De repente estava no Sul de Espanha, não muito longe da fronteira, há muitas luas atrás, a estacionar o carro perto de uma praia cheia de história para mim e alguns amigos. Estava decidido a não alimentar os rendimentos do arrumador-chunga local, essa original exportação portuguesa, e coloquei o carro longe do lugar que ele indicava e basicamente ignorei-o. No regresso vi como ele me olhava, como observava com ar de julgamento a forma como eu conduzia. A sua expressão de censura dizia tudo: "carro com matrícula portuguesa" + "os portugueses são todos umas bestas ao volante" = "este tipo que estacionou sem a minha autorização é uma besta". E uma besta forreta ainda por cima.
Esta posta é uma seca. Foto de gatinho para compensar |
Ainda não tinha andado cinquenta metros hoje, de bicicleta, e estava a levar com a mesma expressão, o mesmo aceno negativo, o mesmo tipo de julgamento. Desta vez porque o senhor que seguia no seu pópó no sentido contrario, ocupando toda a estrada, teve que se desviar para não me passar a ferro. Deduzo que ele pensava que a rua teria apenas um sentido, uma distracção algo comum no local em causa. Mas em vez de concluir que estava a cometer um erro, assim que viu um ciclista, tomou logo a decisão mais lógica: "os ciclistas são todos vândalos" + "a rua parece ser de sentido único" = "Este tipo é parvo e eu é que ainda tenho que me desviar para ele não morrer"
É por estas e por outras que tenho pouca paciência para os artistas que por aí se vêem a fazer todo tipo de barbaridades na estrada (e no passeio!) e que dão mau nome ao ciclista comum. Por outro lado, dado o estado da infraestrutura rodoviária em Lisboa, ainda é muito difícil a um ciclista cumprir o aberrante código da estrada a 100%, ou nunca conseguiríamos chegar sequer a nenhum lado. E isso é algo que um automobilista, para quem a infraestrutura foi pensada quase em exclusivo tem muita dificuldade em compreender.
Um amigo meu queixava-se recentemente no Livro-dos-Focinhos sobre vários casos de comportamentos "perigosos" de ciclistas que ele tinha presenciado e concluía que assim não lhe ficava grande vontade de dar ele próprio umas pedaladas, já que claramente não queria ser confundido com aquele tipo de gente. E assim andamos, todos cheios de razão, todos um bocado frustrados ao fim do dia, quando no fundo todos queremos apenas chegar ao destino em segurança. O Snob falava justamente deste tipo de agruras do commuting, no seu livro mais recente, e dava umas sugestões, se calhar tenho que ir ler aquilo outra vez.
"já que claramente não queria ser confundido com aquele tipo de gente"
ResponderEliminarTambém não gostaria de ser confundido com alguns condutores de outro tipo de veículos...