Antes que comece a chegar o
hate mail, esclareço que não estou contra a greve geral, cujo rescaldo ainda domina os
noticiarios, nem muito menos sou fascista. Só para alertar algum internauta distraído que veio aqui parar à procura de "s
exy girls on bikes" ou algo do género.
A verdade é que o dia da greve se afigurava, para mim, bastante tranquilo. Talvez demasiado tranquilo até, provavelmente fechado em casa o dia todo. Acabou por não ser assim. A manhã foi ocupada com uma deslocação a Cascais, (de carro, arg!) e pouco depois recebi uma mensagem indicando que, contra todas as previsões, teria uma aula na faculdade.
Imediatamente pensei que era a desculpa perfeita para, por fim, ir às aulas de bike,
all the way. Com o comboio em serviços mínimos e o
Metro completamente fora de serviço, só a bicicleta me podia salvar. (OK, estava o carro na garagem, mas isso tira todo o dramatismo da narrativa!)
 |
Depois da chuva, um pouco de Sol em Carcavelos |
Assim, após um cafezinho com uma amiga em Carcavelos, onde a qualidade de vida para alguns
parece que vai em aumento, arranquei para o centro de Lisboa, onde a comunicação social reportava, com o rigor a que já me habituei, ora que o dia era de feriado e não se viam pessoas na rua, ora que o caos estava instalado e era impossível circular. A verdade teria de a descobrir por mim próprio.
Eu estava meio constipado e sentia-me, sei-lá, fraco,
frágil. Decidi então que ia seguir tanto quanto possível por caminhos secundários e relativamente livres de trânsito rápido. Assim, em lugar de apanhar a
auto-estrada marginal até Algés, fui pelo passeio marítimo, tranquilamente, indiferente à possibilidade de estar a cometer alguma ilegalidade escabrosa, que aquilo tem uns horários esquisitos para os ciclistas.
A partir de Paço de Arcos tornou-se então inevitável recorrer à
pista de corridas Lisboa-Cascais, também conhecida como estrada marginal. Consegui chegar sem incidentes à Cruz Quebrada, um feito não tão desprezível como alguns possam pensar, a julgar pela quantidade de muros, pilaretes e postes derrubados que povoam as laterais desta estrada.
 |
Fim do passeio marítimo de Oeiras |
Depois de passar por debaixo da ponte ferroviária da Cruz quebrada, esperava-me um pequeno percurso mais apropriado a máquinas de BTT, um percurso que conheço bem, justamente dos meus tempos áureos do pneu cardado. Infelizmente, nem a minha indumentária
cicle-chic nem a minha bicicleta de cidade se ajustam bem a estes terrenos. Tais factos pareciam claros para os ciclistas de licra e carbono com que me cruzei neste pequeno troço, a julgar pelos seus olhares enojados atirados de soslaio. Mesmo assim, apesar da desconfortável trepidação, acabou por ser divertido e num instante estava em Álges.
Sem incidentes cheguei à
pseudo-ciclo-coisa de Belém e por lá segui a bom ritmo, mesmo que aos ziguezagues, fosse pela natureza do percurso, fosse para me desviar dos peões. Continuo a não perceber como é suposto um tipo atravessar a estrada a seguir às
Docas e que diabos fazem paralelos, buracos, caixotes do lixo e carris de eléctrico numa ciclovia. Mas pronto, isso devo ser eu que sou esquisito. Os corredores e donos de canídeos não pareciam importar-se e essas foram as únicas outras pessoas que encontrei pelo caminho.
No Cais do Sodré, um olhar para o relógio fez um rombo na minha auto-confiança: tinha levado uma hora e meia para chegar a Lisboa! Tanto passeio marítimo e "ciclovia" dá nisto. A minha aula estava prestes a começar e eu ainda estava do outro lado da cidade. Boa Mike. E agora?
Não podia fazer nada a não ser continuar. Subi a baixa, a Av. da Liberdade, pela lateral, e depois travessei para o Parque Eduardo VII. O trânsito era intenso e algo confuso. Apesar de tudo, levei apenas 23 minutos a chegar à Av. de Berna, o mesmo tempo que costumo levar de metro. Ironia das ironias, a minha aula tinha sido cancelada... por falta de alunos!
Aproveitei para fazer uma pequena reunião de trabalho com um colega, mas pouco depois estava de novo na estrada. A av. de Berna estava absolutamente caótica. Subi numa lateral da Embaixada de Espanha e fui ter um pouco mais à frente à ciclovia que passa na
Faculdade de Economia da Nova. Segui até ao Jardim Amália Rodrigues, de novo o Parque Eduardo VII, Marques do Pombal em grande estilo, Av. Liberdade onde um autocarro tentou passar-me a ferro, etc. Passei ao lado da Câmara de Lisboa e pedi autorização aos policias que ali se encontravam para seguir em frente na praça do município, e entrar na
Rua dos Bacalhaus, coisa que eles aprovaram prontamente.
Outra vez a ciclovia, agora mesmo deserta. Em Algés ainda ponderei apanhar o comboio, mas lembrei-me de o quanto detesto esperar por transportes públicos quando não existem certezas de horários, por isso continuei. Fazer o percurso "todo o terreno" até à Cruz Quebrada, no escuro, revelou-se um desafio. A minha luz de dínamo não foi pensada para estas coisas. E a chocalheira foi tanta que pensei que ia perder peças. Mas fez-se, tal como o resto do caminho até casa. No total, pouco mais de
54 km. O que provavelmente explica o apetite que tinha quando cheguei.