segunda-feira, 19 de julho de 2021

Projecto Caramelos: Dia 6 - O Assalto à Capital

Caramelos?


O ar quente que me recebe à saída do hotel, pelas nove da manhã do sexto dia de viagem, já não surpreende. Tomei atempadamente o pequeno almoço e tenho memorizada a navegação que devo fazer para sair de Torrijos e regressar ao track de GPS que me há de levar à capital do Reino das Espanhas. A esperada distância de apenas 86km dá-me alguma tranquilidade para lidar com eventuais imprevistos.


Não tendes nada com menos faixas?


Eu sei que para um ciclista de estrada que se leve a sério (e não faltam ciclistas de estrada que se levam muito a sério), 86km podem ser os kms de aquecimento para se juntar ao grupo numa manhã de Domingo. Para um ciclista utilitário, habituado a conciliar trajectos urbanos com os transportes públicos, pode parecer uma distância impossível. Cada um tem a sua bitola. Eu sei que sou capaz de distâncias de 200km, mas isso será normalmente num evento de um único dia, e em condições favoráveis. O calor e as distâncias entre paragens a que o Grande Deserto Espanhol obriga, reduzem claramente o meu desempenho. 

Seja como for, tenho todo o dia para chegar à Puerta del Sol, em Madrid, o destino para hoje. O meu GPS primitivo, esse traidor inveterado, vai cumprindo a sua função até chegarmos aos arredores da capital. O entramado de zonas industriais, centros comerciais, parques empresárias e vias rápidas dos arrabaldes de Madrid apresenta as primeiras dificuldades de navegação. O GPS parece insistir em enfiar-me numa das inúmeras "M", as vias rápidas radiais por onde flui boa parte do trânsito da capital espanhola.
    

Madrileños, no seu habitat natural


Depois dos eventos do dia 4, estou especialmente atento e resistente à possibilidade de me voltar a enfiar numa via reservada a paquidermes metálicos. Mas o GPS tenta que eu o faça, uma e outra vez, até que volta mesmo a acontecer. Sigo numa estrada que de repente se transforma em acesso para uma "M" qualquer. Sem possibilidade de voltar para trás, lá estou eu a ser de novo recebido por um coro de buzinadelas. Felizmente a estrada estava em obras e a velocidade era reduzida. Saio assim que posso, e dou por mim em mais um parque industrial. 


Na berma da via rápida em obras


Nesta altura já tinha passado mais uma vez da hora do almoço, o calor apertava e a minha frustração subia. Optei por desistir de vez do GPS e passei a usar o telemóvel. Pedi ao Google Maps um trajecto em bicicleta de onde estava para o centro de Madrid, e ele forneceu-me um percurso... inesperado. Para usar o telemóvel tinha que estar sempre a parar, pois ele seguia no bolso da jersey, mas eu estava disposto a isso para garantir a fiabilidade na navegação.
 

Rumo a Madrid!


Ciclovias de luxo 

De início esta nova metodologia parecia uma grande ideia. O percurso levou-me por parques e ciclovias que eu de outra forma nunca teria encontrado. O ritmo era lento, devido às paragens constantes e à natureza do percurso. Em certa altura quase perdia a carteira, com todos os meus cartões e documentos, de tanto andar a mexer no bolso para consultar o telemóvel. Mas foi só um susto e recuperei tudo em poucos minutos. Mais para a frente o percurso começou a ficar mais... exótico. 


Há de haver uma cidade por aqui algures


Madrid??


Hum...


Começava a duvidar das ideias do Google Maps. Atravessei descampados, zonas de armazéns abarracados e outras zonas muito duvidosas. Fiz um pouco de BTT puro e duro, e circulei numa estrada fechada que estava aparentemente transformada numa lixeira a céu aberto. Passei em zonas que pareciam ter sido cenário recente de algum botellón épico, com o lixo e garrafas de centenas ou milhares de pessoas. Em todo este percurso não vi nenhum outro ser humano, o que por mim estava ótimo, mas levantava dúvidas sobre a esperada aproximação a uma das maiores zonas metropolitanas da Europa. 



Sim, é uma lixeira numa estrada abandonada


Mas não havia motivos para preocupações. Eventualmente os trilhos transformaram-se em percursos dentro de jardins e parques, e depois em avenidas urbanas, que eu comecei a reconhecer. Estava em Madrid! A cidade nunca foi muito cycle-friendly e tem do trânsito mais agressivo que conheço, mas era excelente a sensação de estar a rolar em terreno conhecido. Lentamente, mas com confiança redobrada, fiz o meu caminho até ao hotel, junto à Puerta del Sol

Parecia surreal estar num ambiente tão cosmopolita, depois de tanto tempo passado no deserto. As ruas e avenidas estavam cheias de turistas, as esplanadas e bares a abarrotar de gente que parecia falar todas as línguas. Guardei o turismo e as fotos para o dia seguinte, pois teria tempo de desfrutar da cidade. Agora o que eu precisava era de uma cerveja, para celebrar os mais de 700km da ligação Lisboa-Madrid, percorridos em seis dias.


Madrid!


Vista de quarto


Bicicleta no quarto #4

Dia 6. Torrijos-Madrid. 90km. (Estrada/Ciclovia) 

Sem comentários:

Enviar um comentário