quinta-feira, 15 de julho de 2021

Projecto Caramelos: Dia 2 - Para lá da Fronteira

Caramelos?


Gostava de dizer que acordei rejuvenescido depois de uma boa noite de sono, mas no mundo real, as coisas nem sempre funcionam assim. Sendo certo que tive direito a umas oito horas de descanso, a verdade é que acordei a sentir-me letárgico, completamente sem energia. Parecia claro que o corpo ainda acusava o esforço do dia anterior


A vastidão do Alentejo


A manhã foi muito bem passada, fiquei a conhecer todos os pontos de interesse da zona, que incluem  pinturas rupestres e uma fronteira muito original, à qual voltaremos em breve. Foi engraçado o contraste do passeio com amigos, (incluído o latifundiário conhecedor da zona), versus o tempo passado em modo bikepacker, em que raramente tenho companhia nem a oportunidade de ficar a conhecer tão bem uma zona, mesmo que lá durma. 

São obviamente dois modos de viagem bem diferentes, o passeio com amigos, e a aventura na bicicleta, em solitário. Sou grande apreciador de ambos, e naquela manhã quente, as minhas preferências por boa companhia e o uso de carro para as deslocações maiores eram evidentes. Fui ficando e depois do almoço ainda lá estava, à conversa. Fiz o meu melhor por disfarçar os meus anémicos níveis de energia e o fraco entusiasmo pelos quilómetros que estavam para vir, mas chegou a altura em que a partida era inevitável.  


Tudo preparado. Tudo menos eu!


Foi com algum esforço disfarçado que me despedi dos amigos e montei na bicicleta, agora cerca de oito quilos mais pesada, devidamente apetrechada com o conjunto completo dos meus sacos, que incluíam material de campismo. Mas pouco depois, o entusiasmo familiar de me encontrar em estrada aberta, em autonomia completa, veio ao de cima. As dúvidas e hesitações ficavam para trás, arranjaria forma de manter as pernas em movimento. Havia uma fronteira para passar, e depois disso, o mundo era a minha ostra.


Sim, esta é a fronteira!


Cerca de 5km depois estava na "ponte internacional mais pequena do mundo", e cruzava a fronteira no Marco, entrando na Extremadura Espanhola. Parece ridículo afirmar que imediatamente se nota a diferença, mas essa é a realidade. Duas coisas depressa se tornam evidentes do outro lado da linha imaginária inventada pelos nossos antepassados: o ordenamento do território e a civilidade dos condutores. Parece que em Espanha se leva muito mais a sério a obrigatoriedade de garantir uma distância mínima lateral de segurança ao ultrapassar um velocípede, mesmo no fim do mundo que é esta zona fronteiriça. Em ambos os países essa distância são 1,5 metros, mas por vezes acho que em Portugal ninguém o sabe.

Quanto ao ordenamento do território, em Espanha, como na maior parte da Europa civilizada, não se pode construir em qualquer lado, nem de qualquer maneira, como acontece em Portugal. Por isso, saindo das vilas, não se encontra absolutamente nada senão campo. Não há casas dispersas nesta zona. Não há cafés da beira de estrada, não há barracões, não há oficinas, nem roulotes, nem pessoas a vender coisas na berma da estrada... nada.   



A estrada para Aliseda


Após os primeiros momentos iniciais de apreço pelo arrumadinhos que são os espanhóis, aos poucos um problema começava a tomar forma, e seria uma questão com implicações duradouras. É que quando eu digo que não havia nada, para além do tapete de asfalto, é que não havia mesmo nada. Nada! Não se encontravam parques de merenda, não havia abrigos de paragem de autocarro, não havia bombas de gasolina, nem quaisquer zonas com árvores ou qualquer tipo de sombra, em lado nenhum. Só o asfalto e uma planície infinita de campo, sempre atrás de uma cerca de arame farpado. 

A única alternativa era continuar a pedalar até à próxima terra. Tendo arrancado apenas pelas 16:00h, era assumido que o dia na estrada seria de poucos quilómetros, e assim fiquei-me pela pequena cidade de Aliseda. Esperava que tendo feito apenas cerca de 70km, o meu corpo não tivesse problemas em recuperar para as etapas maiores, debaixo do Sol escaldante do grande deserto espanhol, que se avizinhavam.


Bicicleta no quarto #1


Camas separadas!


Dia 2
. Esperança-Aliseda. 69km. (Estrada)

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