobilidade, embora tendo o seu espaço, surge como o parente pobre, do qual parece que se tem vergonha.

Byke: alugue a sua bicicleta

Byke

Um amigo que vive em paragens mais civilizadas partilhou comigo este link. É um site de aluguer de bicicletas, de particulares a particulares. Parece uma coisa tipo couch surfing, só que é pago. O conceito parece interessante, mas não consigo encontrar usuários portugueses. Interessados?

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Madrid e a bicicleta

Madrid me mata!

Passei este fim de semana em Madrid. Tinha outras coisas que fazer, mas não pude deixar de dar alguma atenção às questões da mobilidade na capital espanhola. A cidade do Manzanares vive actualmente um período de transformações e melhoramentos urbanos. Muitas ruas foram alvo de obras recentes e outras continuam a sê-lo.

Senhorial e imponente, Madrid é uma grande capital europeia. As suas dimensões, características e população residente colocam-na numa outra escala que não a de Lisboa. Mesmo assim, penso que as comparações são pertinentes, senão mesmo inevitáveis. É, afinal, a capital do país que temos mais próximo e com o qual partilhamos, goste-se ou não, muitas coisas.

Zona de trânsito condicionado
As alterações recentes no centro urbano da cidade parecem ter como ideia central torna-la mais humana. Há mais zonas pedonais, mais ruas e praças total ou parcialmente fechadas à circulação automóvel, menos espaço de estacionamento público. Há jardins e esplanadas no lugar onde antes circulavam as vacas sagradas. Há medidas de acalmia de tráfego, com ruas com a faixa de rodagem propositadamente estreita e piso irregular em pedra, por exemplo. Os automobilistas circulam de forma bem mais civilizada que neste nosso cantinho dos degenerados do volante.

Fim da ciclovia da calle Serrano

Isto é tudo o que identifica a "ciclovia"
E ciclovias, perguntais vós? Pois, a verdade é que elas devem existir, uma rápida procura na net pode prova-lo. Pessoalmente, só vi uma. E fartei-me de andar pela cidade. Essa ciclovia que encontrei foi a da calle Serrano, uma das vias comerciais mais importantes da capital do Reino. Já tinha nestas páginas feito menção a esta ciclovia, pela polémica que estava a despertar. É tão só uma faixa estreita de passeio, como a maioria das que surgem em Lisboa, com a agravante de estar muito mal assinalada, com piso de cor igual ao resto do pavimento.

Ciclistas urbanos na Gran Via
Tal como em Lisboa, a bicicleta não parece fazer parte das prioridades do actual executivo do município espanhol. Pelo contrario. Não existe esquema de bicicletas de uso partilhado, nem há praticamente ciclovias. Mas medidas físicas de acalmia de tráfego, medidas de desencorajamento da entrada de carros no centro da cidade, redução dos limites de velocidade, isso está claramente a ser implementado, e com êxito. Ora em Madrid como em Lisboa, a construção de ciclovias está longe de ser pacifica, mesmo para os seus eventuais beneficiários e utilizadores. Há pois quem considere estas medidas atrás referidas, por si só, extremamente benéficas para o uso da bicicleta como transporte utilitário. Depois de 4 dias em Madrid, só posso concordar.

Espaço para as pessoas, não só para as vacas sagradas

Os estacionamentos de bicis não têm muito uso

As zonas pedonais são muito concorridas
É de notar que Madrid, apesar de completamente plana, não parece ter grandes afinidades históricas com a bicicleta. Apesar de dispor de excelentes transportes públicos, o carro por aqui continua a ser rei e os ciclistas olhados como excêntricos, na melhor das hipóteses. As medidas tomadas visam tornar a cidade mais agradável de viver e conhecer a pé, afinal os espanhóis gostam de sair, comer as suas tapas e beber as suas copas. E ainda fazem compras nas grandes avenidas, não só em centros comerciais de plástico, como sucede por cá. Seja como for, as medidas tomadas estão a tornar a cidade também muito mais ciclável.

Um artista no parque do Retiro
Todas estas mudanças não foram pacificas. Tal como em Lisboa, houve oposição a fechar ruas ao trânsito e reduzir lugares de estacionamento. Houve quem questionasse o dinheiro gasto. Mas as pessoas em geral parecem satisfeitas com o resultado, mesmo os automobilistas incondicionais. Fiquei muito bem impressionado, é uma cidade que sempre me marcou e que parece agora, apesar de monumental, bem mais humana. Já para pedalar, apesar de tudo acho que vou continuar a preferir Barcelona!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A perspectiva da Industria




Vídeo onde o presidente da TREK fala das tendências do mercado mundial, dos actuais problemas de mobilidade, poluição e saúde que uma industria pode ajudar a resolver, com um produto único: a bicicleta. Data de 2007 esta excelente apresentação, já é conhecida de alguns, mas nunca será demais divulga-la.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Do peso das palavras

"Comboio abalroou viatura e provocou dois mortos", noticiava hoje o Público.

Ninguém questiona este tipo de cabeçalhos. É uma forma muito comum de apresentar um incidente deste tipo. Não sou nenhum Chomsky, mas conheço a importância das palavras. Não é por acaso que o título não diz por exemplo "Utentes de linha X sem serviço devido a acidente com automóvel" ou algo como "Idiota contorna cancela e ignora avisos sonoros, provocando colisão com comboio". 

E não diz isso porque a vítima é sempre o automóvel. Sempre. O comboio não pode desviar-se, não pode travar. Mas a culpa é dele. A vítima é o automóvel e os seus ocupantes. Mesmo que o condutor do veículo motorizado tenha ignorado as regras e os avisos, como foi o caso. Mesmo que outras pessoas tenham ficado feridas ou sido prejudicadas pela colisão. Ele é que foi "albarroado". O automóvel. Nada mais interessa.

É também esclarecedor reparar como os noticiários fazem a contagem de viaturas atingidas quando há um temporal. Os automóveis danificados ou destruídos nestas situações são contabilizados com grande detalhe, como se de vítimas, pessoas, mortas ou feridas, se tratasse.

Recentemente a queda de um edifício em Gaia teve ampla cobertura televisiva. Foi dado grande destaque, em todos os canais, às viaturas esmagadas, com planos dramáticos dos pópós envolvidos. Isso era sem dúvida mais importante do que o facto de um edifício ter ruído! E menos ainda tentaram as TV's explicar a razão dessa ruína.

E quando há um acidente com uma bicicleta, o que é que costuma acontecer? Será que os meios de comunicação usam expressões como a "viatura abalroou ciclista" Claro que não. Quando noticiam um acidente entre um veiculo motorizado e um ciclista as expressões vão normalmente no sentido de responsabilizar o ciclista. Coisas do tipo "Ciclista não terá visto o automóvel" são as mais vulgares.

Os paradigmas não surgem por acaso. Meias verdades e linguagem tendenciosa, repetidas vezes sem conta, solidificam na cultura de um povo factos que não têm fundamento. É também assim com as noções do automóvel como objecto libertador, imaculado, incapaz de qualquer mal.

domingo, 10 de outubro de 2010

O Homem que mudou o mundo


O sítio onde moro não é bom nem é mau. É o que é, um subúrbio pseudo-confortável da cidade de Lisboa, perto da praia, bem servido de transportes públicos eficazes (comboio) mas cercado de estradas com pretensões a vias rápidas, onde o uso regular da bicicleta para fins utilitários não é recomendado.

Em Carcavelos trava-se a mesma batalha pelo espaço urbano que se regista um pouco por todo o país. Como em quase todo o lado, o automóvel está a vencer por goleada. Cá no burgo o espaço público destina-se à circulação ou ao estacionamento das vacas sagradas. Não há largos, não há praças, há cruzamentos rodoviários. Isso não impede que os minúsculos passeios sejam mesmo assim reclamados para acomodar ainda mais automóveis.

Carcavelos no seu melhor
Isso acontece a diário mesmo no centro de Carcavelos e é também o caso dos passeios que rodeiam a minha casa. Moro num R/C e estava farto de ter carros a entrarem-me pela janela do quarto (só o ruído sugeria isso mesmo). Farto de vista para o tubo de escape do Golf Xpto do Zé-do-Boné cá do sítio, farto de ver o passeio a degradar-se, farto de observar carros debaixo da minha janela para aproveitar a sombra, mesmo quando a rua estava vazia. Resolvi escrever à Junta.

Antes: a vista habitual do meu quarto
A primeira iniciativa deu-se na sequência de uma carta que tinha escrito ao Público, sobre o mesmo assunto, e não obtive resposta nenhuma. A segunda tentativa foi em finais de Julho deste ano. Escrevi uma reclamação detalhada, com fotografias e uma proposta de acção, ou seja, a colocação de pilaretes. Desta vez não só obtive resposta rapidamente, como com ela vinha a promessa de obras quase imediatas.

Terreno recém libertado

Imediatas não terão sido, mas o espaço regularmente invadido pelos paquidermes de aço tem desde ontem o aspecto que as fotos documentam. O piso está a ser reparado.

O pavimento vai ser reparado
Não faço ideia se algum outro vizinho reclamou da situação ou se por aqui mora alguma sumidade, daqueles com connections, que tenha pressionado a junta de freguesia no mesmo sentido. Tanto quanto sei, eu fiz isto acontecer. Eu mudei a realidade triste da esquina do meu prédio. Eu.

ReichFüher Barbosa: 0 - Bessa: 1

E que interessa isso? De uma coisa estou seguro: se vamos conseguir alguma coisa no campo da mobilidade sustentável neste país, vamos ter que lutar. Vamos ter que insistir. Vamos ter que dar a cara. Vamos ter que acreditar. Não se trata sequer de qualidade de vida, de mais ou menos ciclovias, trata-se de direitos. Podemos mudar o nosso paradigma. As coisas acontecem. Mas é preciso investir nelas. Felizmente não faltam exemplos de pessoas que contribuíram muito mais para "a causa" do que alguma coisa que eu alguma vez tenha feito, mas ontem... Ontem senti os meus esforços recompensados. Houve ali um sinal de esperança, uma coisa fugaz, mas poderosa. Continuem a  escrever, continuem a reclamar, continuem a aparecer. Vale sempre a pena.

sábado, 9 de outubro de 2010

Porquê?

Incompreensivelmente, a carrinha abranda. Naquela recta inóspita, não muito longe da fronteira imaginária que divide os concelhos de Lisboa e Oeiras, o trânsito é, como sempre, intenso. O Sol brilha, espreitando por momentos entre as nuvens de tempestade. Do outro lado da estrada grandes vagas esmagam-se ruidosamente na praia. Um vento teimoso recorda-nos que o conforto do verão já vai longe.

É impossível não reparar no veículo que avança agora muito lentamente. Os outros automobilistas apressam-se a ultrapassar, impacientes, agressivos. Ninguém reduz a velocidade. A condutora parece procurar um buraco na malha de pinos que protege o passeio, para conseguir estacionar o carro.

Pelo menos é isso que imagino, à medida que, caminhando, me vou aproximando. O tal buraco aparece, pois há uma série de pinos derrubados, esmagados. A carrinha imobiliza-se na faixa de rodagem, os quatro piscas ligados. Alguém saí de um dos lugares traseiros, olhando intensamente para o prédio em frente. Há algo de muito perturbador no seu olhar, nos seus gestos. E algo de estranho nestas casas também, nas escadas, nos pequenos pátios. Há pedaços de betão um pouco por toda a parte. Sinto um calafrio e começo a compreender.

O homem que saiu primeiro do carro benze-se, e há outro que se aproxima, removendo solenemente o chapéu. Parte da frente do edifico está desfeita. A condutora junta-se a eles, olhos húmidos fixos naquela destruição. Parecem estrangeiros, talvez imigrantes do leste europeu.

Eu estou só de passagem e, com um nó na garganta, depressa deixo o triste cenário para trás. Conheço muitos outros como este, ao longo da estrada. Já presenciei os acidentes que os provocam. Tantos anos depois, com bom pavimento, 4 faixas, semáforos, radares e velocidade limitada a 70 km/h (ou menos, em vários troços), ainda se morre regularmente na Marginal. Porquê?

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Quem anda à chuva...


Molha-se! E eu hoje cheguei a casa molhado que nem um pinto. Apesar de todos os avisos, resolvi não me precaver. Porque a distância é curta, porque são só dez minutos a pedalar, a probabilidade é pequena, enfim, as desculpas do costume desta vez custaram caro. Foram dez minutos a ensopar agua por todos os lados, sem quase conseguir ver por onde ia. A coisa só não foi pior porque a bicicleta tem guarda-lamas, que funcionam. Já os pneus são pouco aderentes em condições difíceis como as de hoje, nada de admirar numa bicicleta tão barata. Não foi uma viagem confortável.

Tenho mesmo de rever a minha atitude despreocupada.