Not Lisbon |
Sim, aqui em Londres eles falam estrangeiro, conduzem do lado errado da estrada e usam tomadas com buracos a mais. Mas se os Ingleses também adoram o seu pópó, e têm até mais desculpas para o usar, já que aqui está sempre a chover, há toda uma série muito interessante de diferenças nos comportamentos e na infraestrutura urbana, em relação a Lisboa, especialmente no que toca aos modos suaves.
Outra forma de transporte em Londres: correr até casa |
Para começar, em Londres é normal andar a pé. Sim, eu sei, é chocante. Caminhar para chegar a alguma parte da cidade ou para cumprir parte de um percurso é considerado uma coisa razoável de se fazer. Não é algo para os pobres, os destituídos e aqueles que não foram suficientemente espertos para estacionar ilegalmente o carro mesmo em frente à porta de entrada. E como caminhar é uma coisa natural, existem passeios, normalmente desimpedidos, com piso razoável e largura suficiente. Em Lisboa tal coisa é um luxo, só disponivel em pequenas (e poucas) partes da cidade.
Se a via é estreita, os pópós passam alternadamente. Simples. |
Quando o espaço é reduzido, em vez de destruir passeios e alargar a estrada, fazer vias rápidas novas e rotundas, como os nossos autarcas do bigode adoram fazer, aqui simplesmente obriga-se o trânsito a andar mais devagar e a esperar antes de poder avançar numa passagem estreita. É claro que há também muitas milhas de motorways, mas o espaço verdairamente urbano, com dimensão humana, onde se pode andar em segurança, é comparativamente muito maior.
Passadeira com semáforo |
Típica "ilha" para peões, algures na City |
Nem tudo são rosas no entanto. Em Londres as passadeiras para peões são misteriosamentes escassas e o tempo de atravessamento nos semáforos é semelhante ao de Lisboa. Na maior parte das situações, o peão atravessa a rua por sua conta e risco. Existem umas muito típicas ilhas centrais em muita ruas, que facilitam o atravessamento em duas fases, diminuindo o perigo. Como as ruas de Londres tendem a ser estreitas e algo sinuosas, o perigo é minimizado pela reduzida velocidade possível para os veículos, mas a prioridade pertence de facto ao trânsito motorizado, excepto nas tais escassas passadeiras, e os motoristas londrinos podem ser tão implacáveis como os de Lisboa.
O espaço em frente do semáforo é reservado aos ciclistas. |
Pintar umas linhas no chão nem sempre garante respeito |
No que toca às bicicletas, há algumas diferenças importantes. A começar pelas legislativas, que transcendem a cidade de Londres. Entre as mais significativas estão a possibilidade dos ciclistas circularem a par, desde que a estrada não seja demasiado estreita, a permissão de uso dos espaços e corredores reservados aos transportes públicos e a não obrigatoriedade de circular nas ciclovias e nas ciclo faixas se o ciclista assim o entender. Há também as famosas caixas na frente dos semáforos, para uso exclusivo por ciclistas. É básico, mas em Lisboa não temos nada disto.
Sinal de dois sentidos para velocípedes |
Acesso à estrada através de uma ciclovia |
Ciclovia com semáforo |
De notar que apesar de toda a sinalização especifica, das diferenças legislativas e do empenhamento do gabinete do Mayor of London, no que toca à infraestructura básica, esta é quase igual a Lisboa: na prática circula-se quase sempre na estrada e segue-se as regras da estrada. Tem-se mais liberdade e mais direitos na teoria, mas coisas como "razias" e encostos são uma constante. Os londrinos são bastante mais frios que os lisboetas e toda a gente lida com esta agressividade rodoviária de forma quase impassível. Ou seja, o taxista passa-te a ferro com um ar de absoluta indiferença e tu és passado a ferro sem sequer levantar uma sobrancelha. Esse tipo de coisa.
Circular a par não é ilegal. Em Londres pelo menos. |
O Transport for London, a poderosa entidade que gere a complexa rede de transportes e vias da capital britânica, parece realmente empenhado em tornar a cidade ciclável, mesmo que seja seguindo as filosofias do Vehicular Cycling. Prova disso é, por exemplo, a possibilidade de obter no conforto da nossa casa mapas em papel de percursos pre-estudados para ciclistas (e por ciclistas) em toda a zona metropolitana de Londres. São grátis, não se paga nem os portes de correio. Estes são os meus:
Bonitos, Bons e de Borla. |
Qualquer semelhança com a falida, burocrática e provinciana administração da CML só pode ser mesmo pura coincidência. Outra coisa que não há em Lisboa e que é importante em qualquer infraestructura urbana básica que tenha em conta os utilizadores de bicicleta são os lugares de estacionamento. Em Londres há um número muito razoável de lugares, quase todos tecnicamente adequados, prevalecendo aqueles em "U" invertido.
Estacionamento público para bicicletas |
Outro estacionamento em "U" invertido. |
Estacionamento dentro da estação de King's Cross |
On other news, segundo dados da Metropolitan Police, o ano passado foram roubadas mais de 23.000 bicicletas em Londres. Esses são os números das queixas apresentadas e já se sabe que, aqui como em Lisboa, a maior parte dos crimes nem sequer são reportados. Nesse mesmo período apenas 580 pessoas foram acusadas de roubo de velocípedes na zona metropolitana de Londres. A diferença para Lisboa neste domínio é que os números existem, são facilmente acessíveis, e o assunto é tratado como qualquer outro deste tipo, aparece nos jornais, e a polícia pelo menos preocupa-se em atacar o problema.
Acesso a zona pedonal e ciclável |
Apesar de ser uma cidade ainda muito feita a pensar no carro, há cada vez mais espaços exclusivamente pedonais, ou ciclo-pedonais. Algo que em Lisboa tarda em acontecer, basta pensar na zona da Bica, onde toda a gente que enche aquele espaço num Sábado à noite tem que sair do caminho para deixar o idiota de turno entrar e sair da rua com o seu sagrado pópó.
Este é de longe o melhor blogue sobre bicicletas. Estou especialmente a gostar desta série de textos comparando Londres com Lisboa.
ResponderEliminarContinua. Abraço,
Pedro.
Bom artigo. Fazendo de advogado do diabo há uma coisa em que Portugal está à frente dos RU: na existência de passadeiras nos cruzamentos, aí em geral é muito raro existirem passadeiras (onde não hajam semáforos) nos cruzamentos e pelo que me apercebi não existe qualquer obrigatoriedade dos motoristas cederem a passagem.
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ResponderEliminarObrigado Pedro!
Sérgio:
Correcto. Em Londres há definitivamente menos passadeiras. Há até alguns cruzamentos semaforizados que não têm a sinalização para peões, as pessoas basicamente têm que adivinhar de que lado vão aparecer os carros.
Por outro lado, existem inúmeros caminhos e percursos exclusivamente pedonais, ou ciclo-pedonais por toda a cidade, coisa nunca vista em Lisboa. Além dos parques, que são mesmo muitos e a maioria deles sem rival na capital portuguesa...
Um abraço,
Bessa