sexta-feira, 16 de julho de 2021

Projecto Caramelos: Dia 3 - Um Gajo Vai Ter Que Se Chatear

Trujillo!


A manhã não começou muito cedo para mim. Eram já nove horas quando pus as rodas na estrada nacional 251, rumo a Cáceres. Para mais, não tinha tomado o pequeno almoço. Havia um restaurante no hotel onde tinha dormido, mas a comida gordurosa do jantar na noite anterior e a sensação de ter sido enganado com a conta, não me davam vontade de lá regressar.  Assim, fui rolando, até à vila de Malpartida de Cáceres

Aqui consegui um pequeno almoço decente. E tive a companhia de um colorido local, um sexagenário de chapéu de couro e pele curtida pelo Sol, que assim que percebeu que eu era um ciclista, fez questão de me contar a sua epopeia de viagem de bicicleta, de regresso dos Picos de Europa à Extremadura, depois de ter sido defraudado do seu salário. Sem comida e sem dinheiro, nos nos anos setenta, ele lá conseguiu fazer o seu caminho até casa. Mais engraçado eram os comentários do empregado, que parecia ter bastante confiança com o velhote, que tudo indicava ser um cliente muito regular, pois interrompia o relato com frequência, para levantar dúvidas sobre a veracidade dos factos: "Trabajar? Pero si tu nunca hás trabajado un día en la vida?!"


Rolando no Grande Deserto Espanhol


Não muito depois estava em Cáceres, e atravessei de uma lado a outro esta bonita capital provincial. Aqui dei conta do estranho habito dos espanhóis para usar máscara facial mesmo quando correm ou andam de bicicleta. O facto de eu não fazer o mesmo levantava alguns olhares desconfiados, mas eu continuei a só usar a máscara quando desmontava, já que fazia alguma questão, pelo menos de momento, de continuar a respirar. 


A Autovía A-58

Continuei pela estrada nacional, que por momentos seguia paralela à Autovía A-58, pelo que o trânsito era inexistente. Depois virei para Norte, rolando por estradas mais remotas, já que a Nacional não seguia para os meus lados. Este giro forçado levou-me até La Aldea del Obispo, onde entrei pela hora do almoço. O Sol ia alto, o calor apertava e eu continuava sem grandes energias.



A paisagem rumo a La Aldea del Obispo


Ao atravessar a aldeia, encontrei por acaso um alojamento de turismo rural,  aparentemente especializado em observação de pássaros. Estavam vazios e a simpática senhora que me atendeu teria todo o gosto em alojar-me por aquela noite. Achei que precisava de descansar e um dia mais curto era mesmo o que estava à procura. Tendo em conta as distâncias entre terras, o calor abrasador e a dificuldade em encontrar comida e água entre cidades, a ideia de tomar refúgio naquela vila simpática agradava-me imenso. 

Mas não estava nas cartas. Os sorrisos desapareceram quando tentei pagar o alojamento com cartão de crédito. Não era possível. Aliás, não aceitavam pagamento de nenhuma forma que não fosse em dinheiro vivo. Eu não costumo andar com muito dinheiro, e perguntei onde era a caixa automática mais próxima. Não havia. Na próxima terra, talvez. A 30km. 


Hora do Almoço


Consultei a internet e verifiquei que existia alojamento abundante na próxima terra, Torrecillas de la Tiesa. Tinha pena de não ficar naquela Casa Rural, mas pronto, seriam só mais 30km, segundo a senhora. E era de facto mais ou menos isso. Mas em Torrecillas todo o alojamento estava tomado de assalto por um enorme exército de trabalhadores de um gigantesca central de energia solar em construção nas redondezas. Não havia vagas em lado nenhum. 

A hora de almoço tinha chegado e passado, o dia ia longo e eu ainda não tinha alojamento. O Google mostrava que não havia alternativas de nenhum tipo na zona, a não ser a cidade de Trujillo, que ficava fora de caminho. Liguei para a casa rural de La Aldea del Obispo, depois de ter levantado dinheiro na única caixa automática da zona, mas não tive muita sorte. A senhora informou-me que já tinha saído, que morava longe e portanto já não voltava. Tinha aquele tom de voz de "temos pena". 


Trujillo!


Rabujento, esfomeado, a ser literalmente queimado pelo Sol da tarde, fui obrigado a andar para trás, para chegar à cidade histórica de Trujillo, onde tinha reservado alojamento pelo telemóvel. Mais uma vez, pelo caminho não se encontrava nenhum sítio onde se pudesse parar, nenhuma sombra, nenhum estabelecimento para comprar bebidas, nada. Só o escaldante deserto espanhol. Eu juro que vi mesmo arbustos secos a rolar na estrada deserta, e abutres a sobrevoar-me, para completar o panorama do Oeste selvagem.
 
As gentes de Trujillo...


O que vale é que Trujilho, a terra natal de vários Conquistadores Espanhóis, é muito bonita. A cidade parecia deserta, mas eu estava a costumar-me ao facto dos espanhóis evitarem andar na rua entre as 10 e as 19 horas, para não terem que lidar com o Sol absolutamente escaldante destas paragens. Dei umas voltas e fui ao supermercado comprar comida a devorar no hotel, bem como abastecimentos para o dia seguinte.   


Bicicleta no quarto #2


Dia 3. Aliseda-Trujillo. 127km. (Estrada) 

Sem comentários:

Enviar um comentário