sexta-feira, 29 de julho de 2011

Uma Fixie abaixo de zero



Para além do interesse dos trilhos e das belas imagens do norte da Finlândia, importa reparar como, à temperatura mencionada, há pessoas nas ruas desta localidade. E as pessoas deslocam-se, pasme-se, a pé e de bicicleta. Não se vêem veículos motorizados até quase ao fim do vídeo. Serão os finlandeses sobre humanos? Pobres e desesperados? Ou simplesmente organizados e práticos?

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Ainda a Volta ao Burkina Faso

Podia ser o Tour, mas não é: cicloturistas em Torres Vedras

Em dia de descanso na Volta a França, ainda no rescaldo da etapa de ontem, que alguns media descreveram com frases coloridas como "a matança", vale a pena meditar um bocadinho sobre o que aconteceu. Diz-se que o carro que provocou o acidente com dois líderes da etapa transportava espectadores VIP´s, convidados da organização, possivelmente patrocinadores. O carro foi banido da prova, bem como o seu condutor. O mesmo tinha já sucedido com a moto que tinha derrubado o Dinamarquês Sorensen.  

E a coisa ficou por aí. A imprensa espanhola está a espumar de raiva, já que não só um dos prejudicados foi o Juan Antonio Flecha, como em consequência de todos os incidentes o lider do Tour é agora um Francês! Mas para lá do aproveitamento noticioso da carnificina (ver slide show da 9ª etapa), ninguém parece reflectir com seriedade sobre o que se está a passar. Quedas, ossos partidos, lesões e agora atropelamentos, as fotos do Tour parecem imagens de guerra: atletas caídos no asfalto, sangue e ambulâncias. Isto não pode ser considerado normal.

Se um qualquer ciclista tivesse sido albarroado da mesma forma em Portugal, um dos países da Europa com legislação que menos protege os ciclistas, as coisas ainda assim teriam sido diferentes. Para já o carro abandonou o local, ou seja, bateu e fugiu, o que é crime. A viatura foi identificada, pelo que seria possível participar o caso às autoridades, que entregariam o processo ao ministério público. A vitima também teria direito a levantar um processo civil ao infractor, de modo a força-lo a pagar indemnizações. Todos sabemos que a justiça portuguesa é tão lenta como ineficaz, mas as consequências para o automobilista seriam um pouco mais graves que ser "banido" de uma prova desportiva.

A verdade é que o condutor envolvido nem foi despedido. A empresa em causa não foi banida do Tour. O passeio de VIP´s para trás e para a frente ao longo das etapas não foi proibido. O número de carros da caravana não foi reduzido e as regras para a sua utilização não foram revistas. Na prática, nada mudou. E só os loucos podem esperar obter resultados diferentes fazendo tudo da mesma maneira.

Por seu lado, os ciclistas envolvidos e suas equipas não apresentaram qualquer queixa à organização. Nas ruas como na maior prova desportiva do mundo, o ciclista é suposto comer e calar. O próprio Johny Hoogerland, o holandês atirado para o asfalto a 60 km/h e que acabou retalhado numa cerca de arame farpado disse que são "coisas que acontecem". Levou mais de trinta pontos nas pernas mas não pretende desistir.

Não me entendam mal, nada me move contra a Volta a França. Aliás, se não fosse apreciador do Tour nunca me teria sequer apercebido destes acontecimentos. Eu sei que há uma certa violência que infelizmente faz parte das grandes provas de estrada. Mas acho incrível o nível de desrespeito pelos ciclistas que se atingiu este ano. O Tour, pela sua importância, não pode ser tão mau exemplo para milhões de pessoas.

domingo, 10 de julho de 2011

O Tour é uma aberração



Hoje chegou ao fim a primeira semana do Tour de France. Para qualquer pessoa que se interesse por ciclismo, utilitário ou não, esta prova de estrada é uma referencia. Pela sua história, pela mística criada ao longo dos anos, Le Tour é incontornável. Tenho no entanto algumas dificuldades em perceber a ligação que muitas vezes se tenta estabelecer entre uma prova de competição de ciclismo de estrada de alto nível com o desenvolvimento do ciclismo utilitário. Para esse fim de promoção, começo a acreditar que o Tour é na verdade uma influência nefasta.

O problema nem são os persistentes escândalos de doping que perseguem as estrelas do ciclismo. Sou consciente do tipo de controlo que existe nesta modalidade, muitos níveis acima de qualquer outra. Se os futebolistas da nossa praça fossem tão controlados, o volume de escândalos seria certamente semelhante. Já a ideia de uma prova realizada sobre bicicletas originar tanta poluição e desperdício, mediante a descomunal caravana automóvel que atravessa a França durante três semanas é um contra censo, mas nem é o mais importante.



Realmente grave é o ambiente de Gladiadores de Circo Romano que rodeia os ciclistas. E a expressão não é minha. Embora os ciclistas aparentem ser as estrelas de uma competição que é também um espectáculo mediático, vários indícios parecem demonstrar que são estrelas sim, mas também uma espécie de escravos bem pagos mas sem direitos, que se digladiam para entretenimento de outros.

Tenho tido poucas oportunidades para ver o Tour na televisão, mas a quantidade de quedas violentas que presenciei em directo nesse pouco tempo chegam para deixar qualquer um mal disposto. Duas delas nem foram provocadas por situações de piso escorregadio ou disputa de posição entre corredores: hoje dois dos lideres da etapa foram derrubados por um automóvel da TV e há uns dias um participante foi derrubado por uma mota. Ciclistas deste nível raramente baixam dos 40 km/h, e a sua protecção é apenas a pele. Uma a queda a 50 ou 60 km/h contra um obstáculo, como um carro parado na berma, pode facilmente ser fatal.

Nem quero entrar nas questões de alteração da verdade desportiva (estas quedas alteram profundamente a justiça dos resultados) mas o importante a reter é a desconsideração, para usar um eufemismo, que a organização do Tour tem pela vida e integridade física dos ciclistas que participam nesta lendária prova. Há claramente demasiados veículos motorizados no pelotão e não acredito que todos eles sejam realmente necessários. Para mais, com a existência hoje em dia de rádios, GPS e outras tecnologias que facilitam o trabalho da organização e das equipas (o tour é uma prova de equipa, a coordenação é fundamental).

Mesmo a atitude dos condutores deste veículos é incompreensível, muitos colocam-se na trajectória dos ciclistas, obrigando a desvios e consequente esforço suplementar dos atletas. As razias à Zé Tuga e todo o tipo de manobras perigosas abundam, muitas vezes a milímetros dos guiadores dos atletas. Tantos carros, sempre enormes, com pessoas ao volante que muitas vezes têm que se preocupar com muito mais do que conduzir, (como directores desportivos distraídos com mil outras coisas), mais dúzias de motos com fotógrafos e câmaras, carros e motos da organização, todos em frenesim histérico, a tentar posicionar-se num local específico em relação ao pelotão, em estradas muitas vezes estreitas, são uma mistura que inevitavelmente conduz ao desastre. 

Não deixa de ser irónico que um ciclista solitário a viajar pelas belas estradas francesas estaria muito mais seguro que qualquer um destes experientes atletas profissionais a cumprir um percurso numa estrada fechada ao transito, com todas as condições de "segurança".

Parabéns Rui! Mas a bicicleta não serve só para ganhar no Tour

E a questão da inspiração para o ciclismo utilitário? Pois. Além do excelente exemplo que o Tour dá sobre como se deve ultrapassar ciclistas na estrada, é sabido que 99% destes atletas, como o vencedor da etapa de ontem, o português Rui Costa, que tive o prazer de fotografar há um par de anos, usam a bicicleta exclusivamente como instrumento de trabalho e não fariam nem meio km para fins utilitários. Para transporte preferem automóveis de alta cilindrada. Muitas pessoas do meio partilham desta visão eminentemente  lúdica e desportiva e algumas (dirigentes desportivos, jornalistas) nem sabem andar de bicicleta. Tudo o que esta gente faz é perpetuar a imagem da bicicleta-brinquedo, o que está muito bem para eles e para a industria e os media. Mas não traz nada para a causa da mobilidade.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Crónicas do Portugal Profundo: missão na N4

Saio de casa ainda na penumbra da madrugada, luzes ligadas na bicicleta, a marginal vazia e em silêncio. Tenho alguns momentos para gozar este espectáculo raro, a estrada completamente desprovida de automóveis, posso ouvir o rolar dos pneus sobre o asfalto e o som da corrente a passar nos carretos. O ar fresco da manhã inspira um ritmo forte e enquanto a BUS e eu avançamos em direcção a Lisboa, medito sobre o dia que tenho pela frente.

O plano era simples: acompanhar um amigo expatriado (vamos chamar-lhe Nuno) na sua visita surpresa à família, que estava no Alentejo. Tencionava ele atravessar o país num dia e cobrir a distância de cerca de 200 km entre Lisboa e Portalegre numa velha BTT de aço. Perante um plano tão insólito como este, tudo o que eu podia fazer era disponibilizar-me para fazer-lhe companhia, pelo menos em parte do caminho. Algumas estratégias para adocicar o comprimido fracassaram, já que encurtar a distância recorrendo ao comboio se revelou impossível. Se quiserem rir um bocado (ou talvez chorar), consultem os horários dos regionais da CP para esta zona do país.

Fazer 200 km num só dia, em pneus de tacos e transportando carga, atravessando o Alentejo em pleno verão, não será para toda a gente. Eu estava convencido que para mim não era de certeza e a minha intenção era regressar de comboio, após ter feito menos de metade do caminho.

Bicicletas a bordo do Algés

O Sol nasceu durante o caminho para o Cais do Sodré, ponto de encontro para a aventura. Apesar da média de 28km/h, cheguei uns minutos tarde. Nada de grave. Pela frente havia ainda 14 horas de luz, e porventura todas elas fariam falta para levar a bom termo a odisseia. Às 07:00 horas estávamos a bordo do "Algés", que em cerca de meia hora nos deixaria no terminal fluvial do Montijo.

Montijo, igreja Matriz

Fazer a navegação através das ruas do Montijo não foi muito difícil, bastava apontar sempre a Este, ou ao sol nascente. Depressa estávamos na N4, a avançar a bom ritmo. Quanto mais nos afastávamos do Montijo e da Atalaia, menos trânsito a estrada tinha e melhor era o espaço na berma, que nos primeiros quilómetros era inexistente. Por vezes era até possível pedalar lado a lado e os quilómetros iam assim passando em amena cavaqueira, sempre a ritmos acima dos 20 km/h. Este ritmo seria necessário manter em todo o momento, se não se queria comprometer as possibilidade de alcançar o objectivo.

A primeira paragem relevante foi feita em Vendas Novas, à sombra de umas árvores no jardim do museu da Escola Prática de Artilharia. Observando as rotinas dos nativos no centro da cidade torna-se rapidamente evidente como o uso utilitário da bicicleta é por estes lados uma realidade nada desprezível. Gostaria de explorar melhor o assunto, mas tempo era algo de que não dispúnhamos em abundância.

O verdadeiro ciclista urbano, na sua bicicleta utilitária!

Não há falta de ciclistas em Vendas Novas

Arrancámos de novo em direcção a Este, sempre pela nacional 4, ainda a manhã não ia a meio. O Sol começava a fazer-se sentir, mas o ritmo manteve-se igual. Isto até nos aproximamos de Montemor-o-Novo, onde as primeiras subidas dignas desse nome nos forçaram a abrandar. Mesmo assim, um quarto de hora antes do meio dia estávamos a amarrar as bicicletas no centro de Montemor, debaixo de um Sol esmagador. Segui-se o almoço, que não foi dos mais rápidos, mas mesmo assim estávamos devidamente alimentados e reabastecidos de agua, prontos a seguir viagem por volta da uma hora.

Foto da praxe, (mal)tirada em Montemor

Foi aqui que nos separamos. Eu tinha já 94 km nas pernas e há anos que não pedalava tanto de uma vez só. Despedi-me do Nuno depois da foto da praxe e desejos de boa sorte, e iniciei o caminho de regresso. Só de pensar nos mais de 120 km que ele ainda teria pela frente fazia-me pensar nas capacidade do ser humano e de uma coisa tão simples como uma bicicleta.

Voltei a Vendas Novas relativamente depressa, e parei para descansar um pouco. O plano original, se é que havia um, era eu apanhar aqui (ou em Pegões) o regional da CP para o Pinhal Novo. Mas o comboio só chegaria daí a mais de três horas e o Pinhal novo não era um destino ideal. Não sou propriamente conhecido por possuir grandes doses de paciência em esperar por transportes públicos, e acabei por decidir tentar o regresso ao Montijo, mesmo que levasse a tarde toda.

Ciclovia nos arredores de Vendas Novas

À medida que ia fazendo o meu caminho de regresso pela N4, debaixo de um Sol abrasador, as paragens foram-se tornando mais frequentes. Uma paragem para comer umas bolachas, outra paragem para trocar as pilhas ao GPS, uma para comprar água, uma para eliminar água do organismo, enfim, muitas paragens. Mas quando voltava a montar na bicicleta, mantinha um ritmo relativamente rápido, que no final nunca baixou dos 22 km//h.

Estes amigos são companhia constante na N4. Vale a berma.

Já a acusar muito o desgaste do dia, cheguei finalmente aos arrabaldes do Montijo. O cansaço fazia-se notar também nas minhas dificuldades em fazer a navegação de volta para o terminal fluvial, ainda a uns quilómetros do centro. Valeu a ajuda do GPS. O Montijo estava bastante diferente, desde a manhã: várias ruas estavam fechadas ao trânsito e a cidade preparava-se para uma festa das grandes. Não me demorei muito, e assim que encontrei a estrada para o Terminal do Seixalinho, acelerei pela estrada deserta, gastando as últimas energias, certo que o fim estava próximo. Foi com alguma emoção que avistei o edifício do terminal fluvial, num altura em que o ciclo-computador marcava 169 km.

Estacionamento descontraído no terminal do Montijo

Apanhei o catamaran "Algés" de volta para a capital, passavam escassos minutos das 18 horas. Pelo caminho, enquanto imaginava onde andaria o Nuno (que chegou são e salvo ao destino, pelo pôr do Sol, depois de mais de 200km pedalados) e reflectia sobre as potencialidades da bicicleta. Se um tipo como eu, que nunca fez desporto a sério e há algum tempo que não faz desporto a brincar, que tem algum excesso de peso e que já se poderia descrever como "de meia idade" consegue percorrer 170 km num só dia, sem preparação prévia, numa bicicleta de montanha, sem pneus finos, e com alguns quilos de carga, não estaremos todos, como sociedade, a desperdiçar o enorme potencial de mobilidade que a bicicleta oferece?

Dados relevantes:

Distância pedalada: 171 km.
Altitude máxima: 210 m.
Velocidade máxima: 50,3 Km/h.
Velocidade média: 22.25 
Água consumida: 4,5 l