Incompreensivelmente, a carrinha abranda. Naquela recta inóspita, não muito longe da fronteira imaginária que divide os concelhos de Lisboa e Oeiras, o trânsito é, como sempre, intenso. O Sol brilha, espreitando por momentos entre as nuvens de tempestade. Do outro lado da estrada grandes vagas esmagam-se ruidosamente na praia. Um vento teimoso recorda-nos que o conforto do verão já vai longe.
É impossível não reparar no veículo que avança agora muito lentamente. Os outros automobilistas apressam-se a ultrapassar, impacientes, agressivos. Ninguém reduz a velocidade. A condutora parece procurar um buraco na malha de pinos que protege o passeio, para conseguir estacionar o carro.
Pelo menos é isso que imagino, à medida que, caminhando, me vou aproximando. O tal buraco aparece, pois há uma série de pinos derrubados, esmagados. A carrinha imobiliza-se na faixa de rodagem, os quatro piscas ligados. Alguém saí de um dos lugares traseiros, olhando intensamente para o prédio em frente. Há algo de muito perturbador no seu olhar, nos seus gestos. E algo de estranho nestas casas também, nas escadas, nos pequenos pátios. Há pedaços de betão um pouco por toda a parte. Sinto um calafrio e começo a compreender.
O homem que saiu primeiro do carro benze-se, e há outro que se aproxima, removendo solenemente o chapéu. Parte da frente do edifico está desfeita. A condutora junta-se a eles, olhos húmidos fixos naquela destruição. Parecem estrangeiros, talvez imigrantes do leste europeu.
Eu estou só de passagem e, com um nó na garganta, depressa deixo o triste cenário para trás. Conheço muitos outros como este, ao longo da estrada. Já presenciei os acidentes que os provocam. Tantos anos depois, com bom pavimento, 4 faixas, semáforos, radares e velocidade limitada a 70 km/h (ou menos, em vários troços), ainda se morre regularmente na Marginal. Porquê?
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