quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Bike Business

Like!!

Já abriram a vossa loja de nicho? Aquela que só vende quadros de pista retro, específicos para senhora, em titânio com escoras em madeira de mogno, que está mesmo a fazer falta à ciclista urbana lisboeta? Ou o bike-café da moda, ponto de encontro no centro de Lisboa para os milhares, centenas, dúzias, hum, várias pessoas que por lá circulam de bicicleta?

Lembro-me de estar sentado na Bike Boutique, com um latte fumegante à minha frente, a trocar ideias com os donos da pequena loja do Norte de Londres. Enquanto eles falavam dos seus projectos com bicicletas clássicas e ideias de negócio para a capital britânica, eu tive que lhes explicar que em Lisboa não se passava nada semelhante. Não havia nenhum bike-boom, não havia espaço para lojas de nicho de mercado, e que o mercado das bicicletas utilitárias mal existia. Se fosse hoje não diria a mesma coisa.

LentoRápidoBicicletas

Nos últimos tempos a rebolução parece ter acelerado. Claro que os carros ainda dominam as estradas, as pessoas ainda olham de lado para um adulto vestido de roupa normal a andar de bicicleta, mas lentamente há mudanças que se tornam visíveis nas ruas da capital. E não estou a falar de ciclovias. São lojas de bicicletas focadas numa clientela utilitária, em pessoas que usam a bicicleta como meio de transporte.

O negócio das bicicletas, e refiro-me ao retalho, vinha experimentado uma fabulosa década de crescimento, senão mais, que viu o país encher-se destes estabelecimentos comerciais onde se promovia uma certa visão elitista do ciclismo, sobretudo do BTT. Ir a uma destas lojas à procura de componentes baratos ou bicicletas utilitárias era expor-se ao ridículo e à chacota mal disfarçada de proprietários e funcionários.

Estes comerciantes e o clima que se construiu à sua volta conseguiram por algum tempo impor a ideia que qualquer bicicleta abaixo de mil euros não servia para nada e iria auto destruir-se em menos de uma semana de utilização. Ou que andar dez metros de bicicleta sem estar devidamente protegido por um capacete e luvas de marca resultaria em morte imediata. O termo jocoso "bicicleta de passeio" impôs-se sobre qualquer modelo que não fosse de BTT à séria ou de estrada, as únicas modalidades tidas como legítimas, sendo que mesmo assim durante anos muita da tribo do BTT desprezava os "licras asfálticos", vistos como um anacronismo, coisa para velhos saudosos da Volta a Portugal dos anos 80.

Será Cycle Chic?
   
Hoje as coisas estão diferente, e muita gente tem vindo a arriscar, numa conjuntura incrivelmente difícil, abrir um negócio de bicicletas que visasse um público mais interessado nas questões da mobilidade urbana do que no desporto. Ainda são a minoria, mas uma minoria em crescimento, em claro contra-ciclo com outras muitas áreas da economia num Portugal falido e psicologicamente de rastros.   

No espaço de poucos anos passamos a ter por cá coisas tão impensáveis como um importador da Bromptom, bastante activo, vimos surgir marcas de bicicletas nacionais novas, lojas dedicadas aos ciclista urbano com gosto pelo requinte, sites de venda online, oficinas de restauro, empresas de estafetas, jornais e revistas.

A visibilidade conseguida nos meios de comunicação social também não para de aumentar, ainda hoje passou mais uma reportagem na RTP sobre a emergência do ciclista urbano e dos negócios sobre rodas. Este facto é importante para quem tem dinheiro investido em actividades ligadas ao pedal, e têm obrigado alguns retalhistas tradicionais do desporto-crabono a tratar decentemente a nova clientela que quer as tais "bicicletas de passeio".

O original

É difícil imaginar um tempo em que não havia um Cenas a Pedal, nem um Lisboa Bike Tour, em que os transportes públicos proibiam ou cobravam pelo transporte de bicicletas, em que não havia ciclovias nem legislação adequada para o ciclista da capital... Oops, espera lá, na verdade ciclovias só há aquelas coisas perigosas pintadas em cima do passeio, que obrigam a andar quase sempre desmontado, e as alterações ao código da estrada ainda não passaram da declaração de (boas)intenções.

Mesmo assim é possível olhar para trás e ver o caminho percorrido. Não admira que tantos entusiastas da bicicleta tenham decidido fazer da causa o seu modo de vida, o seu ganha pão. O ciclista lisboeta tem hoje escolha que começa numa Órbita dos Armazens Airaf e pode ir até uma Velorbis da Velo Culture, para dar só um exemplo. Pode ler o Jornal Pedal numa pausa do trabalho, ou escolher um dos muitos blogues que como este, dissecam a cycle scene.
 
O ciclista urbano cá do burgo pode ir ao Bicycle Film Festival esta semana, participar em discussões no Fórum das Dobráveis, tomar um café enquanto lhe montam um acessório na bicicleta no Velocité Café e encomendar via esperto-fone umas peças novas para a fixie, no Roda Gira. Pode mandar entregar rosas à amada (ou à amante) via Camisola Amarela e inscrever-se num dos muitos passeios da Federação de Cicloturismo ou do Cycle Chic.

A continuar assim, o Reichfürer Barbosa ainda se candidata é à presidência da FPCUB.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Estranhas e Exóticas Bicicletas de Viagem

O Chinês teve azar, mas chegou ao fim!

Ficaram inspirados pela história do viajante chinês com uma pancada pelo nosso Infante D. Henrique o Navegador? Aquele que fez 18.000 km até ao Cabo da Roca, tendo sido previamente aliviado da sua bicicleta em Sines? O que saiu nas notícias e teve direito a página no livro dos focinhos?

Pois é, para esse intrépido viajante, chegou uma "simples" bicicleta de montanha, mas há malta que, ou por ser muito picuinhas, ou por ter muita pressa ou por se movimentar por paragens particularmente inóspitas, aposta em material mais especializado.

Temos por exemplo a expedição para bater o recorde da volta ao mundo numa bicicleta que, com toda a carga a bordo pesa apenas 16 kg. Sim, 16 quilogramas que incluem a própria bicicleta, mais toda a roupa, ferramentas, peças, comida, tenda, saco cama, objectos de higiene pessoal, etc, etc, etc, para vários meses de vida longe dos confortos do lar. Minimalismo é pouco. Já tive uma bicicleta que pesava mais que isso sem carga nenhuma...



Este senhor teve depois um acidente grave nos Estados desUnidos das Américas, tal como o Mark Beaumont. Coisas que acontecem. Mas se acham que atravessar os estates é perigoso, e parece que sim, imaginem atravessar o Alasca ou o Ártico. Há quem não goste de trenós e prefira uma Fat Bike. Como em tudo no ciclismo, rapidamente o seu uso se aproveitou para coisas relativamente inúteis, como passear na praia:




Pois é, guarda lamas é para meninos, isto é que é uma verdadeira bicicleta de inverno:

Surly Moonlander

Podem sempre preferir viajar com outro produto ainda mais excêntrico, o famoso kit da Xtracycle, que transforma qualquer bicicleta numa bicicleta de carga, uma longtail. É claro que já houve quem pensasse que esse era o equipamento ideal para viajar, por exemplo atravessar todo o comprimento das Américas, de Norte a Sul, 34.000 km em três anos e meio, sempre fora de estrada:

Imagem: www.ridingthespine.com

Não sei se é do fim do verão, mas aventuras deste género não me saem da cabeça. Vídeos como este também não ajuda:




Todos nós sabemos que, na prática, quase qualquer bicicleta serve para viajar. E a prova disso é que já se fizeram viagens de longa distância em antiguidades, em bicicletas de cidade com 3 mudanças, em bicicletas de crabono ultimo modelo, em dobráveis, até em uniciclos. Qualquer coisa serve. Ou quase. O que se requer provavelmente será vontade e determinação.

Não acreditam? Espreitem isto:





De nada. Espero que chegue para animar a Segunda Feira, que se prevê cinzenta e com chuva. Se não chegar, cliquem aqui.

Pedalem muito e pedalem bem.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O Inverno do nosso contentamento

Frio, escuro e molhado: razões para apanhar o autocarro?

E então, quem é que ainda não apanhou uma molha este ano? Ninguém levanta o braço? Não? Pois, o tempo tem estado bom para as couves e as laranjas, mas um pouco mais complicado para o ciclista urbano. Apesar disso, ou é impressão minha ou há muito mais pessoal a pedalar pelo inverno adentro do que aquilo que é costume.

Por exemplo, esta altura do campeonato, há um ano ou dois atrás, o estacionamento da minha faculdade já estaria deserto. Só a Grande Marmota Ciclista que está no Céu saberá se é por causa da crise, ou se será para irritar o Reichfuürer Barbosa, mas aquilo este ano tem estado muito mais compostinho. Hoje por exemplo, um dia de chuva, estava assim:

Sobravam 2 lugares...

Não só vejo mais bicicletas estacionadas, como também as tenho visto a rolar. É difícil tomar o pulso à situação, não há números, mas eu vejo realmente mais ciclistas pelas ruas de Lisboa. Tenho apanhado outras pessoas de bicicleta em semáforos, coisa muito rara não há muito tempo atrás. Os encontros repetem-se, espero que se tornem mesmo rotineiros.

Ainda não estamos lá, por isso recordo quase toda a gente com quem me cruzo: uma bicicleta com pendura a circular à noite, a chegar aos Restauradores; ser ultrapassado pelo Paulo Guerra dos Santos na Av. 5 de Outubro; hoje vi mesmo vários outros ciclistas na Baixa, a enfrentar a chuva de Lisboa também com bicicletas de estrada já entradotas

Já punha uns guarda-lamas...
  
Toda a gente tem as suas estratégias para lidar com os dias de chuva. Eu tenho as minhas. Além de passar a vida a consultar o boletim meteorológico, a minha regra principal é muito simples: se estivera a cair chuva digna desse nome na hora de sair de casa, vou de transportes. Se não estiver a chover, mesmo que a previsão seja má, lá vou eu. Tenho um impermeável daqueles grandes tipo poncho, mas raramente uso, tal como as calças impermeáveis. Aquilo aquece muito e eu não vou gastar dinheiro em material mais respirável xpto. Em geral, acabo por usar só um impermeável mais levezinho, só a parte de cima, e se chover mesmo à séria quando estou a caminho, paro e espero. Tenho a vantagem de os meus compromissos serem bastante flexíveis, quero dizer, eu pelo menos acho que são... 

Não tenho guarda-lamas montados na Raleigh, e bem tenho sentido a sua falta. Já vêm uns a caminho. É uma peça vital, sem eles a bicicleta e o ciclista rapidamente ficam num estado deplorável, mesmo que não chova, basta a estrada estar molhada:

Mais coisas para eu limpar

O inverno lá se vai aproximando a passos largos, mas com alguma preparação é possível continuar a pedalar pelas ruas da velha Olisippo. Eu estou entusiasmado com o crescimento sustentado aparente do nosso ciclismo utilitário, não há semana que passe em que não abra uma nova loja, ou saia alguma coisa relevante na comunicação social sobre bicicletas, ou comprove eu próprio, empiricamente, no terreno, que eles andam aí. Mesmo à chuva.

Mmmmm, binho....


A minha não será a bicicleta mais indicada para o inverno, mas o nosso por cá nem é muito digno desse nome, e este ano vai ser mesmo à base de bicicleta de estrada jurássica. Espero ver mais dinossauros destes a rolar por Lisboa, tal como bicicletas e ciclistas de todo o tipo, mesmo quando o tempo não facilita. 

A Volta ao Mundo em 80 dias. Ou quase

Fiquei cansado só de ler

Acabo de pousar este "The Man Who Cycled the World", após 572 páginas de aventuras a movidas a pedal, através de 4 continentes, seis meses e meio e 18.296 milhas (29.446 km) de sangue, suor e lágrimas. É a narrativa de uma muito louca volta ao mundo de bicicleta, em formato de corrida, para bater um recorde do Guinness.

por aqui tinha falado desta estranha mania dos recordes de volta ao mundo de bicicleta. Concretamente, existe um recorde específico do Guinness World of Records que regista a mais rápida circum-navegação do globo em bicicleta. As regras exigem, entre outras coisas, que se pedale sempre no mesmo sentido (Este-Oeste, ou ao contrário) e que se percorram pelo menos 18.000 milhas contínuas, sendo obviamente possível atravessar os oceanos de avião.

Foto: markbeaumontonline.com

Ora o Escocês Mark Beaumont estava veio aborrecido no fim do seu percurso escolar pelo ensino superior e lançou-se nesta aventura, que já andava a magicar há algum tempo. Os Anglo-saxões parecem aliás ser os principais interessados neste recorde, já que são os seus habituais detentores. Para bater o recorde anterior de 276 dias, o Mark, que é rapaz com jeito para o networking, mobilizou amigos, colegas e professores da Universidade de Glasgow e até os media para a sua causa. Estabeleceu contactos com nutricionistas, geógrafos, fez testes de resistência, arranjou patrocínios, contactou as embaixadas do Reino Unido dos países por onde iria passar, e treinou muito. Em Agosto de 2007 fez-se à estrada em Paris, cidade onde havia de regressar 194 dias e umas horas depois, batendo o recorde por mais de dois meses. 

Para uma aventura deste calibre, o apoio logístico é fundamental. O Mark não podia parar, tinha que fazer uma média de 160 km por dia, todos os dias. A bicicleta não podia falhar, não podia haver atrasos nas fronteiras, não podia desviar-se do percurso. Desde a Escócia, a mãe do Mark organizava o "Base Camp", fazendo o trabalho de bastidores para que ele se pudesse concentrar apenas, tanto quanto possível, em pedalar. Apesar de não perceber nada de computadores até aquele momento, a senhora geriu o site da expedição e realizou todos os contactos necessários para manter as rodas da Koga World Traveller do Mark sempre a rolar.

A chegada. Foto: markbeaumontonline.com

Problemas houve alguns, muitos furos, vários acidentes, um assalto, falta de comida, falta de água, condutores que não querem partilhar a estrada, coisas que acontecem a quem pedala quase trinta mil quilómetros de uma assentada. A narrativa é viva e interessante, embora o Mark, que escreveu o livro sem ajudas, não seja propriamente um homem com veia literária. Também não tem muito jeito para a fotografia e não deixo de pensar que há histórias muito mais tocantes, disponíveis de borla, em sites como o crazyguynonabike. Mas embora não seja um artista, nem um daqueles viajantes intrépidos que parece que saem sempre airosos de qualquer situação, o Mark traz uma componente realista para este tipo de coisa. Ele é um escocês teimoso, um pouco frio, rabugento e algo desconfiado. Um rapaz de apenas 24 anos, tão obstinado com o seu projecto que rejeita os avanços de uma bela bióloga marinha que conhece na Austrália, para não se distrair do seu objectivo.

Curiosa a passagem do Mark por Lisboa, a 4 de Fevereiro 2008. Como não podia deixar de ser, andou perdido a tentar evitar as milhentas vias rápidas da capital, onde os ciclistas não podem andar, e quase se meteu na Ponte Vasco da Gama. Tanto quanto consegui perceber acabou por fazer o caminho pela nacional até Vila Franca, onde aí sim atravessou o Tejo, a rota tradicional dos ciclo-turistas estrangeiros.

Esta viagem deu um documentário da BBC, que podem facilmente encontrar completo no YouTubi. O Mark parece ter-se dedicado posteriormente a vários outros projectos aventureiros, nem todos ligados ao ciclismo, e tem um site interessante sobre as suas proezas. Como diriam os americanos, it's a living. Curiosamente, neste espaço de 4 anos, o seu recorde já foi batido mais que uma vez, estando agora nuns absolutamente inacreditáveis 91 dias. Sim, leram bem, menos de metade do tempo do Mark, o que implica uma média diária de mais de 200 km.

Dessa aventura ainda não há livro nem documentário, mas se olharem para a bicicleta do Mike Hall, o actual detentor do recorde, ficam a perceber que agora a coisa é mesmo uma corrida:

Imagem: Road.CC

O Mark fez a viagem numa bicicleta de Touring tradicional, carregado com 4 "panniers", arrastando em qualquer altura mais de 30 kg de equipamento. Já o Mike Hall utilizou uma bicicleta de Cyclocross, em crabono, com travões de disco e pouquíssima carga. Isto agora já começa a parecer o Tour, e não sei se isso é boa ideia.  

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Na pedaleira grande com a chave do EuroTostões

Números. São frios, são insensíveis, mas não mentem. Gostam de números? Então tomem lá uns quantos, assim de repente: 20, 52, 6, 7 e 50. Parece a chave do EuroTostões ou do Totolouco, mas não é. Ou talvez seja. Se ganharem alguma coisa depois partilhem, combinado?

Não se preocupem, tenho a vacina do Tétano em dia

20 é a média que ando a fazer em Lisboa, nos dias que correm. Se deixar o ciclo-computador-coiso a contar, dia após dia, a média vai sempre bater aos 20km/h. É certinho. Isso inclui as alturas em que empurro a bicicleta na estação do comboio ou no passeio. Não sei se é boa ou se é má mérdia para os percursos que faço, mas eu gosto. É mais de 5 km/h acima da média de um autocarro da Carris, por isso muito má não será, tendo em conta que eu não sou especialmente novo, especialmente hábil nem estou especialmente em forma.

52 são os dentes que tem a minha pedaleira grande. Coisa normal para o período e bicla em causa. Em Londres quase nunca usava esta pedaleira, o que não deixa de ser engraçado, porque a cidade é bastante plana. Já nas colinas de Lisboa, passo a vida no prato grande. Ou é um grande fenómeno do entroncamento (ou do Cais do Sodré) ou uma questão de adaptação. Seja o que for, o prato grande é fixe. 

6 ciclistas que vi hoje, na rua. O que é um valor bastante acima da média: dois guerreiros do BTT perto de casa, dois ciclistas na Av. da Liberdade, alguém a atravessar a passadeira com uma bicicleta pela mão na Av. António Augusto de Aguiar e um tipo numa bicicleta de estrada na praça do Comercio, já de noite. Não estou a contar com os ciclistas da minha faculdade, que nos dias que correm conta com um robusto número de bicicletas estacionadas em qualquer altura do dia. Tipo entre uma dúzia e duas dúzias. À dúzia é melhor.


Tirado do Guardian

7 são os títulos do Tour que a UCI retirou em definitivo à celebridade caída em desgraça mais badalada das últimas décadas. Sim, o pesadelo do Texano Lance Armstrong parece não ter fim, agora fala-se em processos judiciais para força-lo a devolver dinheiro de prémios ganhos através de provas das quais ele oficialmente já não é o vencedor. A UCI aceitou o relatório da agência americana anti-doping, mas parece não estar demasiado preocupada com as conclusões de que a imensa maioria do pelotão internacional tomava coisas pouco saudáveis e que provavelmente todas as grandes provas das últimas décadas têm resultados oficiais pouco fiáveis. Ninguém se demitiu, ninguém assumiu responsabilidades. Tive que ir ver se a sede da UCI era por acaso em Portugal. Não é. 



Eu sei que os ciclistas são mais fiscalizados que ninguém. Sei que provavelmente todos os competidores de topo andavam (andam?) em esquemas destes, mais ou menos sofisticados. Sei que o Armstrong provavelmente era mesmo o melhor de uma geração, com ou sem EPO e hormona do Crescimento e transfusões de sangue. E sei que o público adora ver uma celebridade cair em desgraça, como se de uma novela se tratasse. Mesmo assim, como diria o Baby Herman: the whole thing stinks like yesterday's diapers.  

50. Ou 50 mil visualizações de páginas neste extravagante e absolutamente inútil pedaço do ciberespaço, desde a sua fundação, no verão quente de 2010. Sim, mais de 50.000. Estou desconfiado que boa parte dessas visualizações serão refresh's de página accionados por mim próprio, mas não deixo de ficar satisfeito. Durante o PREC todos os momentos para encontrar a felicidade são poucos. 

E com essa ideia, fiquem com esta imagem do homem que dirige os destinos da uma das mais ricas cidades do mundo, segundo alguns a caminho de ser líder dos destinos de uma nação com armas nucleares e lugar cativo no conselho de segurança da ONU. Eu sei que é um político, mas por isso mesmo é impossível olhar para o Boris e não voltar a ter esperança na espécie humana e simplesmente sorrir.   



Pedalem muito, e pedalem bem.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Que trata de novas variadas e considerações velocipédicas aleatórias

Coisas mais importantes primeiro: fui ver o Premium Rush, Encomenda Armadilhada no Português de Portugal. Gostei. Não é grande coisa como produto da 7ª arte, mas, para filme americano sobre uma das mais esterotipadas sub-culturas urbanas, não está mal. Se os personagens estão mal definidos, o enredo não faz sentido e acção é exagero atrás de exagero? Sim, sim e... hum... sim! Mas isso não vem ao caso. É um filme de biclas e uma hora e meia bem passada.

Alguém interessado na temática facilmente descobrirá que esta não a primeira incursão cinematográfica norte-americana ao reino dos bike-messengers de Nova Iorque. Consta que o Kevin Bacon protagonizou nos anos oitenta uma fita semelhante. Tipo isto:



 
Diz que a bicla do Kevin era uma Raleigh. É uma película com nível portanto, vê-se logo. Pena é a cotação sub-6 no IMDB. Gostos... Há também malta com interesse em rodas mais pequenas, para os quais gostava de recordar este filme que mete rodas de 20 polegadas e muito saltos. Pode ser apreciada em toda a sua glória no YouTubi, mas algo longe de HD:




É razoável pensar que este interesse pela bicicleta por parte da indústria de vender pipocas tem a ver com a visibilidade do fenómeno de ressurgimento da bicicleta nos países ocidentais. Nova Iorque tem umas controversas ciclovias há muito pouco tempo. E nesse pouco tempo até séries de televisão apareceram. Em Lisboa, lojas alternativas para o ciclista urbano, um mito até há poucos anos, têm aparecido um pouco por todo o lado. Este é só mais um lado da "revolução".

Entretanto, do outro lado do frio canal da Mancha, um ministro do governo de sua majestade demitiu-se após um escândalo que basicamente tinha a ver com o facto de ele ter sido arrogante com os polícias que guardam o nº10 de Downing Street.

Eis a página de um jornal online que dá conta da notícia:

Yep, aquele é o ministro

É engraçado porque os nossos ministros não só não se demitem por serem arrogantes com subalternos, como acho que isso até faz parte do descritivo da função por cá: sou ministro, logo posso tratar mal as pessoas. Até qualquer funcionário público no principio da cadeia alimentar da República parece viver por esta máxima. E mesmo que o país esteja falido e o ministro esteja enterrado até ao pescoço em "casos", escândalos e fraudes, o pópó tem que ser à grande. Bicicletas é para crianças!

"Não há problema, o povo é sereno"

Se ninguém se indigna com o AMG do Sr. Relvas será porque boa parte dos portugueses também consideram que a única forma de locomoção legítima envolve uma berlina alemã. Então agora que começou a chover, o trânsito da capital ficou muito mais complicado, evidentemente porque o clima extremamente agreste do vale do Tejo obriga a cuidados redobrados. Enfim, não podemos viver todos numa qualquer miserável república das bananas solarenga, onde o primeiro ministro sai assim da sua residência oficial:

Visto em bicycledutch.wordpress.com

Diferenças interessantes entre um ministro de um país falido e um primeiro ministro de um dos países que nos empresta dinheiro. "É cultural, os holandeses lá gostam de bicicletes, mas nós cá é diferente", diz logo um grunho do fundo da sala. Pois é cultural sim senhor. Mas bater na mulher e cuspir para o chão também. E o "desenrrascanço", o chegar tarde e a mania das velocidades. Até quando? 

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Rotunda do Marquês: o PREC continua, pelo menos até ao 25 de Novembro

É o que parece pensar o ACP, que fez recentemente uma avaliação das consequências das obras no Marquês e na Avenida da Liberdade, passados que estão 30 dias desde o início deste "experimentalismo radical" da Câmara de Lisboa.

Já lá vai um mês

Poupo-vos os detalhes, mas conclui o ACP que basicamente tudo é mau. Principalmente porque parece que se leva agora mais tempo a atravessar aquela zona de carro particular. Não sou grande fã das alterações, mas pelo menos estas parecem-se enquadrar numa lógica em implementação desde há muitos anos nos países do resto da Europa, que é restringir o acesso automóvel aos centros urbanos. Restringir é aqui a palavra chave! As obras não foram feitas para atrair mais carros para o centro de Lisboa, foram feitas para os afastar. Ou seja, nada foi feito para facilitar, foi mesmo para dificultar! Logo, se há maior demora no trânsito, então é sinal que os objectivos gerais estão a ser cumpridos. Quanto menos facilidades para o pópó, menos interesse em utiliza-lo.

Será para manter?

É claro que o ACP está habituado a um tratamento muito diferente para sua excelência o automóvel, e este conceito de que "menos carros é bom" é coisa absolutamente incompreensível para os seus dirigentes. O clube agarra-se então a expressões como"experimentalismo" e "radicalismo" para qualificar as alterações, já para não falar na já clássica frase dos "pobres automobilistas forçados a passar naquela zona". Mas quem é que obriga essas pobres alminhas a pegar no enlatado? Toda a ideia é não circular de carro naquela zona. Há uma coisa muito engraçada chamada "metro" que está lá desde os anos 50 e outra ainda mais antiga chamada "autocarro". Se quiserem insistir no transporte individual, acho muito bem, vão de bicicleta e até podem parar de reclamar dos senhores da Galp.

Estes "experimentalismos radicais" são na verdade a norma nas cidades dos países europeus por cujo nível de vida costumamos suspirar. Em Londres, uma cidade que nem é exemplo em termos de mobilidade sustentável, as maiores avenidas tem em geral a configuração que a Av. da Liberdade agora apresenta: duas faixas para cada lado apenas, uma delas sempre BUS. Com a diferença que praticamente não existe por lá estacionamento público, coisa que ainda persiste na Av. da Liberdade e por todo o centro de Lisboa. Mas o Zé-Tuga não consegue largar o carro por cinco minutos que seja, e o mundo inteiro é que tem se acomodar a esta realidade, ao contrário é que não pode ser nada. É uma chatice.

Uma autentica lêndea viva do automobilismo português

O Querido Líder do ACP, democraticamente reeleito em 2011, uma manobra que até se compreende à luz do êxito de outro grande cacique, aquele da Madeira, continua a viver noutra era e a verbalizar ideias populistas que agradam aos menos esclarecidos, enquanto ele cavalga a onda mediática e se posiciona para outros voos. Seja no desporto ou na política, o ReichFürer Barbosa vai a todas, porque está mais que visto que isto é um visionário que nasceu para liderar as massas. Aparentemente também nasceu para coleccionar relógios e depois ficar sem eles, mas isso é outra história.

Este esquema é demasiado complexo para o automobilista médio

A importância das obras do Rotunda reside no facto delas serem justamente temporárias. Tal como na remodelação da Baixa, está por demonstrar que a CML tenha a força suficiente para implementar de forma definitiva as restrições ao tráfego automóvel. Se conseguir, é pelo menos um passo na direcção certa, com décadas de atraso, mas mais vale tarde que nunca. Se falhar, será mais uma vitória do ACP contra o "PREC urbano" em curso e o regresso à Idade Média Rodoviária em que vivem Barbosas e companhia, com prováveis implicações sérias também para o futuro da mobilidade ciclável da capital.

Não percam os próximos capítulos.              

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Tudo o que se pode fazer com uma bicicleta de estrada e eu não fazia ideia




As 2 milhões de visualizações em dois ou três dias são um bom indicador (neste caso) da qualidade do vídeo. Esta brincadeira é da responsabilidade de um senhor chamado Martyn Ashton, uma estrela do Trial britânico, do calibre de um Danny MacAskill. E não é a primeira vez que ele se dedica às bicicletas de estrada, há um outro vídeo mais antigo em que uma Raleigh em carbono é usada e abusada, em vez da actual Pinarello.

Um pequeno pormenor, essa bicicleta utilizada é supostamente um modelo da Team Sky, os vencedores do Tour deste ano. As únicas diferenças parecem ser um avanço mais elevado e talvez uns pneus ligeiramente mais largos. Com um preço aproximado de 13.000 euros, fico satisfeito de saber que ela aguenta este tratamento. Aparentemente.      

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O fim do mundo em cuecas


Lance Armstrong a centrar as atenções dos media, pelos piores motivos

Ou pelo menos em Licra.

Esta questão do Armstrong tem barbas (longas e já brancas), mas o caso está agora a ser difundido, forte e feio, pelos media a nível mundial. Depois de uma longa batalha jurídica, Armstrong decidiu que não iria continuar a enfrentar as contínuas acusações, o que foi prontamente tomado como uma admissão de culpa.

As consequências são várias, cada uma mais gravosa que a anterior: a perda dos títulos do Tour, todos os sete, uma enorme machadada na sua reputação e os ganhos de patrocínios que ela gerava, e a desilusão para milhões de pessoas que encontraram inspiração na história de vida de Lance.

Sim, essa é a verdadeira tragédia. O ciclismo-desporto não me interessa assim tanto, muito menos certamente que ao Zé-Manel-Taxista lhe interessa ver a bola. Mas a história do americano que sobreviveu a um cancro incurável para regressar mais forte que nunca ao seu desporto de eleição, de caminho batendo todos os rivais e todos os recordes, é mais que um fenómeno do ciclismo de estrada. É uma fábula moderna, que transmitiu animo e esperança a milhões de pessoas em todo o mundo que enfrentavam circunstâncias difíceis. O Armstrong é provavelmente também responsável por ter dado um grande empurrão ao ciclismo, sobretudo nos Estados Unidos. O seu legado é enorme, mas jaz agora em ruínas. Ele não admite culpas, mas após anos de suspeitas e acusações o jogo parece ter chegado ao fim. A agência anti-doping americana acusa o campeão Texano de ter tomado drogas ilegais entre 1998 e 2005, e de ter organizado um esquema complexo para estar sempre um passo à frente das autoridades e silenciar todos os que ousassem denunciá-lo.

Armstrong contrapõe que nunca falhou um teste, e fez centenas ao longo dos anos, que o chefe da USADA lhe moveu uma perseguição pessoal tipo caça às bruxas e que as provas são na melhor das hipóteses circunstanciais e as testemunhas pouco credíveis. Acontece que algumas dessas testemunhas são agora os seus ex-companheiros de equipa, os seus melhores amigos e aliados, como o George Hincapie e o Tyler Hamilton. É o Game Over para o Texano, um fim triste para uma carreira incomparável.

Um amigo forneceu-me o relatório da USADA que acaba de sair hoje, numa noite de insónia podem consultar as suas 202 páginas aqui. Se preferirem vejam este trabalho do 60 minutes sobre o caso, com as declarações do Hamilton:




Tudo isto não seria tão difícil de digerir se não tivéssemos todos suspeitas de que esta performance impressionante do Lance Armstrong não pudesse ser fruto de uns pozinhos mágicos. A modalidade está infelizmente marcada por intermináveis casos de dopping, a tal ponto que se entregarem os títulos do Texano ao 2º classificado do Tour nos 7 anos que ele ganhou, em alguns casos vão entregar o título a um confesso utilizador de drogas ilegais. Pessoalmente penso que a maioria dos ciclistas competitivos dos anos oitenta e noventa, e talvez até aos dias de hoje, não eram nem muito saudavelzinhos nem muito sinceros.

Se lerem um livrinho que aqui recomendei recentemente, o incomparável Wide eyed and legless, ficam com a ideia que já em 1987 o dopping era não só comum como tolerado no Tour. Era visto como só mais uma forma de ser competitivo. O Armstrong e o seu entorno podem ter levado esta permissividade até às últimas consequências.

José Azevedo em 2009, já retirado

Alguém que não é mencionado no processo mas que até poderia trazer alguma luz para o assunto, embora eu duvide muito que o faça, é o "nosso" infatigável José Azevedo, durante vários anos companheiro de equipa do famoso Texano e grande contribuinte para o seu sucesso.

Resta esperar que este caso traumático para o desporto e para os fãs traga atrás de si um nova era de campeões limpos, que não sacrifiquem tudo pela glória efémera e um punhado de dólares. O ciclismo é um desporto impiedoso e brutal, já chegam os dramas da estrada, todos estes escândalos e tragédias eram perfeitamente desnecessários. O mundo já fornece questões em abundância para nos deprimirmos, o ciclismo era suposto ter justamente o efeito contrário.     

domingo, 7 de outubro de 2012

Encomenda Armadilhada




Mete bicicletas, não pode ser mau de todo. Afinal, quantas vezes podemos ver apresentada no grande ecrã uma história em que o enredo gira tão fortemente em torno do tema velocipédico, mesmo que seja em versão hollywoodesca? Vejam a crítica e confiram a cotação no IMDB.

A vida na faixa BUS

Circular ou não circular, eis a questão

Olá! Como têm estado? O que têm andado a fazer? Pedalar em cima do passeio, na contra-mão ou em passadeiras, sempre sem capacete? Eu também não. Mas se circularam em Lisboa durante a última semana pode ser que tenham reparado numa coisa chamada "greve".

Sim, o PREC do Séc. XXI continua em curso, e os funcionários das empresas de transportes públicos aparecem para trabalhar basicamente quando lhes apetece. Por causa disso, esta semana que passou fui obrigado a fazer todo o percurso de casa para Lisboa de bicicleta, já que as habituais toneladas de sucata graffitada sobre rodas que a CP carinhosamente chama de "Serviços Urbanos" não estavam disponíveis.

Por enquanto só na Av. da Liberdade

Mais habituado à bicicleta de estrada, e sem alternativas ao ciclismo veicular, reparei que passo algum tempo nas faixas destinadas aos transportes públicos da capital, BUS para os amigos. Embora por artes de magia negra a CML tenha tirado um coelho vesgo da cartola na Avenida da Liberdade, no resto da cidade e do país, oficialmente, os corredores destinados aos transportes públicos continuam interditos aos ciclistas.

Uso ilegal mas legítimo?

Isso não muda o facto de por vezes a faixa "BUS" ser a maneira mais segura de circular numa rua, por estar normalmente mais à direita e ter menos tráfego. Circular na faixa do meio numa avenida de três faixas com trânsito rápido, só porque a faixa da direita é BUS e não podemos legalmente lá estar, parece-me uma patetice especialmente perigosa. E eu não faço patetices. Tolices e disparates talvez, mas isso é uma matéria inteiramente diferente.

Divago. Dizia eu que é mais seguro e por vezes inevitável circular nas faixas BUS, coisa que de resto fiz legalmente e sem problemas durante meses na velha Londres. Imaginem as razias tipo-depilação-das-pernas-por-Fogareirus-Raivosum-em-Mercedes-190D feita à esquerda e à direita ao mesmo tempo. É o que acontece ao circular a, digamos, 25 km/h, na faixa do meio de uma avenida e a ser ultrapassados por paquidermes com exosqueleto metálico ao dobro da velocidade, de ambos os lados ao mesmo tempo. Not good.

Mesmo quando só existem duas faixas, os senhores automobilistas ofendem-se se ocuparmos a da esquerda por virtude da direita ser BUS. É que toda a gente sabe que a faixa da esquerda é para ultrapassar(!!!) e a bicicleta não tem estatuto social para fazer ultrapassagens. Embora isso seja um disparate, não deixa de reflectir a forma de pensar dominante nas nossas ruas. A prudência e os preços das consultas de ortopedia recomendam que circulemos à direita, independentemente de lá haver uma faixa BUS.

Nem sempre há largura para a bicicleta e o autocarro

Coloca-se depois o problema real de estarmos a atrasar os autocarros, eléctricos e táxis e normalmente quem é sensível à temática da mobilidade em bicicleta também compreende o importantíssimo papel dos transportes públicos. Além de que não convêm irritar os senhores motoristas profissionais da Carris, Vimeca ou outros, porque nunca se sabe como poderão reagir. (Dos Fogareirus Raivosum já nem falo). E esse é um problema aparentemente insolúvel, pelo menos por enquanto. Resta o alívio de saber de experiência pessoal que é raro ser ultrapassado por um autocarro em Lisboa, pela razão fundamental que a sua velocidade média real é ligeiramente inferior à minha. Cerca de 14,5 km/h é um pouco abaixo da minha própria média, que anda mais à volta dos 18 km/h.

Depois da "experiência" da Avenida da Liberdade, talvez a Câmara de Lisboa não veja entraves legais nem práticos a alargar o acesso dos ciclistas aos corredores BUS para toda a cidade, mesmo que isso implicasse criar mais faixas BUS. Eu voto nisso, sempre é melhor que tapetes vermelhos em cima do passeio.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Cycle Chic, Cycle Chunga

Eu sabia que esta foto ainda seria útil!

No mundo do pedal, participo nisto e naquilo, mas o que faço basicamente é escrever este blogue e usar a bicicleta como meio de transporte. Não conheço ninguém. Não tenho paciência para as intermináveis discussões sobre mobilidade sustentável em que muitos se julgam peritos. A minha falta de jeito para o networking é aliás lendária. A minha maior contribuição para a causa é o meu espírito crítico, no melhor sentido do termo. E se por um lado não estou à espera de prémios da FPCUB, ou coisa do género, por outro sinto-me à vontade para falar de assuntos que, estranhamente para mim, outros deixam na gaveta.

Ora sem ir mais longe, quando me inscrevi me inscreveram no último passeio Cycle Chic não fazia ideia que estava a aderir também a uma espécie de iniciativa anti-capacete. Dando uma olhada nas fotos colocadas no site reparei que nem eu, nem nenhum dos meus amigos lá constávamos. Nada de mais, afinal éramos muitos, e eu certamente não serei nem Chic nem fotogénico para ficar na escolha final de imagens. Mas olhando para as outras fotos publicadas no site, rapidamente se tornou aparente uma discriminação em relação a quem usa capacete, que nunca surge representado. E eu garanto-vos que havia muita gente de capacete no passeio de Sábado:

Eles existem!!

Talvez no conceito de Cycle Chic esteja incluída a proibição do uso do capacete. Eu pensava que tinha mais a ver com usar roupa normal e andar devagar, mas reconheço que não sei muito do assunto. É claro que o autor do site tem todo o direito de escolher as imagens que melhor representem a mensagem que quer passar, mas mesmo assim há aqui qualquer coisa que me deixa desconfortável.

Como o mundo do ciclismo está cheio de sabichões, eu desde já esclareço que sou contra a obrigatoriedade do uso do capacete e que, pasme-se, até estou ao corrente dos principais argumentos sobre esta temática. Mas uma coisa é ser contra algo que estrangula o desenvolvimento do ciclismo utilitário e que felizmente não faz parte da atrofiada legislação portuguesa que cobre as questões dos velocípedes, outra é viver num mundo de fadas e duendes, onde todos podemos circular em bicicletas single speed e de vestido florido ou fatinho de verão e chapéu colorido pelas ruas de Lisboa.

Essa realidade eu não a vejo no dia a dia em Lisboa, onde até há umas colinas, onde até há uns carris de eléctrico, onde há piso em péssimo estado e onde os taxistas e os outros paquidermes motorizados enlouquecidos me tentam matar a cada 20 metros. Aqui, o capacete pode ser muito pouco, mas é melhor do que nada. Em outros locais, em distâncias curtas ou no estrangeiro, eu circulo sem capacete sem qualquer hesitação. Mas em Lisboa? Em Lisboa preciso dele, thank you very much. E raparigas em single speed e vestido de verão? Infelizmente ainda estou para ver alguma nas ruas da capital, sem ser na massa crítica. Será que a tribo do Cycle Chic só circula encima do passeio ou só pega na bicicleta para participar nestes eventos? Não sei.

Not Chic enough

O que eu sei é que sou definitivamente Cycle-Chuga. Ando de capacete. E de luvas. E por vezes até uso algum tipo de reflector na roupa. Não levo a bazuka porque ainda não arranjei nenhuma. Mas é que Lisboa não é Amesterdão. Não temos vias segregadas e bem implementadas. Não temos legislação que nos valha. Ninguém nos respeita. Um ciclista em Lisboa ainda é uma anomalia, ignorado pela câmara e desprezado pelo código e pelos utentes da estrada. Isso é que importa mudar. O esforço do movimento Cycle Chic penso que também seja nesse sentido. Mas por vezes fico com a ideia que eles pedalam noutra cidade diferente da minha.

Música na minha cabeça

Chamem-lhe Jukebox

A cidade é o caos.

Circular em Lisboa é percorrer uma espécie de percurso de obstáculos, uns conhecidos, outros sempre novos e literalmente surpreendentes. O caminho exige concentração e um certo esforço. Desde que tenho a Raleigh que circulo também mais depressa, e ao fazê-lo procuro evitar os perigos da urbe, os carris de eléctrico, os peões distraídos, os taxistas enraivecidos e os outros mamutes metálicos tresmalhados.

Apesar de ir muito atento, sempre sem conceder facilidades à fortuna e ao acaso, por vezes uma coisa estranha acontece. Os movimentos tornam-se muito fluidos, instintivos mesmo, e tudo parece ficar sobre controle. Como se de outro estágio de consciência se tratasse, de repente sou capaz de escutar coisas como o som da corrente a passar nos carretos, ou sentir a quantidade exacta de atrito que os pneus estão a gerar. Normalmente por esta altura surge também um som na minha cabeça, uma música que toma conta dos meandros do meu cérebro, sem ter sido convidada. Normalmente não é algo que eu costume escutar, mas simplesmente uma música que eu já ouvi alguma vez, nalgum lado.

E assim dou por mim a escutar Heroes, do David Bowie, ao subir a Avenida da Liberdade, tão bem como se tivesse uns oscultadores colocados (que nunca uso). A culpa provavelmente é da cerimónia de abertura dos Jogos Parolimpicos em Londres. Acho incrível como sou capaz de me lembrar da letra de uma melodia que não ouviu assim tantas vezes.

Outras vezes, em alturas de maiores velocidades e perigos, sou inundado com um som do Moby, Extreme Ways provavelmente tirado da banda sonora da saga Bourne, de que sou fã. Em alternativa e nas mesmas circunstâncias acontece-me também ter Rolling Stones na cabeça, concretamente o Gimme Shelter que toca, invisível e inaudível, a altos berros dentro do meu cérebro. É uma canção usada em inúmeros filmes de guerra, por isso não estranho que o meu subconsciente a vá buscar quando estou no meio do trânsito.

Mais estranho é uma melodia que me costuma acompanhar em momentos de cansaço e esforço especialmente difíceis, como circular numa estrada nacional sem berma, de noite. É algo que devo ter apanhado nalguma discoteca há muitos muitos anos e que tive que ir pesquisar para ver o que era:



Este "One More Time" costuma traduzir-se em "mais uma pedalada" e mais de uma vez este som me ajudou a concluir uma viagem e a chegar a casa. Será caso para procurar o terapeuta?

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

A Guerra

Atenção: Sua excelência o enlatado!

Depois dos incidentes da Massa Crítica do Porto, parece que as queixas sobre os STCP não são de agora. Como está bem de ver neste testemunho (via Um pé no Porto e outro no Pedal), a coisa pode ser mais grave do que "apenas" um motorista que se recusou a esperar pela passagem da caravana da massa crítica de Sexta Feira. Nos STCP pode bem existir uma cultura de abuso em relação aos utentes mais vulneráveis da via pública, uma coisa que, em Portugal, não pode propriamente surpreender ninguém.

É que não são só as infraestruturas que escasseiam para podermos circular em segurança, as mentalidades levarão muito mais tempo a mudar do que o nosso espaço físico urbano. As pessoas têm tendência a esquecer, mas a ignorância é a norma na sociedade portuguesa. Reparem, se tiverem o 12º ano, então parabéns, pertencem a uma minoria de cerca de 17% da população adulta. A mesma população em que 10% não detém qualquer diploma de ensino e em que uma maioria de 59,2% contenta-se com o ensino básico ou nem isso. É com esta malta que nos cruzamos na estrada.

É claro que ser detentor de um determinado título de ensino não é um indicador fiável de comportamento na via pública, mas existem outros dados sobre o país de que todos dispomos e que ajudam a compor o quadro:


  • Portugal é uma sociedade patriarcal e paternalista, fortemente hierárquica. Não se questiona a autoridade. É a terra do "Patrão" e do "Doutor". Ambos fazem o que lhes apetece e tratam os subordinados como lhes apetece. Ora se o Doutor e o Patrão andam de carro, o ciclista só pode ser um subordinado, portanto a expectativa é que ele se encolha e saia da frente. Existe uma clara hierarquia social nos meios de transporte, e o ciclista está abaixo de tudo e de todos. Isto pode parecer para lá de simplista, mas acreditem que é assim que muita gente vê o mundo e age em conformidade.

  • Portugal é também um país machista, onde a violência sobre as mulheres ainda é algo vulgar. Se acham que isso não tem nada a ver com bicicletas, pensem de novo. A violência de género é "apenas" uma reacção do homem que cresceu dentro de uma certa cultura, em que os pressupostos incluíam que ele tinha uma série de direitos sobre a companheira, "a minha mulher", inclusive de a agredir se a sua honra se sentir beliscada. Muitos condutores vêem de maneira semelhante o seu "direito" de acelerar pela via pública e podem ser extremamente violentos se considerarem que o ciclista os está a impedir, deliberadamente ou não, de exercer esse direito. Esperar atrás de um ciclista numa rua apertada pode originar todo o tipo de comportamentos agressivos.

  • A legislação portuguesa reflecte o tipo de sociedade que temos, nesse sentido é democrática: favorece os mais fortes. Se o código da estrada já é aberrante, não há mais nada que proteja o ciclista. Experimentem ir apresentar queixa à PSP por causa de um automobilista que vos tentou atirar ao chão propositadamente. Se estiverem feridos eles ainda fazem alguma coisa, mas se foi "só" uma ameaça e um susto eles ficam com cara de caso a olhar para nós, como se estivéssemos a descrever algo muito estranho. É que na práctica não há nada de ilegal em ameaçar um ciclista e em usar um veículo como uma arma. Como noutras áreas, reina a absoluta impunidade.

Acrescentem a actual crise económica brutal, os 16% de desempregados oficiais, e a depressão crónica em que o país entrou. Juntem o facto de haver cada vez mais ciclistas a circular nas ruas das nossas cidades, e é quase natural que os incidentes deste tipo se repitam no nosso caldeirão social. Eu próprio, desde que voltei, já senti na pele todo o tipo de problemas que nunca presenciei em Londres. Desde razias e apertões propositados, taxistas que me tentaram atropelar, automobilistas que aceleram o carro atrás de mim no semáforo indicando que me passam a ferro se eu não sair da frente, um fartote. É gente que tem a cultura que tem, e essa não vai mudar tão cedo.

Danny MacAskill, outra vez

Depois do vídeo original, visto por 31 milhões de pessoas, depois das imagens de Londres, da Escócia, da África do Sul, entre outras, desta vez a lenda do Trial viaja até São Francisco, onde continua a fazer das suas. A qualidade das imagens mantém-se soberba:


Se alguém quiser ver, o Danny também esteve envolvido no torch relay, a viagem da tocha olímpica pelo Reino Unido, antes dos Jogos deste verão. É claro que o moço fez as coisas à maneira dele.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Massa Crítica e Cycle Chic em menos de 24h

Pedaladas Chic na Marginal

Contorno o último Fogareirus Raivosum e coloco-me na frente do semáforo. "O tempo está a ficar feio", constato enquanto espero pelo verde. Não há muito a fazer, além de, talvez, rezar à Grande Marmota que está no Céu para que o dilúvio tenha a decência de aguardar que eu chegue ao destino. Sou contido nas preces, não por falta de fé nos poderes da Grande Marmota, mas por preguiça e por ter consultado o WindGuru horas antes. O WindGuru dizia que não chovia em Lisboa. O WindGuru nunca falha!

Enquanto o meu cérebro se ocupava destas coisas, os meus sentidos iam detectando um fenómeno insólito. Naquele semáforo lisboeta tinha surgido outro ciclista! Isto é coisa que nunca me acontece. "É a Revolução! Rejubilemos!" Pensei para com os meus botões. Mas as surpresas ainda não tinham acabado, antes do semáforo dos Restauradores ficar verde, estavam lá quatro bicicletas.

Perante este cenário absolutamente inédito, avancei pela Avenida da Liberdade a sentir-me como se estivesse em Londres, ou seja, quase como um utilizador da via pública de pleno direito. Graças às capacidades da Raleigh, rapidamente deixei os ciclistas para trás e voltei à minha rotina solitária avenida acima. Havia de durar pouco. Dali a uns metros começou a chover com tal intensidade que tive que sair da estrada e refugiar-me numa arcada. Ali estavam também várias pessoas incluindo, pasme-se, outro ciclista!

Depois de ter conseguido digerir o facto do WindGuru se ter enganado,  voltei a minha atenção para o ciclista à minha frente. A bicicleta que trazia era uma utilitária de quadro preto, de cubo de mudanças, tipo uma roadster de 3 velocidades ou uma bicicleta holandesa. O tipo de coisa que não se vê por cá todos os dias. Olhando para a Avenida, vi como vários outros ciclistas se aventuravam em direcção ao Marquês, agora que a chuva tinha abrandado. Comecei a pensar que alguma coisa me estava certamente a escapar e quando ao tipo da Roadster se lhe juntou um Portuguese-Hipster numa fixie de guiador de pista cromado, só me ocorreu uma coisa: é dia de massa crítica!!!

E era. Sem tempo para ter que lidar com o dilema junto-me-a-eles-ou-é-melhor-não, assim que a chuva parou arranquei para a faculdade, tentando evitar as enormes poças de água e curvando com suavidade de um carteirista, para não ter surpresas no piso escorregadio. Infelizmente os meus cuidados não evitaram que chegasse todo molhado, já que sem guarda-lamas o spray da estrada era mais que suficiente para tratar disso.

Depois de um dia de rabo molhado, uns amigos convenceram-me a alinhar no passeio de rabo bem apresentado na manhã seguinte. Sim, era mais um evento Cycle Chic, este a terminar no Greenfest, no Casino Estoril. Talvez sobre o efeito da cafeína, eu alinhei, apesar de ser contra a minha religião, e uma grande ofensa para a Grande Marmota que está no Céu, sair da cama às oito da manhã num Sábado.

CCB, local da Partida

Mas sair da cama foi o que fiz e fiz muito bem. Foi uma manhã muito bem passada, mais pela companhia de bons amigos do que pelo evento em si, já que a minha total ausência de Social Skills limitou o contacto com a tribo do Chic. Mas registei algumas coisas dignas de nota:

  • A presença de uma conhecida marca de enlatados a promover bicicletas eléctricas (de design brilhante, devo dizer).
  • O visual cuidado de alguns, mas também havia um ou outro Fred assumido lá pelo meio.
  • A diversidade de bicicletas utilitárias (e não tão utilitárias). Havia cruisers, longtails, híbridas de grande qualidade, Bromptons, Dahons e todo o tipo de dobráveis, Globe's, atrelados, etc.
  • A diversidade de ciclistas. A começar pela idade, que começava certamente perto dos 5 anos.
  • O número de acidentes e incidentes.

Local da chegada
 
Não tem nada a ver com o Cycle Chic, qualquer passeio deste tipo implica mais riscos do que circular sozinho, por paradoxal que possa parecer, já que tínhamos escolta policial durante todo o caminho. Juntar veículos de duas rodas num espaço reduzido com pessoas de diferente nível e experiência tem o seu quê de arriscado. Mesmo há minha frente houve uma queda muito aparatosa, causada pelo embrulhar de 2 guiadores, felizmente sem consequências de maior para os protagonistas, um deles bem conhecido do meio. Havia algumas pessoas com claras dificuldades em circular em grupo, mas este tipo de evento propõe-se justamente promover e integrar pessoas no ciclismo, pelo que a velocidade baixa (entre os 6 e os 19km/h) e piso plano facilitaram as coisas.

A baixa velocidade do nosso comboio também foi útil quando um amigo meu teve um furo e ficou para trás, entregue a si mesmo, conseguindo depois voltar à comitiva a força do pedal e chegar ao fim sem mais percalços, embora com o pneu em baixo outra vez.

Abastecimento a meio caminho: água Del Cano

É impossível não reparar que estes eventos funcionam de forma semelhante à massa crítica, em termos de mensagem. Também recordam às pessoas que os ciclistas existem e que têm direito a andar na estrada, mesmo que neste caso, com escolta policial, até tínhamos mais direito que os enlatados. Adiante. Éramos também um grupo numeroso e muito visível, impossível de ignorar. E dávamos boa imagem do ciclismo utilitário, graças à profusão de gente bem vestida e bicicletas dispendiosas.

Recapitulando, no fim voltei para casa estranhamente satisfeito, com o bilhete oferecido pela CP e uma folga no eixo pedaleiro. A Raleigh está cada dia mais temperamental, acho que tenho que dar-lhe alguma atenção.