quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Rapidinha

Estou a tentar sobreviver as frequências, por isso não tem sobrado muito tempo para o blogue. Como saldo da semana, eis algumas questões com que fui sendo confrontado e que merecerão tratamento em postagens posteriores:

Vi uma Gazelle à venda em Lisboa. Assim, sem mais, numa montra. Sou maluco pela marca e quis saber mais sobre a loja, se importam as biclas ou se aquilo era obra do acaso. Infelizmente, o estabelecimento, que se especializa em aluguer a estrangeiros, estava fechado.

Chamei burgesso a um tipo que estacionou um enorme X6 em cima do passeio e da ciclo-coisa que passa em frente à Gulbenkian. Comentei que ele estava ali muito bem, ele disse que eu devia ter muito a ver com isso, trocamos galhardetes, o costume...

Arranjei mais um espelho, e andei em testes com ele durante dois dias. Lisboa é uma cidade de tal maneira vibrante que ao fim do segundo dia caiu e ainda não tive paciência para voltar a coloca-lo.

Assustei uma dúzia de peões, nos últimos dias, fiz voar um chapéu de chuva de umas miúdas e levei com uma mala de senhora numa mão. E isso tudo foi na estrada, imaginem se andasse nos passeios... Deve ser do Natal.

Está frio e as compras de quadra (é disso que se trata, não é verdade?) estão a deixar as pessoas loucas. Boas pedaladas mas tomem cuidado com o stress alheio!

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Bike Wars

Imagem: treehugger.com

 
Retiro o que disse no último post. Bem me estava a estranhar tantas facilidades... Hoje tive um commute dos infernos, e não foi por causa do tempo. Aliás, esse é outro mito/desculpa que não convence ninguém. Somos uma sociedade de novos-ricos comodistas, com um serviço de meteorologia que declara alertas por tudo e mais alguma coisa. Eu passei ao todo uma hora em cima do selim hoje, em diferentes alturas do dia, e não vi nem senti nada que se parece-se com uma tempestade. Não só o vento nunca chegou a ser perigoso, como nem chuva apanhei.

Mas para perigo não precisamos cá do clima, pois temos o famoso Zé-do-volante português, um elemento que inspira muito mais receios que um nevão na Dinamarca. Hoje apanhei tantos sustos, que se tivesse uma arma comigo teria acabado o dia estilo Rambo First Blood. Primeiro, na Rua da Prata um automobilista fartou-se de andar a trás do eléctrico e resolveu mudar de faixa. O problema é que estava lá eu e só me consegui desviar por milímetros. Um pouco mais à frente um Kangoo dos CTT saltou (literalmente) de cima do passeio onde estava, na lateral do teatro Dona Maria II, para a faixa de rodagem, onde eu vinha. Mais uma vez evitei a colisão por muito pouco e desta vez não me contive e apliquei o meu melhor vernáculo ao motorista, que não me passou cartão. De notar que o piso estava molhado e escorregadio, o que tornava as manobras de emergência ainda mais complicadas.

As pessoas pareciam que estavam histéricas, os automobilistas tinham comportamentos erráticos, imprevisíveis. Pouco mais à frente evitei por muito pouco levar com a porta de um taxi, que se tinha imobilizado no meio da lateral da Av. da Liberdade. Com a adrenalina no máximo e a paciência no mínimo, já com o reportório de palavrões quase gasto, estava a chegar ao destino quando uma senhora num monovolume, a sair do estacionamento da Gulbenkian, olha para mim a passar e atira-me o carro para cima! Evitei a colisão nem sei bem como, mas envolveu uma enorme derrapagem controlada da roda de trás, muito equilíbrio e um golpe de guiador BTT-Style, de tal maneira que ultrapassei a senhora. Ela limitou-se a dirigir-me um olhar de desprezo, com aquele ar de "não se deve dar confiança a esta escumalha" e lá se foi embora no seu Rernault com um autocolante de "miúdo a bordo" ou coisa do género.

Cheguei à faculdade bastante stressado e a equacionar esta coisa de ir todos os dias de bicicleta. Os portugueses ao volante são tão ignorantes como são agressivos. Começo a questionar as minhas hipóteses de sobrevivência a longo prazo nas actuais condições que Lisboa oferece.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Commuter Hardcore

A caminho de  Lisboa

Nas últimas semanas tenho, por fim, utilizado a bicicleta a diário em Lisboa. Vou de comboio até ao Cais do Sodré e depois é só dar ao pedal. Não tenho grandes dificuldades a relatar, na verdade tudo tem sido mais fácil do que aquilo que eu tinha antecipado.

Trânsito: Tenho sido mais respeitado do que aquilo que estava à espera. Eu ando em parte por grandes avenidas e algumas zonas de transito denso e/ou rápido, como a rotunda do Marquês de Pombal. Até agora tenho tido alguns sustos, mas menos do que o esperado, talvez até menos do que o que encontrava há uns tempos numa scooter ou moto.

Subidas: Ao contrário dos mitos e das desculpas, é possível fazer uma série de percursos praticamente planos na cidade de Lisboa. Infelizmente não é o meu caso, pois tenho que passar da cota do rio até à Av. de Berna. Faço a Av. da Liberdade pela lateral, todos os dias. É chato porque faz-me transpirar quase sempre um bocadinho. O pior é o trânsito (é a zona ao ar livre mais poluída de Portugal por alguma razão) que fica tão compacto que por vezes nem de bicicleta se fura.

Pavimento: O estado do pavimento das nossas ruas e avenidas é bem pior do que as pessoas imaginam. Os automóveis modernos com pneus enormes e suspensões sofisticadas são uns sofás de conforto e desculpam muita coisa que uma bicicleta sem suspensão não consegue filtrar. A descer a António Augusto de Aguiar ou a Av. da Liberdade, tenho que segurar o guiador com muita força, não vá ele saltar-me das mãos ao passar sobre algum buraco mais camuflado, coisa que já esteve para acontecer um número assustador de vezes. O empedrado e os carris de eléctrico também estão presentes em múltiplas zonas.

Peões: A maioria dos peões lisboetas encaram a bicicleta não tanto como um veículo mas como uma espécie de peão armado ao pingarelho. Se me vêem a chegar, atiram-se para a minha frente sem receios, convencidos que eu não posso vir assim tão depressa e que, de qualquer forma, posso sempre desviar-me sem esforço, como qualquer...peão. Só que a 30 km/h as coisas não se passam bem assim. Eu já apanhei alguns sustos e eles também. O pior é que as pessoas ficam indignadas, parecem pensar que eu as estou a assustar de propósito ou algo assim. (Costumo gritar ATENÇÃO em caso de perigo iminente). Das pseudo ciclovias é melhor nem falar, até porque quase não as uso.

A Bicla: Uso uma bicicleta de Trekking de roda 700 e 24 mudanças de gama média/baixa. Não é leve, não é chic, mas tem o equipamento necessário e até agora tem chegado para o que se lhe exige. Tem mudanças suficientes para subir tudo e mais alguma coisa e também para rolar depressa (atingi o outro dia 65 km/h, nem sei bem como). Não tem suspensão, uma coisa que eu achava supérflua para uma bicicleta deste género, mas que faz falta numa cidade como Lisboa. Ou isso ou pneus largos! 

De noite: Tenho circulado de noite, utilizando só as luzes e reflectores que fazem parte do equipamento de série da minha bicicleta. O resultado é excelente, até porque o centro de Lisboa não tem grandes problemas de iluminação pública. As zonas mais "escuras" por onde passo à noite são a Av. 5 de Outubro e a Rua do Arsenal. De notar que eu não ando com coletes reflectores nem uniforme de power ranger ou coisas desse género. Uso roupa normal.


Os Taxistas estão mais civilizados
 
BUS: Embora não tencionasse inicialmente fazê-lo, tenho verificado que circulo bastante em faixas BUS. Sobretudo na Baixa. Até agora nunca senti que estava a incomodar ou a atrasar fosse quem fosse, e até sou a favor da liberalização destas faixas de modo a acomodar também os ciclistas, mas não pretendo fazer um uso reivindicativo e circulo aqui o menos possível.

O tempo: Tenho pensado que se os Suecos andam de bicicleta com neve, isto por cá são peanuts. Ainda não apanhei nenhuma molha séria enquanto pedalava, mas tudo indica que amanhã será um bom dia para isso. O pior nestas alturas é o piso escorregadio e a visibilidade reduzida, a minha e a dos outros. Nestes momentos é que sinto que seria bom dispor de ciclovias, para fazer o caminho mais descansado.

Policia: Já se sabe que a policia em Lisboa permite fazer quase tudo em matéria de tráfego. Felizmente as bicicletas não são excepção. Eu sou um tipo que cumpre o código até ao limite, mas mesmo eu já senti necessidade de desafiar a lei, por virtude de ela estar tão mal preparada para acomodar o ciclista. Assim, peço autorização aos policias municipais para seguir em frente na praça do município (que está cortada ao trânsito) e entrar na rua do Arsenal, (que é só para BUS), e eles: Força!

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Órbita Estoril II

Finalmente!

Fomos há uns dias buscar a bicicleta nova da Marta. Feito o luto da desaparecida B'twin, a co-habitante encantou-se com esta bicicleta urbana portuguesa e não descansou enquanto não arranjou uma. E arranjar uma Órbita não é exactamente fácil. Não se vendem em qualquer loja. Podem ser encontradas por acaso, por vezes até em hipermercados, mas nesse caso a escolha será sempre limitada (limitadíssima!) aos modelos e tamanhos de quadro disponíveis.

Na loja AIRAF, ao pé do mercado de Alvalade, em Lisboa, é possível encomendar qualquer modelo do catálogo da marca portuguesa, caso esse modelo não esteja lá disponível. Foi isso que a Marta fez, tendo que esperar uns dias por esta Órbita Estoril II:

What you see is what you get

Entrar nesta loja em Lisboa é quase como viajar no tempo, concretamente até princípios dos anos oitenta. Tanto a decoração como as próprias bicicletas e peças expostas nos transmitem esta sensação de nostalgia. Os preços também são de outras décadas, e o pessoal mais disposto a falar de bicicletas e a efectuar pequenas reparações ou alterações não tabeladas. A Marta optou por colocar um cesto à frente, algo não previsto para este modelo, mas que foi montado sem custos adicionais, para além do preço do próprio cesto.

Uma Órbita em Lisboa

Não vou aqui fazer uma review detalhada deste modelo, até porque não a experimentei (ao contrário da velha B'twin). A Estoril II traz luzes de dínamo, guarda lamas e grade porta-bagagens. Notam-se algumas debilidades na qualidade do equipamento e, pelo preço, a Órbita enfrenta a concorrência de vários competidores, como a habitual rede de mega-lojas Decathlon à cabeça. Mesmo assim, é de realçar que existe uma marca portuguesa ainda em plena actividade, que dispõe de um catalogo completo de bicicletas urbanas e utilitárias, por preços comedidos, com uma simpática representação na cidade de Lisboa. Como última nota, gostava de realçar uma questão importante: apesar dos desviadores e demais equipamento de qualidade inferior à da minha Riverside, a Estoril II regista um peso bem mais comedido: cerca de 15 kg. Parece que a marca portuguesa ainda sabe uma coisa ou outra sobre bicicletas.

sábado, 27 de novembro de 2010

Espelho meu

Assim não vejo nada

Ando a "testar" este espelho já há algum tempo. Interessei-me sobretudo pelo seu tamanho reduzido e boas possibilidades de fixação e regulação, pelo menos aparentes. O facto de não ter aquele ar de "trambolho" também ajudou bastante a convencer-me. Infelizmente, após muita experimentação, continuo sem conseguir dar-lhe o uso adequado. Ou seja, não vejo nada!


Assim também não

Colocado no guiador, só o consigo fixar demasiado ao centro, por causa do formato curvo e dos punhos ergonómicos nas extremidades, o que permite ter uma excelente imagem reflectida... de mim próprio! Não é exactamente o que se pretende.


Espelho recomendado pelo mítico Rivendell Reader
 
Se calhar é por isso que nas motos os espelhos estão colocados pelo menos à largura máxima do guiador... Conheço muitos tipos de espelhos para biclas, mas todos costumam ter um de dois grandes defeitos: ou não se arranjam em Portugal ou são inestéticos e pouco práticos para usar no dia-a-dia. Ou as duas coisas! Pensava que me safava com esta coisa pequena, comprada na Sport Zone, mas até agora os resultados têm sido muito fracos.

Conta-me o teu segredo...

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Ciclo-fascista fura a greve


 
Antes que comece a chegar o hate mail, esclareço que não estou contra a greve geral, cujo rescaldo ainda domina os noticiarios, nem muito menos sou fascista. Só para alertar algum internauta distraído que veio aqui parar à procura de "sexy girls on bikes" ou algo do género.

A verdade é que o dia da greve se afigurava, para mim, bastante tranquilo. Talvez demasiado tranquilo até, provavelmente fechado em casa o dia todo. Acabou por não ser assim. A manhã foi ocupada com uma deslocação a Cascais, (de carro, arg!) e pouco depois recebi uma mensagem indicando que, contra todas as previsões, teria uma aula na faculdade.

Imediatamente pensei que era a desculpa perfeita para, por fim, ir às aulas de bike, all the way. Com o comboio em serviços mínimos e o Metro completamente fora de serviço, só a bicicleta me podia salvar. (OK, estava o carro na garagem, mas isso tira todo o dramatismo da narrativa!)

Depois da chuva, um pouco de Sol em Carcavelos

Assim, após um cafezinho com uma amiga em Carcavelos, onde a qualidade de vida para alguns parece que vai em aumento, arranquei para o centro de Lisboa, onde a comunicação social reportava, com o rigor a que já me habituei, ora que o dia era de feriado e não se viam pessoas na rua, ora que o caos estava instalado e era impossível circular. A verdade teria de a descobrir por mim próprio.

Eu estava meio constipado e sentia-me, sei-lá, fraco, frágil. Decidi então que ia seguir tanto quanto possível por caminhos secundários e relativamente livres de trânsito rápido. Assim, em lugar de apanhar a auto-estrada marginal até Algés, fui pelo passeio marítimo, tranquilamente, indiferente à possibilidade de estar a cometer alguma ilegalidade escabrosa, que aquilo tem uns horários esquisitos para os ciclistas.

A partir de Paço de Arcos tornou-se então inevitável recorrer à pista de corridas Lisboa-Cascais, também conhecida como estrada marginal. Consegui chegar sem incidentes à Cruz Quebrada, um feito não tão desprezível como alguns possam pensar, a julgar pela quantidade de muros, pilaretes e postes derrubados que povoam as laterais desta estrada.

Fim do passeio marítimo de Oeiras

Depois de passar por debaixo da ponte ferroviária da Cruz quebrada, esperava-me um pequeno percurso mais apropriado a máquinas de BTT, um percurso que conheço bem, justamente dos meus tempos áureos do pneu cardado. Infelizmente, nem a minha indumentária cicle-chic nem a minha bicicleta de cidade se ajustam bem a estes terrenos. Tais factos pareciam claros para os ciclistas de licra e carbono com que me cruzei neste pequeno troço, a julgar pelos seus olhares enojados atirados de soslaio. Mesmo assim, apesar da desconfortável trepidação, acabou por ser divertido e num instante estava em Álges.

Sem incidentes cheguei à pseudo-ciclo-coisa de Belém e por lá segui a bom ritmo, mesmo que aos ziguezagues, fosse pela natureza do percurso, fosse para me desviar dos peões. Continuo a não perceber como é suposto um tipo atravessar a estrada a seguir às Docas e que diabos fazem paralelos, buracos, caixotes do lixo e carris de eléctrico numa ciclovia. Mas pronto, isso devo ser eu que sou esquisito. Os corredores e donos de canídeos não pareciam importar-se e essas foram as únicas outras pessoas que encontrei pelo caminho.

No Cais do Sodré, um olhar para o relógio fez um rombo na minha auto-confiança: tinha levado uma hora e meia para chegar a Lisboa! Tanto passeio marítimo e "ciclovia" dá nisto. A minha aula estava prestes a começar e eu ainda estava do outro lado da cidade. Boa Mike. E agora?

Não podia fazer nada a não ser continuar. Subi a baixa, a Av. da Liberdade, pela lateral, e depois travessei para o Parque Eduardo VII. O trânsito era intenso e algo confuso. Apesar de tudo, levei apenas 23 minutos a chegar à Av. de Berna, o mesmo tempo que costumo levar de metro. Ironia das ironias, a minha aula tinha sido cancelada... por falta de alunos!

Aproveitei para fazer uma pequena reunião de trabalho com um colega, mas pouco depois estava de novo na estrada. A av. de Berna estava absolutamente caótica. Subi numa lateral da Embaixada de Espanha e fui ter um pouco mais à frente à ciclovia que passa na Faculdade de Economia da Nova. Segui até ao Jardim Amália Rodrigues, de novo o Parque Eduardo VII, Marques do Pombal em grande estilo, Av. Liberdade onde um autocarro tentou passar-me a ferro, etc. Passei ao lado da Câmara de Lisboa e pedi autorização aos policias que ali se encontravam para seguir em frente na praça do município, e entrar na Rua dos Bacalhaus, coisa que eles aprovaram prontamente.

Outra vez a ciclovia, agora mesmo deserta. Em Algés ainda ponderei apanhar o comboio, mas lembrei-me de o quanto detesto esperar por transportes públicos quando não existem certezas de horários, por isso continuei. Fazer o percurso "todo o terreno" até à Cruz Quebrada, no escuro, revelou-se um desafio. A minha luz de dínamo não foi pensada para estas coisas. E a chocalheira foi tanta que pensei que ia perder peças. Mas fez-se, tal como o resto do caminho até casa. No total, pouco mais de 54 km. O que provavelmente explica o apetite que tinha quando cheguei.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

NuVinci N360



Depois do lançamento do Shimano Alfine de 11 velocidades ter dado que falar, eis mais uma novidade muito interessante para aqueles que, como eu, apreciam o conceito de cubo de mudanças. Como o Alfine, este sistema pode ser instalado em bicicletas de diferentes estilos, sendo que parece muito atractivo para modelos urbanos. As semelhanças ficam por aí, uma vez que este modelo dispõem de uma tecnologia mais similar a uma transmissão de variação contínua, que um sistema de mudanças interno. Podem ver uma review aqui e informação do fabricante aqui.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Ciclo-Fascista à solta na faculdade?


No decurso de uma aula de Sociologia do Ambiente, fomos colocados perante o conceito de "economia verde": a produção de produtos e serviços que tivessem a preocupação, pelo menos teórica, de evitar ou reduzir danos ambientais. Essa coisa de colocar um rotulo "eco-friendly" num artigo tem muito que se lhe diga. E foi-nos pedido que comentássemos.

Normalmente nem digo nada nestas aulas, pois o ruído é sempre muito e perde-se imenso tempo com as pessoas a darem a sua opinião sobre algo que "ouviram dizer" ou "viram num documentário" não se sabe bem onde.

Desta vez porem, como ninguém dizia o óbvio, avancei o exemplo da industria automóvel, que anda há anos a tentar passar por amiga do ambiente. Mencionei que "verde" seria trocar de carro menos vezes ou não andar de carro de todo.

Embora os comentários dos meus colegas, muitas vezes confusos, mereçam normalmente uma resposta cuidada e bem construída por parte da professora, a minha intervenção mereceu desta vez apenas uns sorrisos e uma pergunta retórica:

- Você é aquele tipo da bicicleta, não é?

Recuando umas aulas, naquela que terá sido a minha única outra intervenção nesta cadeira e com esta professora, tinha falado no meu uso diário da bicicleta perante a questão: "que práticas costumam ter a favor do ambiente, no vosso dia-a-dia?"

Com uma frase, estava rotulado de "activista" e com a segunda intervenção acho que já sou visto como fanático. O que digo parece-me que será agora devidamente pesado pelo minha "ideologia". Parece assim tão estranho pensar que a industria automóvel é tudo menos amiga do ambiente? Será coisa que só um ciclo-fascist poderia pensar?

Não sei por que me surpreende. Embora a minha faculdade seja dos meios académicos mais liberais, pela própria força de ser uma faculdade de Ciências Sociais, a verdade é que também o seu corpo docente, formado por pessoas que me merecem o maior respeito intelectual, parece sofrer da mesma miopia do resto da nação. Também aqui as vacas são (muito) sagradas. Eis um par de exemplos:

Certo professor quis usar uma metáfora de duas ou mais maneiras de atingir um mesmo fim. E lembrou-se da ideia de ir dali, Lisboa, para Cascais: -"Vocês podem ir pela A5, podem ir pela Marginal, podem ir pelo IC19, levam mais ou menos tempo, mas chegam lá"-. Em nenhum momento considerou alguma outra maneira de se deslocar, até que um colega avançou o comboio, ideia que o professor aceitou, para de seguida ridicularizar com a frase "sim... se quiser ser assaltado... ou apanhar uma doença" Outro professor faltou a uma aula e justificou-se depois com o facto de haver muito transito nesse dia e ele não ter um helicóptero para o evitar.

Numa instituição onde tudo se pode questionar, onde tudo se pode discutir e debater, onde parece não haver tabus, o monstruoso paradigma português de mobilidade continua a ser cimentado, pelas mesmas pessoas que eu esperaria serem das mais capazes de assumir e liderar a mudança.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Polícias e Ladrões

 A B'twin em terrenos pouco urbanos

A bicicleta de cidade preta em primeiro plano, uma Decathlon B'twin Elops 1, foi roubada da estação da CP de Oeiras, na Sexta Feira. Era usada a diário pela proprietária, a Marta, desde há aproximadamente dois anos.

Para além do natural desagrado de se ver vítima de um furto, a Marta ficou a questionar a razão de ter sido o alvo escolhido pelos amigos do alheio. A sua B'twin estava correctamente presa e não seria nem a bicicleta mais vistosa nem a mais desprotegida das muitas que procuram segurança no estacionamento da estação.

A minha corrente, igual à que protegia a B'twin - 1,140 kg


Assim, este fim de semana a Marta iniciou uma pequena odisseia, a busca não só de uma substituta para a sua adorada B'twin, como dos meios para garantir que também ela de futuro não se "extraviasse". A procura levou-nos, a ela e a mim, a sítios tão dispares como a já mítica loja Ciclone, grandes superfícies e até supermercados!

Descobrimos um pouco o que já sabíamos: não há formulas infalíveis, não há cadeados milagrosos. É uma questão de probabilidades e até de sorte. Tudo o que se pode fazer é dificultar a vida ao gatuno, mas não existem garantias. Fomos mesmo aconselhados a optar por uma bicicleta dobrável, a única forma de não ter que deixar a bicicleta longe da vista e à mercê de estranhos. Essa opção não é muito viável para quem apanha vários transportes por dia, incluído autocarro, como é o caso. A ideia era uma bicicleta barata, para usar quase exclusivamente em distâncias curtas e que pudesse ficar na rua sem chamar a atenção.

Será à prova de larápio? - 1,210 kg


Acabamos por comprar uma nova corrente, de marca conceituada, para substituir a anterior. A antiga tinha um factor de segurança atribuído pelo fabricante de 7 em 10. Esta foi mais cara, tem um aspecto mais "duro", mas tem um factor 7 em 15! O melhor será não pensar muito no assunto.

A bicicleta ficou por adquirir. É como sempre difícil encontrar modelos utilitários no nosso mercado e a Marta anda à procura de um bicicleta nacional, de preferência. Uns modelos da Órbita serão inspeccionados na próxima semana.

Por fim, e como curiosidade, é de notar que a estação da CP de Oeiras alberga uma esquadra da PSP, onde foi apresentada queixa. A esquadra fica a poucos metros dos vários locais de estacionamento de bicicletas e foi avançado pelos agentes que os roubos eram raros, pois no total só tinham conhecimento de dois.

Essa opinião era absolutamente contraria à dos taxistas que estavam na paragem da zona e à das empregadas do quiosque local: os roubos de bicicletas são constantes e muitas vezes cometidos em grupo. Será que a PSP, além de fechar os olhos ao estacionamento selvagem que se pratica na zona, já fecha os olhos a outros delitos?

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Mais más noticias

Há mais sinais destes do que daqueles azuis...
 
O estado prepara-se para reduzir os investimentos em transportes públicos. Era sabido desde a aprovação do orçamento de 2011 que essa era uma inevitabilidade. Surgem agora os pormenores que procuram justificar os cortes.

Que as empresas de transportes públicos costumam andar no vermelho, não será novidade. Depois há a opinião, para alguns dominante, de que os portugueses não se interessam pelos transportes públicos. Como tal, em tempo de crise, não se justifica esse fardo do estado, para satisfazer, aparentemente, apenas uns quantos tótós que não conseguiram tirar a carta. Assim, o executivo parece ter o machado na mão e prepara-se para cortar a diestro y siniestro no sector dos transportes. Os públicos, claro.

Segunda esta noticia, serão "privilegiadas" as carreiras que têm uma oferta sobre-dimensionada. Não fazia ideia que existia sobre-oferta de transportes. Mas pelos vistos há. Por exemplo, o governo parece achar que existe demasiada oferta no Metro Sul do Tejo. E vai cortar. Conheço muitas reclamações em relação ao metro da outra banda, mas são coisas que têm a ver com o percurso e regularidade das composições. Se o estado e a autarquia estavam à espera de mais clientela para o metro, se calhar deveria ter apostado num percurso que realmente servisse as pessoas. Assim o que temos é que os utentes não estão satisfeitos, a empresa não está satisfeita e acumula prejuízos, as pessoas continuam a usar o carro e agora chegam os cortes.

Um pouco como a situação da CP, mais uma das contempladas com futuras machadas governamentais. Depois anos de desinvestimento, depois de anos a ser governada por babuínos, a empresa está na mira do estado para mais cortes, naturalmente por causa da crise. Na realidade e ainda segundo a noticia do Público, o governo pretende que as empresas de transportes, de capitais públicos, reduzam em 15% os seus custos operacionais no próximo ano.

Tudo isto me interessa, mas não está ligado directamente com o que nos ocupa aqui. Acontece que ao ler estas noticias, não pude deixar de pensar nas críticas que já ouvi, feitas à CML, pelas verbas gastas nas ciclovias que pouca gente usa. Ora pseudo-ciclovias feitas em cima dos passeios, não estando unidas em rede, não chegando aos pontos importantes da cidade, são pouco mais que ornamentais. Mas fornecem a desculpa, a mesma dos transportes públicos, para evitar mais despesas de futuro, porque afinal, a coisa já foi tentada e as pessoas não aderiram.

Este é o verdadeiro perigo dos passeios glamourosamente pintados de vermelho, onde quase só circulam peões. O de servirem de desculpa. Para nunca se chegar a fazer a obra a sério.

Esquecendo um pouco o lado negro da força, foi hoje também noticia a votação de um novo PDM para a cidade de Lisboa. Tudo indica que será viabilizado. Como sempre, as informações são escassas, fala-se em mais áreas pedonais e mais zonas verdes. Tenho esperança que assim seja e que este novo documento venha a conter a proliferação descontrolada do betão e do asfalto na cidade. Nem tudo pode ser mau.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Orçamento participativo da CML

Projectos vencedores de 2011, comunicados pela CML:

1º. Criação de um Campo de Rugby Municipal na cidade de Lisboa – 730 votos
Área: Desporto
Descrição: O projecto prevê a construção de um campo de rugby, com equipamentos de apoio, balneários, iluminação e vedação do mesmo.
Local: Alto do Lumiar - Parque Urbano Sul
Custo: 900.000,00 €
Prazo de execução: 18 meses

2º. Parque Urbano do Rio Seco 3ª Fase -714 votos
Área: Espaço Público e Espaço Verde
Descrição: Implementação da 3ª fase do Parque Urbano do Rio Seco.
Local: Rua Eduardo Bairrada
Custo: 1.000.000 €
Prazo de execução: 24 meses

3º. Requalificação da Envolvente da Igreja de Santa Clara – 600 votos
Área: Espaço Público e Espaço Verde
Descrição: Requalificação da envolvente da Igreja de Santa Clara.
Custo: 250.000 €
Prazo de execução: 18 meses

4º. Centro de Actividades Intergeracionais - Quinta da Bela Flor - 520 votos
Área: Acção Social
Descrição: Criar um centro de actividades intergeracionais no âmbito do programa envelhecimento activo e saudável no Bairro da Bela Flor.
Custo: 250.000 €
Prazo de execução: 24 meses

5º. Requalificação e Cobertura do Espaço Desportivo existente no Bairro do Cabrinha – 506 votos
Área: Desporto
Descrição: O projecto prevê a reabilitação do campo de jogos, considerando a substituição do piso, substituição das redes de todo o equipamento desportivo e colocação de cobertura fenólica ou membrana.
Local: Av. de Ceuta - Bº da Cabrinha
Custo: 300.000,00 €
Prazo de execução: 6 meses

6º. Casa destinada a Mães (Pós-parto) – 473 votos
Área: Acção Social
Descrição: Espaço destinado a mães e bebés que vivem os meses pós-parto em situação de isolamento. Pretende-se que este espaço funcione como um lugar informal de partilha de experiências e de acesso a informação diversa, nomeadamente a questões relacionadas com a amamentação, depressão pós-parto, etc.
Custo: 800.000 €
Prazo de execução: 24 meses

7º. Quinta do Bom Nome – 408 votos
Área: Espaço Público e Espaço Verde
Descrição: Projecto de qualificação da Quinta do Bom Nome integrando parque infantil.
Local: Quinta do Bom Nome
Custo: 1.000.000
Prazo de execução: 24 meses

A câmara adiantou ainda ter registado a maior adesão de sempre, 11.570 votos. Um desses votos é meu, mas não foi para nenhuma destas propostas. O orçamento participativo é uma boa ideia, uma ideia que pretende aproximar as pessoas das decisões tomadas pela CML. É didáctico, mas não é por aqui que se resolvem os grandes problemas de Lisboa. Aliás, é penoso (e deveria sê-lo para os responsáveis camarários) encontrar propostas de coisas tão simples e óbvias como reparar passeios ou limpar jardins
. Problemas que pelos vistos as pessoas só tem esperanças de ver resolvidos via orçamento participativo.

Em Lisboa, o rei não vai nu. Vai de SUV.

Não deixo de ficar triste com este desenlace. São necessários muito poucos votos, em valores absolutos, para conseguir eleger um projecto. Não houve 408 pessoas, para além de mim, que votassem em algo relacionado com a mobilidade em bicicleta na capital. Se tivessem votado, essas 408 pessoas seriam suficientes para o levar adiante. Enfim, quem alimentava ideias de "forçar" o executivo camarário a criar condições para o uso da bicicleta na capital através de projectos aprovados no orçamento participativo, pode começar a procurar alternativas.


Mobilidade? Sim, claro, estamos a fazer mais estradas

Infelizmente eu não imagino quais possam ser. Como com qualquer órgão de poder neste país, é difícil entrar em contacto com a CML e mais difícil ainda perceber o que andam os senhores a fazer, em nosso nome e com o nosso dinheiro. A não ser que sejam eles a dizer-nos.  Mas de acordo com este documento, não será de esperar grandes mudanças no paradigma da mobilidade na capital: não há grandes investimentos nessa área previstos para os próximos 3 anos, e se a crise económica se mantiver, provavelmente não se realizarão nem os previstos.  

Não se vêem bicicletas: a ciclovia não vai a lado nenhum!

Ou seja, esperam-nos pelo menos mais 3 anos de ditadura do automóvel, com uns poucos metros de "ciclovias" no passeio aqui e ali, desconexas e inúteis. E um projecto de Bicicletas Partilhadas que está em stand by, o que até se percebe: vão alugar bicicletas às pessoas para elas irem andar para onde? Quem tem capacidade e coragem, já anda no dia-a-dia nas avenidas, com os enlatados enraivecidos como companhia. O resto vai continuar à espera. E a passear à beira mar ao Domingo, com o cão e a criançada.

domingo, 31 de outubro de 2010

Aos poucos

Que têm em comum a praça de Alvalade, o Saldanha e o Campo Pequeno? Alguém sabe? Entre outras coisas, estacionamento para bicicletas! Eu sei que sou algo distraído, mas tenho ideia que estas barras em "U" invertido são recentes. Tenho vindo a tropeçar com elas um pouco por toda Lisboa, nas últimas semanas. Todas apresentam o mesmo design e parecem ser fornecidas pela CML.

No Campo Pequeno


Entretanto, pequenas obras resolveram alguns dos problemas apontados à Ciclovia de Belém, como a constante invasão de carros na recta atrás daquele hotel que alguém deixou erguer junta à marina. Outras questões persistem e as próprias obras são incómodas e perigosas para os utentes.

Luxo dos luxos, na estação de Algés, como parte da uma iniciativa da CP já aqui mencionada, que espalhou novos estacionamentos pelas estações das zonas urbanas e sub-urbanas de Lisboa, é agora possível deixar a bicicleta dentro da zona da passagem subterrânea, ao abrigo da chuva. O estacionamento que existia à superfície ainda lá está, usurpado a diário por uma carrinha de vendedores que descaradamente ali estaciona, dia sim, dia sim. Mas os poucos vamos lá.
Espero.

domingo, 24 de outubro de 2010

Da bicicleta de passeio

Diz que é trekking

Para a Specialized são bicicletas de "conforto e fitness". Para a KTM são bicicletas de "passeio" ou "Trekking".  Há quem tenha nomes mais consentâneos com aquilo que está a vender. A Trek por exemplo tem disponíveis bicicletas de "Passeio e Cidade". E outros nem sequer as vendem. Para o povo são "pasteleiras" e até os gatunos só as roubam se não tiverem mais nada à mão.

Será assim tão difícil chamar as coisas pelos nomes? Tão entranhada está no nosso país a ideia de que o uso de uma bicicleta como meio de transporte é um sinal exterior de pobreza que nem os profissionais do sector resistem ao uso de eufemismos para descrever o produto que estão a vender?

Uma pequena maravilha Inglesa
Não é de agora que me irrita solenemente este uso do português, mas a frase utilizada, pelos próprios organizadores, para descrever o Festival Bike deste fim de semana tira qualquer um do sério. A determinada altura aludem de esta forma ao sucesso do certame:

"(...) o envolvimento de empresas e instituições que promovem a bicicleta como um meio saudável para a prática desportiva ou para momentos de lazer, têm sido motivos de atracção e fortes contributos para o crescimento continuado do número de visitantes."

Desporto? Check. Lazer? Porreiro pá. E mais nada?? Transporte? Helllllo? Locomoção? Nada.

Todos os anos costumo ir ao Festival Bike, ultimamente até em trabalho. Esta frase fez-me perder toda a vontade de lá por os pés. Se esta é a visão que têm os profissionais do sector, a da bicicleta exclusivamente como brinquedo (saudável, não poluente, mas apenas um brinquedo), estamos conversados. É engraçado que no meio de todo aquele carbono, titânio e calções de licra, a feira costuma ter espaço para apresentar novidades utilitárias. Sim, ao contrário do que os organizadores parecem pensar, o Festival Bike apresenta também modelos de bicicletas dobráveis, bicicletas de cidade, bicicletas de ciclo-turismo, bicicletas de carga, bicicletas eléctricas, etc. Eis mais algumas fotos de 2009 que o provam:

Que pasteleira esquisita

Tenho saudades da minha Dahon!

Bom, ao menos são giras estas bicicletas de fitness

Com motor? Mas isso é legal?

Outro??

Acho que conheço este senhor de algum lado...

Desejo ao Festival Bike sucesso e um longo futuro à sua frente. No entanto, acho que os organizadores revelam alguma falta de visão, neste vestir da camisola do consumismo enquanto a mobilidade, embora tendo o seu espaço, surge como o parente pobre, do qual parece que se tem vergonha.

Byke: alugue a sua bicicleta

Byke

Um amigo que vive em paragens mais civilizadas partilhou comigo este link. É um site de aluguer de bicicletas, de particulares a particulares. Parece uma coisa tipo couch surfing, só que é pago. O conceito parece interessante, mas não consigo encontrar usuários portugueses. Interessados?

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Madrid e a bicicleta

Madrid me mata!

Passei este fim de semana em Madrid. Tinha outras coisas que fazer, mas não pude deixar de dar alguma atenção às questões da mobilidade na capital espanhola. A cidade do Manzanares vive actualmente um período de transformações e melhoramentos urbanos. Muitas ruas foram alvo de obras recentes e outras continuam a sê-lo.

Senhorial e imponente, Madrid é uma grande capital europeia. As suas dimensões, características e população residente colocam-na numa outra escala que não a de Lisboa. Mesmo assim, penso que as comparações são pertinentes, senão mesmo inevitáveis. É, afinal, a capital do país que temos mais próximo e com o qual partilhamos, goste-se ou não, muitas coisas.

Zona de trânsito condicionado
As alterações recentes no centro urbano da cidade parecem ter como ideia central torna-la mais humana. Há mais zonas pedonais, mais ruas e praças total ou parcialmente fechadas à circulação automóvel, menos espaço de estacionamento público. Há jardins e esplanadas no lugar onde antes circulavam as vacas sagradas. Há medidas de acalmia de tráfego, com ruas com a faixa de rodagem propositadamente estreita e piso irregular em pedra, por exemplo. Os automobilistas circulam de forma bem mais civilizada que neste nosso cantinho dos degenerados do volante.

Fim da ciclovia da calle Serrano

Isto é tudo o que identifica a "ciclovia"
E ciclovias, perguntais vós? Pois, a verdade é que elas devem existir, uma rápida procura na net pode prova-lo. Pessoalmente, só vi uma. E fartei-me de andar pela cidade. Essa ciclovia que encontrei foi a da calle Serrano, uma das vias comerciais mais importantes da capital do Reino. Já tinha nestas páginas feito menção a esta ciclovia, pela polémica que estava a despertar. É tão só uma faixa estreita de passeio, como a maioria das que surgem em Lisboa, com a agravante de estar muito mal assinalada, com piso de cor igual ao resto do pavimento.

Ciclistas urbanos na Gran Via
Tal como em Lisboa, a bicicleta não parece fazer parte das prioridades do actual executivo do município espanhol. Pelo contrario. Não existe esquema de bicicletas de uso partilhado, nem há praticamente ciclovias. Mas medidas físicas de acalmia de tráfego, medidas de desencorajamento da entrada de carros no centro da cidade, redução dos limites de velocidade, isso está claramente a ser implementado, e com êxito. Ora em Madrid como em Lisboa, a construção de ciclovias está longe de ser pacifica, mesmo para os seus eventuais beneficiários e utilizadores. Há pois quem considere estas medidas atrás referidas, por si só, extremamente benéficas para o uso da bicicleta como transporte utilitário. Depois de 4 dias em Madrid, só posso concordar.

Espaço para as pessoas, não só para as vacas sagradas

Os estacionamentos de bicis não têm muito uso

As zonas pedonais são muito concorridas
É de notar que Madrid, apesar de completamente plana, não parece ter grandes afinidades históricas com a bicicleta. Apesar de dispor de excelentes transportes públicos, o carro por aqui continua a ser rei e os ciclistas olhados como excêntricos, na melhor das hipóteses. As medidas tomadas visam tornar a cidade mais agradável de viver e conhecer a pé, afinal os espanhóis gostam de sair, comer as suas tapas e beber as suas copas. E ainda fazem compras nas grandes avenidas, não só em centros comerciais de plástico, como sucede por cá. Seja como for, as medidas tomadas estão a tornar a cidade também muito mais ciclável.

Um artista no parque do Retiro
Todas estas mudanças não foram pacificas. Tal como em Lisboa, houve oposição a fechar ruas ao trânsito e reduzir lugares de estacionamento. Houve quem questionasse o dinheiro gasto. Mas as pessoas em geral parecem satisfeitas com o resultado, mesmo os automobilistas incondicionais. Fiquei muito bem impressionado, é uma cidade que sempre me marcou e que parece agora, apesar de monumental, bem mais humana. Já para pedalar, apesar de tudo acho que vou continuar a preferir Barcelona!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A perspectiva da Industria




Vídeo onde o presidente da TREK fala das tendências do mercado mundial, dos actuais problemas de mobilidade, poluição e saúde que uma industria pode ajudar a resolver, com um produto único: a bicicleta. Data de 2007 esta excelente apresentação, já é conhecida de alguns, mas nunca será demais divulga-la.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Do peso das palavras

"Comboio abalroou viatura e provocou dois mortos", noticiava hoje o Público.

Ninguém questiona este tipo de cabeçalhos. É uma forma muito comum de apresentar um incidente deste tipo. Não sou nenhum Chomsky, mas conheço a importância das palavras. Não é por acaso que o título não diz por exemplo "Utentes de linha X sem serviço devido a acidente com automóvel" ou algo como "Idiota contorna cancela e ignora avisos sonoros, provocando colisão com comboio". 

E não diz isso porque a vítima é sempre o automóvel. Sempre. O comboio não pode desviar-se, não pode travar. Mas a culpa é dele. A vítima é o automóvel e os seus ocupantes. Mesmo que o condutor do veículo motorizado tenha ignorado as regras e os avisos, como foi o caso. Mesmo que outras pessoas tenham ficado feridas ou sido prejudicadas pela colisão. Ele é que foi "albarroado". O automóvel. Nada mais interessa.

É também esclarecedor reparar como os noticiários fazem a contagem de viaturas atingidas quando há um temporal. Os automóveis danificados ou destruídos nestas situações são contabilizados com grande detalhe, como se de vítimas, pessoas, mortas ou feridas, se tratasse.

Recentemente a queda de um edifício em Gaia teve ampla cobertura televisiva. Foi dado grande destaque, em todos os canais, às viaturas esmagadas, com planos dramáticos dos pópós envolvidos. Isso era sem dúvida mais importante do que o facto de um edifício ter ruído! E menos ainda tentaram as TV's explicar a razão dessa ruína.

E quando há um acidente com uma bicicleta, o que é que costuma acontecer? Será que os meios de comunicação usam expressões como a "viatura abalroou ciclista" Claro que não. Quando noticiam um acidente entre um veiculo motorizado e um ciclista as expressões vão normalmente no sentido de responsabilizar o ciclista. Coisas do tipo "Ciclista não terá visto o automóvel" são as mais vulgares.

Os paradigmas não surgem por acaso. Meias verdades e linguagem tendenciosa, repetidas vezes sem conta, solidificam na cultura de um povo factos que não têm fundamento. É também assim com as noções do automóvel como objecto libertador, imaculado, incapaz de qualquer mal.

domingo, 10 de outubro de 2010

O Homem que mudou o mundo


O sítio onde moro não é bom nem é mau. É o que é, um subúrbio pseudo-confortável da cidade de Lisboa, perto da praia, bem servido de transportes públicos eficazes (comboio) mas cercado de estradas com pretensões a vias rápidas, onde o uso regular da bicicleta para fins utilitários não é recomendado.

Em Carcavelos trava-se a mesma batalha pelo espaço urbano que se regista um pouco por todo o país. Como em quase todo o lado, o automóvel está a vencer por goleada. Cá no burgo o espaço público destina-se à circulação ou ao estacionamento das vacas sagradas. Não há largos, não há praças, há cruzamentos rodoviários. Isso não impede que os minúsculos passeios sejam mesmo assim reclamados para acomodar ainda mais automóveis.

Carcavelos no seu melhor
Isso acontece a diário mesmo no centro de Carcavelos e é também o caso dos passeios que rodeiam a minha casa. Moro num R/C e estava farto de ter carros a entrarem-me pela janela do quarto (só o ruído sugeria isso mesmo). Farto de vista para o tubo de escape do Golf Xpto do Zé-do-Boné cá do sítio, farto de ver o passeio a degradar-se, farto de observar carros debaixo da minha janela para aproveitar a sombra, mesmo quando a rua estava vazia. Resolvi escrever à Junta.

Antes: a vista habitual do meu quarto
A primeira iniciativa deu-se na sequência de uma carta que tinha escrito ao Público, sobre o mesmo assunto, e não obtive resposta nenhuma. A segunda tentativa foi em finais de Julho deste ano. Escrevi uma reclamação detalhada, com fotografias e uma proposta de acção, ou seja, a colocação de pilaretes. Desta vez não só obtive resposta rapidamente, como com ela vinha a promessa de obras quase imediatas.

Terreno recém libertado

Imediatas não terão sido, mas o espaço regularmente invadido pelos paquidermes de aço tem desde ontem o aspecto que as fotos documentam. O piso está a ser reparado.

O pavimento vai ser reparado
Não faço ideia se algum outro vizinho reclamou da situação ou se por aqui mora alguma sumidade, daqueles com connections, que tenha pressionado a junta de freguesia no mesmo sentido. Tanto quanto sei, eu fiz isto acontecer. Eu mudei a realidade triste da esquina do meu prédio. Eu.

ReichFüher Barbosa: 0 - Bessa: 1

E que interessa isso? De uma coisa estou seguro: se vamos conseguir alguma coisa no campo da mobilidade sustentável neste país, vamos ter que lutar. Vamos ter que insistir. Vamos ter que dar a cara. Vamos ter que acreditar. Não se trata sequer de qualidade de vida, de mais ou menos ciclovias, trata-se de direitos. Podemos mudar o nosso paradigma. As coisas acontecem. Mas é preciso investir nelas. Felizmente não faltam exemplos de pessoas que contribuíram muito mais para "a causa" do que alguma coisa que eu alguma vez tenha feito, mas ontem... Ontem senti os meus esforços recompensados. Houve ali um sinal de esperança, uma coisa fugaz, mas poderosa. Continuem a  escrever, continuem a reclamar, continuem a aparecer. Vale sempre a pena.

sábado, 9 de outubro de 2010

Porquê?

Incompreensivelmente, a carrinha abranda. Naquela recta inóspita, não muito longe da fronteira imaginária que divide os concelhos de Lisboa e Oeiras, o trânsito é, como sempre, intenso. O Sol brilha, espreitando por momentos entre as nuvens de tempestade. Do outro lado da estrada grandes vagas esmagam-se ruidosamente na praia. Um vento teimoso recorda-nos que o conforto do verão já vai longe.

É impossível não reparar no veículo que avança agora muito lentamente. Os outros automobilistas apressam-se a ultrapassar, impacientes, agressivos. Ninguém reduz a velocidade. A condutora parece procurar um buraco na malha de pinos que protege o passeio, para conseguir estacionar o carro.

Pelo menos é isso que imagino, à medida que, caminhando, me vou aproximando. O tal buraco aparece, pois há uma série de pinos derrubados, esmagados. A carrinha imobiliza-se na faixa de rodagem, os quatro piscas ligados. Alguém saí de um dos lugares traseiros, olhando intensamente para o prédio em frente. Há algo de muito perturbador no seu olhar, nos seus gestos. E algo de estranho nestas casas também, nas escadas, nos pequenos pátios. Há pedaços de betão um pouco por toda a parte. Sinto um calafrio e começo a compreender.

O homem que saiu primeiro do carro benze-se, e há outro que se aproxima, removendo solenemente o chapéu. Parte da frente do edifico está desfeita. A condutora junta-se a eles, olhos húmidos fixos naquela destruição. Parecem estrangeiros, talvez imigrantes do leste europeu.

Eu estou só de passagem e, com um nó na garganta, depressa deixo o triste cenário para trás. Conheço muitos outros como este, ao longo da estrada. Já presenciei os acidentes que os provocam. Tantos anos depois, com bom pavimento, 4 faixas, semáforos, radares e velocidade limitada a 70 km/h (ou menos, em vários troços), ainda se morre regularmente na Marginal. Porquê?

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Quem anda à chuva...


Molha-se! E eu hoje cheguei a casa molhado que nem um pinto. Apesar de todos os avisos, resolvi não me precaver. Porque a distância é curta, porque são só dez minutos a pedalar, a probabilidade é pequena, enfim, as desculpas do costume desta vez custaram caro. Foram dez minutos a ensopar agua por todos os lados, sem quase conseguir ver por onde ia. A coisa só não foi pior porque a bicicleta tem guarda-lamas, que funcionam. Já os pneus são pouco aderentes em condições difíceis como as de hoje, nada de admirar numa bicicleta tão barata. Não foi uma viagem confortável.

Tenho mesmo de rever a minha atitude despreocupada.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O que diz Barbosa


Fui recentemente confrontado com mais um mui nobre serviço que o Sr. Carlos Barbosa prestou à nação. Depois de impedir os planos da CML, que pretendia devolver a baixa de Lisboa às pessoas e encerra-la ao trânsito automóvel, depois de confrontar publicamente as autoridades pelo seu descaramento de passar multas a quem circula em excesso de velocidade, (ver aqui texto de um admirador), depois de encher páginas de jornais na sua cruzada contra o elevado custo dos combustíveis, o Sr. Barbosa utilizou uma campanha de sensibilização sobre atropelamentos em meio urbano, cujos números recentes são trágicos, para nos revelar mais uma verdade escondida. E a verdade é só esta: a culpa é dos peões.

O presidente fala. O povo escuta.
Sim, sim, houve quem considerasse estas afirmações um ultraje, uma vergonhosa culpabilização das vítimas por parte do dirigente de uma associação poderosa que defende os interesses daqueles que, em última análise, são quem mata. Podem ler comentários pertinentes aqui.

Seria fácil classificar o Sr. Barbosa como uma besta, mas isso seria passar ao lado do problema. Eis uma das frases mais repetidas pelos media, atribuída ao Sr. De Barbosa: "Mesmo que o automobilista venha a 30 ou 40 km/h e o peão se atirar para a passadeira dificilmente o peão não será colhido. As pessoas atravessam em qualquer lado como se lhes apetecessem e tivessem direitos"

Lá está. Não interessa se o peão tem prioridade nas passadeiras, que pelos vistos só tem se não vier absolutamente nenhum carro, segundo o Sr. Presidente. A questão paradigmática é que essa gente, esses peões, pensam que têm direitos. Obviamente, não têm. Há pessoas em Portugal que ainda não perceberam, mas eu faço um favor ao Sr. Presidente e explico: se não estás ao volante de um veículo motorizado, não tens qualquer direito, excepto talvez o de permanecer calado. Essa é a realidade que algumas pessoas não compreendem e para a qual o ReichFüher Barbosa chama, e muito bem, a atenção.

És um camponês miserável: não podes caçar nas terras do rei, ou serás enforcado. É óbvio. És um peão miserável, se te colocares no caminho de um membro da casta superior, a conduzir o seu reluzente exosqueleto com rodas, serás trucidado. É justo. Aliás, só não é justo porque o mui nobre senhor condutor ainda se arrisca a passar pela maçada de se atrasar meia hora, para dar a sua versão dos acontecimentos às autoridades. Depois vai à sua vida, enquanto o peão vai para a morgue.

Out of my way, peasants!
Nem me vou debruçar aqui sobre o tempo ridículo de abertura dos semáforos para peões, a falta de passadeiras e de espaço nos passeios, as vergonhosas passagens aéreas que obrigam as pessoas a desviarem-se centenas de metros, ou mesmo a velocidade vertiginosa a que se movem impunemente os automobilistas dentro das cidades. Para quê? O facto é que, com lei ou sem ela, como no caso dos recém libertados escravos norte-americanos, quem não se desloca de automóvel em Portugal pertence a uma casta sem direitos. Se espancassem um negro num estado do Sul dos EUA em finais do séc. XIX e o deixassem moribundo, estendido na estrada, aos culpados não lhes acontecia nada. Por cá, é basicamente a mesma coisa. O Sr. Barbosa só nos estava a recordar quem manda.

Ora o Cavaleiro De Barbosa não costuma falar de ciclistas nas muitas entrevistas que dá. Conhecendo o que ele pensa dos peões, acho que consigo formar uma ideia. Mas o que mais incomoda no Presidente do ACP não é o facto de ele aparentemente viver na Idade Média (mais acertadamente, nas Dark Ages como diriam os anglo-saxões), onde uns são donos e senhores de todas as terras e têm todos os direitos e os outros... nem por isso. Não, o que irrita realmente é que este é um eficaz comunicador, que faz chegar a sua mensagem a um público ávido, um público que se sente oprimido pelos elevados custos de andar para todo o lado de pópó e injustiçado pela perseguição do estado, na forma de limites de velocidade, multas e radares. Em terra de cegos, o Barbosa é rei.