A tocha olímpica faz o seu caminho pelo norte de Londres |
Levou o seu tempo, mas os Ingleses lá se entusiasmaram com os Jogos. Quando aqui cheguei, há mais de um mês, predominava a indiferença e o sarcasmo. As pessoas queriam era fugir de Londres para evitar o apregoado caos eminente. Com o aproximar da data do inicio dos jogos as coisas foram mudando gradualmente. Agora pode-se dizer que a maioria dos locais está visivelmente entusiasmada, quando não mesmo obcecada com os resultados dos jogos. E há três dias atrás, Bradley Wiggins ganhou a prova de contra relógio de estrada, depois de ele próprio, vestido de amarelo, ter dado inicio à cerimonia de abertura no dia 27 de Julho.
As patilhas mais rápidas do universo a caminho do ouro olímpico |
E este fulano também andou por lá... |
Depois da decepção do sábado passado, quando as esperanças dos Ingleses numa vitoria do sprinter Mark Cavendish na prova de estrada foram goradas, segundo as reclamações do próprio porque toda a gente queria que o Team GB perdesse, as patilhas mais rápidas do universo conhecido restauraram a honra entre as hostes da casa. Desde essa altura parecem ter sido abertos os portões dourados e a comitiva da britânica não para de subir na tabela das medalhas, incluindo mais algumas contribuições do ciclismo de pista.
Isto foi o que eu consegui ver da prova de estrada. Diz que ganhou o Borat... |
Toda esta glória olímpica parecia ser literalmente ouro sobre azul, numa cidade de Londres onde se vive uma muito visível revolução movida a pedal. Há quem considere que o sucesso do ciclismo "desporto" é uma boa promoção para o ciclismo "transporte". Essa ligação é pouco clara, como já aqui referi, mas não se pode facilmente negar que ela existe.
Não é por isso de estranhar que quando (mais) um ciclista urbano foi esborrachado por um autocarro perto do parque Olímpico na quarta-feira, os jornalistas apressaram-se a saber a opinião do ciclista mais famoso da velha Albion. Talvez surpreendido pela pergunta, o novo ídolo Londrino recitou uma série de lugares comuns sobre "segurança" e o uso do capacete. A sensibilidade da questão do capacete não é reconhecida pela maioria das pessoas fora da cycling community, e cheira-me que o campeão britânico, como muitos outros atletas, não usa a bicicleta para transporte há muitos anos.
Conversas que só podem acabar mal: política, religião e... capacetes. |
Posteriormente, Bradley Wiggins queixou-se de ter sido mal interpretado, mas o estrago estava feito. O seu companheiro que se dá menos bem com as olimpíadas, Mark Cavendish, parece ter uma opinião mais ponderada sobre o assunto: presuma-se sempre que a culpa é do veículo motorizado e terão parte do problema resolvido. É o que sucede em países como a Holanda, mas é claro que esta ideia parece demasiado radical em muitas culturas dominadas há décadas pelo automóvel. Referir que essa é a prática nos países onde o ciclismo tem mais adeptos e é estatisticamente mais seguro parece não servir de muito.
Há dias em que até este homem tem receio de andar na estrada |
Focar a questão nos capacetes é uma "solução" típica de uma sociedade auto-centrada. O Bike Snob fez umas observações bem interessantes (e sarcásticas, como habitualmente) sobre esta questão. O problema é que por muito à frente de, por exemplo, Lisboa, que Londres esteja, toda a questão da mobilidade em bicicleta é encarada como se de carros se tratassem. Eis uma noticia bombástica: uma bicicleta não é um carro. Dificilmente atinge velocidades perigosas. Não tem uma gaiola metálica e para-choques, não tem zonas de deformação programada, não tem airbags. Um capacete nunca substituirá nada disso. Misturar ciclistas com automóveis e camiões em ruas com muito trânsito, num ambiente implicitamente competitivo, por muita boa vontade que exista, vai ter sempre consequências graves para os mais fracos.
Esta é a companhia habitual do ciclista em Londres |
Não só a relação com o desporto pode passar a imagem de que o ciclismo utilitário é coisa de "atletas" e de adeptos do risco e da adrenalina, como o ciclismo utilitário está agora pendente da opinião pouco esclarecida destes campeões, que no dia a dia andam de carro pela cidade. Circular de bicicleta deveria ser uma actividade normal, tão normal e segura como qualquer outra forma de deslocação. Enfiar capacetes à força em toda a gente vai tornar o ciclismo seguro? Como? Em Londres praticamente toda a gente já usa capacete. E reflectores, da cabeça aos pés. E luzes a piscar mesmo de dia.
Pernas descobertas? Está mesmo a pedi-las para levar com um autocarro em cima! |
Eu sei que após tantos anos de auto-dependência custa a perceber que os veículos motorizados são intrinsecamente perigosos e que deveriam existir regras muito mais estritas a regular e limitar o seu uso. Parece ser mais fácil oprimir e ignorar a minoria do que tentar resolver o problema de uma forma objectiva. Até porque, de uma perspectiva eminentemente lógica, a única solução seria a segregação total. Do trânsito motorizado, naturalmente.
Iou! Obrigado pelo update aí da ilha chuvosa! Eu vi parte da prova de estrada feminina num foodcourt em Kuching na Malásia e aquilo estava animado com um monte de ataques infrutíferos das atletas holandesas. Fiquei agora a saber aqui pelo LisboaBike que as patilhas mais rápidas do universo ganharam o contra-relógio - tal é o meu nível de informação olímpica :)
ResponderEliminarChamou-me a atenção esta frase quase no final "Parece ser mais fácil oprimir e ignorar a minoria do que tentar resolver o problema de uma forma objectiva." Perguntei-me: mas é mesmo a maioria?? Aqui em Singapura não é certamente.
Fui à fonte de conhecimento universal: http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_countries_by_vehicles_per_capita ("All figures include automobiles, SUVs, vans, and commercial vehicles; and exclude motorcycles and other motorized two-wheelers")
Singapura tem 156 veículos motorizados por 1000 habitantes.
UK tem 525. Tendo em conta que inclui veículos comerciais, menos de metade - i.e., uma minoria - da população tem carro.
E certamente em outras partes do mundo a grande maioria da população NÃO tem carro. E mesmo assim é um problema global dados os padrões que foram criados ao longo da história que "legitimam" o domínio (elitista?) dos veículos motorizados no uso da terra.
Confesso a minha dificuldade em entender estes atletas de hábitos saudáveis... ou estes ingleses?
ResponderEliminarGetting wasted at St Pauls
Ou sou talvez mesmo careta por achar estranho o campeão do Tour e olímpico não só achar normal apanhar uma piela como publicitá-la ele próprio? Talvez para mostrar aos jovens fãs como se chega "lá"? :)
Hehehehe! É, o Wiggins é mesmo Inglês, e ainda para mais ele é do Sul de Londres. O outro dia perdi-me por essas bandas e acredita que é um lugar complicado. Até levei com um bêbado que insistia que eu era um agente secreto da Mossad... O álcool em grandes quantidades tem fortes tradições por aqui : )
ResponderEliminarAbraço!
Parabens pelo blog, leio com alguma regularidade. Continuaçao de bom trabalho
ResponderEliminarObrigado!
ResponderEliminarUm abraço
Grande Bessa, retomei a tua leitura agora a pedais, e entretanto percebo que estás a viver em Londres, mas continuas com a tua verve bem afinada! Belo blog que aqui tens, só foi pena para as scooters, que ficaram a perder.
ResponderEliminarUm abraço,
Vasco
Obrigado Vasco! Sim, estou a passar uns meses em Londres, a revolução a pedal parece imparável por aqui. As scooters não estão esquecidas, não se encontram muitos modelos clássicos (ou LML´s) por aqui, mas Vespas modernas há muitas e pode-se comprar uma CN por umas 600 Libras...
ResponderEliminarE é engraço encontrar a Scootering à venda até em supermercados : )
Grande abraço!
Bessa
Bem sigo-te recentemente e como falas no uso de capacete, talvez estejas interessado em ler algo sobre o que dizes a Dutch Union Cycling sobre isso: http://www.dutchnews.nl/news/archives/2012/02/helmets_make_cycling_less_safe.php
ResponderEliminarAbraço