quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Sei o que Fizeste o Verão Pasado. Outra Vez.

Uma Kona encostada a uma Igreja

Está a chover outra vez, raios parta. Seja o que for que vocês andam para aí a fazer, a Grande Marmota desaprova. Portanto parem com isso.

Bom, para combater a depressiva climatologia do presente, que tal uma pequena viagem ao passado recente? Mais concretamente ao quente Agosto que deixamos para trás? Ide buscar a mantinha e a caneca do café, ponham mais umas listas telefónicas na lareira e vamos a isto.

Era Agosto e o Sol brilhava. Agora que penso nisso, não o vejo desde essa altura... Mas divago. A Co-Habitante planeara uma viagem à terra dos seus antepassados ancestrais, no Norte do nosso louco rectângulo à beira mar falido. Uns dias de férias no país real era mesmo o que estávamos a precisar. Não queiramos levar o enlatado, mas também não dispunhamos do tempo necessário para fazer a viagem à força do pedal. Comboios para onde íamos, a bela cidade de Caminha, também não são uma alternativa. Ficámos então com a solução que sobrava no fundo do tacho, viajar de autocarro.

Medo. Não, a sério, tenham muito medo!

De todas as formas civilizadas de uma pessoa se deslocar, o autocarro tem que ser a mais indigna. Para mim andar de autocarro está sempre no fim da lista, o autocarro tem todas as desvantagens possíveis de um automóvel sem nenhum dos benefícios. O autocarro apanha trânsito, fura pneu, é desconfortável (porque normalmente é conduzido por uma espécie de taxista que fez a primária), só pára quando está previsto ou o condutor lhe apetece, é relativamente lento e os seus viajantes costumam ser tratados ao nível do gado suíno.

Mas por um preço irrisório, a AVIC prometia levar as nossas bicicletas até ao destino sem qualquer problema nem custos adicionais e convencemo-nos que aquilo até ia ser divertido. Agora sei como se sentem as pessoas que meteram dinheiro no BPN.

Depois de termos atravessado o Isaltinistão e boa parte da cidade de Lisboa antes do nascer do Sol, nas nossas bicicletas carregadas, estávamos na Gare do Oriente vinte minutos antes da hora da partida do paquiderme de aço. Localizamos o dito, fomos ter com o motorista e imediatamente começaram os problemas. O homem parecia surpreendido e mesmo ofendido com a ideia de que íamos colocar bicicletas no seu autocarro. Embora tivéssemos confirmado várias vezes com a AVIC, por telefone e nas bilheteiras, que o procedimento era só aparecer e embarcar as biclas, o motorista parecia desconhecer (e desaprovar) totalmente o próprio conceito de transportar bicicletas como carga.  

"O para-brisas? Ainda faz mais 100.000km!"

Por fim o homem acedeu a que profanássemos a santidade das bagageiras do seu veículo com as nossas máquinas do demo, mas recusou-se a ter alguma coisa a ver com isso, respondendo à minha questão de onde exactamente devíamos colocar as bichas com um inequívoco "de-sem-mer-da-te" não verbal. É claro que por esta altura os passageiros já tinham espalhado os seus pertences por todo o lado e era impossível arranjar lugar para as biclas, embora espaço existisse de sobra. Perante a atitude do motorista, tratei eu de mudar umas quantas malas de sítio, para conseguir colocar as duas bicicletas. Antes de conseguir fazer alguma coisa de jeito, já o homem estava de volta, desesperado, a dizer que tinha os passageiros todos a reclamar que eu estava a mexer nas coisas deles! Com a paciência perto do fim (transporto sempre pouca) e já sem disfarçar a irritação, perguntei-lhe qual era a alternativa. Continuando sem assumir responsabilidades por nada, o condutor recuou para a o seu lugar, lastimando-se em voz alta de que "a culpa é sempre do motorista".

Já foste...
 
Quando finalmente entramos no autocarro, debaixo do olhar fulminante de dúzias de minhotos irritados, já a viagem tinha perdido boa parte do seu apelo. E a coisa não melhorou. Em Caminha, muitas horas de desconforto depois, fomos despejados no sítio habitual, ou seja, no meio da estrada. Tivemos que extrair as biclas à pressa para o lado onde passava o trânsito e no meio da confusão conseguimos não ser atropelados, mas perdemos o aperto da minha roda da frente. Quando dei por isso o autocarro já tinha desaparecido e eu estava capaz de matar alguém. Acabei por comprar um aperto novo numa loja local, onde o proprietário parecia incomodado por atender um cliente que sabia que peça é que precisava... Que dia, senhores.        
 
Caminha é fixe e a AVIC que se lixe

Pela frente ainda tínhamos uns vinte e poucos quilómetros de estrada nacional semi-montanhosa até ao nosso destino, o parque de campismo de Covas. (Não, não fica num cemitério, que engraçados). A estrada tinha pouco trânsito mas muitas curvas e aqui pudemos começar a respirar de outra forma. A minha mente deixou de divagar entre imagens de funcionários da AVIC a serem sodomizados nos caldeirões ardentes do inferno e comecei a apreciar a paisagem e finalmente a descontrair. Podem escrever mil chavões sobre a sensação de liberdade de andar de bicicleta, mas não deixa de ser verdade.

O Acampamento Base
Já instalados, basicamente o que se seguiu foi uma sequência de passeios de bicicleta e pedestres, mergulhos em regatos, boa comida e muito descanso. Há coisas piores. Tipo, quase todas. Também demos umas voltas maiores de vez em quando, fomos a Vilar de Mouros e a Caminha. Pouco trânsito, tudo tranquilo. O único stress foi que tentei meter-me na pesca e a coisa, enfim, digamos que não deu frutos. Tomem lá umas fotos do ambiente local:  


"Tira lá o raio da foto!!"
 
Era assim por todo o lado
         
Spot bom para pescar. Talvez. Não faço ideia.

Vida de Campista

Uma de 389 capelas perdidas no meio do nada

"City boy"

Inevitável como a morte e os impostos, chegou o dia do regresso. Para aproveitar ao máximo o dia, iríamos viajar no autocarro das onze da noite, pelo que fizemos uma última almoçarada campista num belíssimo e deserto parque de merendas local, antes de rumarmos outra vez a Caminha. Comprámos os bilhetes na agência de viagens da AVIC na cidade, minutos antes de eu receber a proposta de boleia de um amigo que seguia de carro da Galiza para Lisboa. Grande Marmota, porque zombas assim deste teu servidor? O nosso destino estava pois inevitavelmente ligado a mais um paquiderme rodoviário e seu domador sociopata, mas até lá havia que aproveitar o dia.


Caminha

Farta da vida dura das esplanadas de Caminha, a Co-Habitante lembrou-se que uma familiar trabalhara em tempos num convento, que ficava ao pé de um miradouro "espectacular", ali em Caminha. Parecia a forma ideal de acabar aquelas pequenas férias. Metemos rodas à estrada e fomos à procura do miradouro. Nunca demos com o tal convento, mas o que se seguiu foi uma das mais épicas subidas de bicicleta de que me recordo. A estrada ia subindo e subindo e subindo e subindo. Havia sempre mais uma placa a indicar o miradouro. Para cima, claro. Não se via trânsito e a nossa única preocupação era o tempo, estava a ficar cada vez mais fresco e ameaçava chover. Mais uma curva, mais uma subida. "É já ali". A Co-Habitante ameaçou desistir mais que uma vez, mas eu consegui sempre convencê-la a continuar. Não era só o cansaço, as bicicletas de montanha carregadas com tendas, sacos cama, roupas e comida, não são propriamente leves. 

Demos com isto pelo caminho. Alguém se lembra do Lost?

A luz começava a escassear e não havia sinal do miradouro. A temperatura desceu de forma notória e a determinada altura deixamos de nos cruzar com outros veículos ou pessoas. A estrada parecia verdadeiramente interminável. O vento frio forçou-nos a vestir mais uma camada de roupa, mas continuámos a subir. Depois de mais mil e uma curvas, sempre, sempre a subir,  por fim alcançamos o topo do monte de Santo Antão, onde há uma capela. A nossa recompensa era a generosa vista, para Moledo e Espanha. O meu GPS não indicava mais que 420m de altitude, mas há momentos em que os números simplesmente valem muito pouco.

A vista era esta

O regresso a casa também foi mais uma epopeia, mas uma epopeia que eu prefiro esquecer. Envolveu mais um motorista sociopata que se recusou a levar as biclas ou a fazer paragens para WC em mais de 400 km de viagem. Acabou por fazer ambas as coisas, muito a contragosto. No louco pós-apocalíptico Séc. XXI português, estes homens são uma mistura da ignorância e paternalismo machista do passado com a precariedade social e laboral do presente. O motorista da viagem de ida admitiu ter dormido menos de três horas antes da viagem e o do regresso deixou escapar algo parecido. Isso não desculpa a forma analfa-bruta com que se dirigem aos clientes da empresa, mas o conhecimento da sua dura situação laboral evitou que eu lhes enfiasse o sapato de encaixe pelo cólon acima. Por pouco.

Fim.

3 comentários:

  1. Bessa,

    Essa zona de Moledo é um tesouro, belas férias.
    Os autocarros dão sempre histórias para contar, geralmente más.

    Abraço,
    Vasco

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  2. Penso lá voltar, mas dispenso o autocarro. Acredita que aquilo foi mais desagradavel que as minhas descrições : )

    Abraço!

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  3. Bom, o passeio parece ter compensado o stress com os autocharros! (que até são bons transportes: bem mais barato que o carro, e podes ir a dormir! se não estiveres muito stressado com as negociações com o condutor e passageiros, ou com medo que ele adormeça ao volante...)

    Boas pedaladas!

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