terça-feira, 20 de novembro de 2012

O Estranho Caso da Ciclovia da Avenida da Liberdade

Av. da Liberdade, Lisboa, Planeta Terra

O drama, a emoção, a tendinite que vou desenvolver de tanto martelar o teclado sobre o mesmo assunto. Por onde começar? Talvez pelo principio: a Terra arrefeceu e surgiram os organismos unicelulares, que foram evoluindo até aos dinossauros, que ficaram tão grandes e pesados que morreram e se transformaram em pitróleo. Os homens humanos perceberam que aquilo servia de combustível e construíram grandes bicicletas de 4 rodas carroçadas, com motores movidos a nhanha de dinossauro destilada. Depressa toda a gente e mais a mãe deles queria um veículo auto-móvel, pelo que os lideres da velha Olissipo mandaram alcatifar de asfalto o Passeio Público, e assim surgiu a Avenida da Liberdade.

Conseguem ver a ciclo faixa?

Dando um salto para o Séc. XXI, e após décadas a alargar ruas e avenidas até transformar o maior número possível de artérias da cidade em autoestradas, a CML finalmente parece ter acordado para o facto de que é impossível uma mobilidade urbana dependente exclusivamente das bicicletas de 4 rodas carroçadas. Começaram então a surgir planos e obras concretas que tentam aliviar a pressão do ditador automóvel sobre a pobre e indefesa Olissipo. Com a desculpa de possíveis multas da (des)União Europeia, em Setembro avançaram as alterações ao trânsito na Av. da Liberdade e Marquês do Pombal.

Gostava de ver o Nunes da Silva a andar aqui de bicicleta

Digo desculpas, porque num país onde o povo exige sempre mais e melhor alcatrão para os seus paquidermes metálicos e mais lugares de estacionamento mesmo à porta de todos os destinos, é politicamente muito difícil dizer que se quer restringir a circulação automóvel em Lisboa. O António Costa de certeza não pretende hipotecar o seu futuro político com as alterações de circulação na capital. Mas ao não esclarecer as pessoas, o executivo da CML abre a porta às muitas críticas sobre as soluções implementadas. Em vez de dizer claramente "não tragam o carro para aqui", a CML prefere falar em poluição para justificar ter tirado umas faixas à Av. da Liberdade.

O tracejado da faixa BUS antiga ainda lá está


Os Fogareirus Raivosum dominam a Avenida


As viragens à direita são um perigo


Apesar dos riscos e mesmo em dias de tempestade, a Av. tem ciclistas

Com as alterações feitas, surgiu também uma ciclo-faixa-coisa na Av. da Liberdade. Em vez das tradicionais ciclovias em cima dos passeios, roubando o pouco espaço que sobrava para os peões, desta vez fez-se uma faixa ciclável na via BUS, que foi alargada. É das primeiras vezes também que o responsável por implementar estas modificações relacionadas com a mobilidade BICI é de facto o vereador da mobilidade da CML, o independente Fernando Nunes da Silva. As ciclo-coisadas feitas no passeio são normalmente da responsabilidade do pelouro dos Jardins (!), nas mãos do camarada José Sá Fernandes.

Os protagonistas: António Costa, Nunes da Silva e Sá Fernandes

Talvez por falta de experiência, talvez por manifesta incompetência, talvez por problemas na correspondência, a CML pediu pareceres a quem percebia da poda (a FPCUB e o MUBI) e depois borrifou-se no que eles disseram. Fez o que bem entendeu, provavelmente o que era mais fácil e barato. Ficámos assim com uma ciclo-faixa na zona da avenida onde circula o trânsito mais rápido, onde o piso é pior, e onde o ciclista fica mais exposto às viragens à direita nos muitos cruzamentos. Mesmo a sinalética que avisa para a inovação que é um ciclista poder circular legalmente num corredor BUS (ou será numa faixa à direita do corredor BUS, nunca consegui perceber!) é muito escassa, sobretudo no sentido Norte-Sul.

Estes sinais não existem no sentido Norte-Sul

Tal como não houve coragem para dizer claramente que pretendia restringir a circulação automóvel na zona, também não houve coragem para eliminar o estacionamento público nas laterais da avenida, o que teria possibilitado alargar os passeios e criar outro tipo de soluções para a bicicleta. É difícil encontrar em capitais europeias outras avenidas equivalentes que ainda tolerem o estacionamento à superfície, mas se pensarmos que o Vereador Nunes da Silva é professor do IST, que tem um campus na Alameda onde em vez de se abolir a circulação de automóveis, como é normal no mundo inteiro, aboliu-se a circulação de pessoas, para maximizar o número de lugares de estacionamento. Vale a pena uma visita às instalações desta nobre instituição, para perceber melhor a mentalidade de quem manda na mobilidade lisboeta.

Parece que sou só eu que acho que aqueles lugares de estacionamento sobram

Mas afinal como é circular nesta Avenida Lisboeta após as alterações? Eu passo lá todos os dias e resolvi fazer um pequeno vídeo. À boa maneira da CML, eu não disponho das condições técnicas ideais para recolher as imagens numa bicicleta em movimento, mas desenrasquei a coisa na mesma. As vibrações na ciclo-faixa-coisa são mais que muitas, depois não digam que não avisei. Assim, aqui ficam os 1200 metros dos Restauradores ao Marquês de Pombal, à velocidade merdia de 17 km/h:



Sem grandes surpresas, a montanha parece ter parido um rato. Coxo. Depois do enorme interesse mediático, das ameaças do Reichfürer Barbosa do ACP e do caos dos primeiros dias, a coisa parece estar a acalmar, mesmo que ninguém esteja realmente satisfeito. Os automobilistas querem o seu asfalto de volta, os ciclistas sentem que fizeram alguma coisa por eles, e só isso já é um raro reconhecimento da sua existência, mas gostavam que tivessem feito alguma coisa que fosse, sei lá, útil. Os peões têm agora que olhar para todos os lados ao travessar as laterais, que podem ter vários sentidos, e o atravessamento da própria Av. da Liberdade está tão difícil como nunca. Parece que ganhou mais uma vez a mediocridade e o deserrascanço. Se a política é o compromisso do possível, o possível em Lisboa parece ter descido mais um degrau.

2 comentários:

  1. Muito bom, adorei o policia e a grua logo ao início para começar em grande lol nunca andei por ai mas um fim de semana destes vou experimentar
    Bom trabalho

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  2. Andei uma vez nessa ciclovia e jurei para nunca mais.
    Tenho amor ao lombo...
    Francisco

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