quinta-feira, 19 de maio de 2011

Bicicleta, Política & Políticos

Temos os políticos que merecemos?
 
Há muitas razões para andar de bicicleta. Para uns será pela saúde e bem estar físico, para outros é por consciência ecológica, ou porque é pratico, talvez porque seja económico... Eu subscrevo todas estes motivos, mas tenho mais um, do qual nunco ouço ninguém falar.

Lembro-me de ler há muito tempo algo num blogue de um Português que emigrou para a Dinamarca. Queixava-se ele da elevada carga fiscal que os Dinamarqueses aplicam ao automóvel, coisa que definia como "imposto de doidos". Vindo de um país pequeno e pobre, mas com milhares de quilómetros de autoestradas, onde estacionar é onde um homem quiser e onde a verdadeira crise é ter que pagar portagens, até percebo a surpresa. Mas então porque emigrou este senhor para a Dinamarca, se quer continuar a viver como se faz por cá?

O "imposto de doidos" dinamarquês procura fazer duas coisas: dissuadir as pessoas de andarem de carro e financiar as alternativas a essa prática. Assim, este país nórdico têm das maiores percentagens de utilizadores de bicicleta, apesar do clima severo. E é um dos países mais felizes do mundo. Quando o petróleo atingir níveis de preço insuportáveis, a Dinamarca terá alternativas de transportes para quem não puder ou não quiser continuar a utilizar o automóvel. A nível local, a bicicleta é a alternativa. Por cá, mais do mesmo: fecham-se ferrovias e incentiva-se o uso da vaca sagrada, com mais e melhores autoestradas, pagas com dinheiro que há de vir não se sabe de onde.

Todo este "progresso" já se sabe onde nos trouxe: estamos na pior situação financeira dos últimos 100 anos. A elevada dependência do petróleo tem algo a ver com isso, mas ninguém liga, porque todos a consideram como inevitável. E o que irá acontecer ao nosso sistema de transportes tão dependente do automóvel quando o preço do petróleo se tornar insuportável? De que servirá toda esta rede de magníficas estradas quando nem os mais fanáticos adoradores da vaca sagrada poderão suportar o preço dos combustíveis fosseis? Nenhum político por cá fala disso, claro, mas há muito que o problema do Peak Oil saiu do domínio das teorias da conspiração entrou para o mundo da economia. Preços exorbitantes para produtos derivados do petróleo podem estar a poucos anos de distância.

Se calhar os Dinamarqueses não serão assim tão doidos. Se calhar eles, e outros, estão a precaver-se para a altura em que serão necessárias alternativas ao actual paradigma insustentável de mobilidade. Para eles a transição será mais fácil. Por cá falar-se-a de novo em "crise imprevisível" e os responsáveis da nação encolherão os ombros e assobiarão para o lado. Eu, pelo menos, avisei.

6 comentários:

  1. Não foste só tu. Conheço gente que mora a 4 estações de metro do local onde trabalha e estuda. Ainda assim, fazem deslocar-se de carro. É triste, mas é verdade.
    Vim há dias da costa alentejana onde tenho familiares e vou regularmente: as únicas pessoas de bicicleta que eu vi eram loiras; donde se conclui que, ou há muitos portugueses loiros ou então não são portugueses (apostava mais nesta última)!

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  2. Nós por cá também temos um role de queixumes em relação à fiscalidade automóvel. São outras realidade e sobretudo outras mentalidades. A reestruturação da rede ferroviária seria uma boa medida, mas quando a classe política só pensa na primeira classe do TêGêVê, o pobinho terá que ligar o motor de arranque se quiser ir da terrinha a uma consulta na capital.

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  3. Já há muito que deixei de me preocupar com isso. Aliás, já ouço essa história do pico do petróleo há mais de trinta anos. Aquilo de que me apercebo é que as reservas mundiais têm aumentado e já passámos, pelo menos no espaço da minha vida, por três supostas datas que seriam "o pico do petróleo". As chamadas crises do "petroil" têm sido políticas. Portanto, o facto de haver ou não petróleo, na questão da mobilidade, é para mim irrelevante. A poluição é um problema preocupante, mas na parte da mobilidade é irrelevante. Para mim, o importante é saber como nos podemos deslocar nas cidades (e não só) da maneira mais democrática e segura possível. Supõe, por instantes, que o carro era tão "ecológico" como uma bicicleta. (Já li referências a esta tese por alguns "militantes" da causa ciclista, e quanto mais penso nela mais encontro motivos para concordar com os argumentos.) A indústria automóvel tem procurado denodadamente garantir o seu monopólio na mobilidade, independentemente da fonte de energia. Mas não sejas precipitado a julgar essa indústria pelos padrões de hoje - quem sabe o que se conseguirá fazer daqui a dez, vinte ou trinta anos? Tendo isto em mente, temos de nos perguntar se acaso muda alguma coisa, no actual paradigma da mobilidade portuguesa, o facto de o carro passar a ter zero emissões de poluentes. Acaso acabavam os desastres sangrentos, as ocupações selvagens dos espaços dos peões, os atropelamentos mortais de crianças nas passadeiras das escolas, os engarrafamentos e as subsequentes percas de tempo e dinheiro a eles associados? Acaso terminava a ocupação excessiva do espaço por parte do carro (estradas, estacionamentos, etc)? Acaso acabava o estado de guerra civil que se vive nas nossas estradas? Acaso acabavam os casos de depressão, isolamento e agressividade provocados pelas longas horas que as pessoas passam enlatadas?
    Penso que a luta passa por garantir, o mais possível, que as pessoas passem a encarar os carros como mais uma ferramenta, que se pode utilizar quando não há outra solução mais segura ou mais prática, tanto para o próprio como para a sociedade. Que utilizem o carro de maneira mais racional, independentemente da fonte de energia do dito. Abraço.

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  4. Muito bom!

    E subscrevo o que comenta o Conan: mesmo que o carro seja altamente ecológico [não é fácil, mas possível: além de ter de passar a usar energias "melhores", por exemplo electricidade produzida de forma "limpa", biofuel... (que já se usa muito no Brasil há muito tempo, acho que mais de 90% dos carros são "flex", ou seja tanto podem funcionar a álcool como a gasolina), os fabricantes teriam de produzir carros com materiais que gastassem menos recursos e fossem mais reutilizáveis/recicláveis ou até biodegradáveis] os carros têm um monte de outros problemas que já comentaste aqui no blog, como segurança, agressividade, distanciamento entre pessoas, ocupação de espaço, altos recursos "investidos" em criar infra-estruturas para eles poderem circular...

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  5. Sim, os meus problemas com o excesso de uso do automóvel também são esses: desperdício de recursos valiosos e finitos, insegurança, desperdício de espaço público, fomento da indiferença e distanciamento, poluição, obesidade, sei lá...

    Também acho que os eléctricos não são alternativa. Excepto os que já existem, são grandes e amarelos. Desses gosto. Mas a sério, o problema real de estarmos a gastar combustíveis fosseis insubstituíveis para o Zé se levantar cinco minutos mais tarde para ir para o trabalho parece-me mesmo uma tragédia. O tempo dirá se o "pico" do petróleo é grave ou não. Provavelmente quando já for demasiado tarde.

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  6. Só pode ser por status que as pessoas usam tanto o automóvel. É que se fosse por uma questão de rapidez, não se passava tanto tempo numa fila.
    Além desta razão, que outra levaria uma boa fatia dos portugueses a desprezar a bicicleta como meio de transporte; algo que alguns congéneres europeus usam e abusam, frequentemente com salários na ordem do dobro para a mesma função?!

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