quarta-feira, 14 de setembro de 2011

As Rodas da Ira: Proíbam o Ciclismo

Mais valia assumir

Uma ideia: Proíbam o ciclismo. Proíbam a circulação de bicicleta no espaço público. Ilegalizem. Sobretudo em estrada, mas acabem com essa praga nas ciclovias também.

Tudo.

Prendam todos os prevaricadores, mão dura com esses esquisitoides. Assegurem que a nenhum ciclista será tolerado perturbar a circulação das vacas sagradas.

Responsáveis da nação, autarcas, este é o desafio. Combatam essas criaturas odiosas e desviantes! Está nas vossas mãos. Façam o que o povo anseia e serão recompensados com mais anos de poder, bajulações e honrarias.

É certo e sabido que em Portugal a diferença entre o que é a lei e o que se passa regularmente na prática é abismal. Não é de agora. Se o automobilista quiser andar a 100 em cidade não se passa nada. Já o contrario, circular legalmente de bicicleta em estrada pode ser muito complicado, para o ciclista claro. Porque não resolver isso? Se toda a gente parece achar que os ciclistas são um estorvo e nem a legislação nem as autoridades os protegem, por que não ajustar a lei ao que se passa na pratica? Ficava tudo mais arrumado e os potenciais interessados ficavam a saber com o que podiam contar.

Pela primeira vez em algum tempo, hoje fui todo o caminho de casa até Lisboa a pedalar. Na ida, não sucedeu nada de extraordinário, se considerar-mos normal os automóveis na marginal passarem (como sempre) a grande velocidade e a milímetros do meu guiador.

O regresso foi diferente. Parece que por onde quer que eu passasse, era fonte de irritação para toda a gente. Antes de chegar ao Cais do Sodré, já os taxistas me tinham feito rasantes suficientes para me depilarem as pernas. Na praça de táxis do Cais do Sodré, um fogareiro abriu (atirou com) a porta quando eu ia apertado por outro carro e por pouco não me apanha. Perante o meu protesto, os demais profissionais da praça encararam-me com um misto de nojo e desprezo. Decidi seguir pela ciclovia (de Belém), mas talvez não tenha sido a melhor ideia.

O Habitual, na "ciclovia" de Belém

Em Alcântara, antes da GNR, atrás da AR Telecom e outras empresas, está um grupo de adolescentes espalhados pelo passeio e pela ciclovia. Uns estão de pé, outros esparramados no chão. Quando estou a passar, há um miúdo, que não poderia ter mais de 15 anos, que avança para o meio do caminho, sem me ver. Eu aviso "Cuidado", mas em resposta o adolescente resolve encarar-me e atira-me com um "Cuidado o quê, »@"#$"%$? Eu respondo simplesmente sinalizado e dizendo "ciclovia", mas o resto da tribo já se está a levantar, avançando provocativamente e a gritando insultos, pelo que respondo um pouco na mesma moeda e afasto-me.

Tento não deixar que estas coisas estraguem o que de outro modo até estava a ser um prazenteiro regresso a casa. Afinal eu só queira era chegar a casa. Mas a coisa não podia ficar por aqui. Mesmo a chegar, numa rua onde passo todos os dias, fui quase vitima do famigerado "Right Hook". O Problema das viragens à direita é soberanamente conhecido no mundo do ciclismo e há técnicas para melhorar as nossas probabilidades de seguir em frente em segurança. Uma delas é circular mais à esquerda antes do cruzamento, para que o automobilista não só perceba claramente que não vamos virar, como não possa ultrapassar naquele momento. Foi isso que eu fiz perante a presença de um carro atrás de mim antes do cruzamento. Não serviu de nada.

O Fiat nunca me ultrapassou. Manteve-se no meio da estrada, mesmo ao meu lado e depois virou à direita como se nada. O condutor tinha que estar em morte cerebral para não me ver. Justamente por já esperar todo o tipo de barbaridades dos enlatados, consegui, não sei como, evitar a colisão e não cair. Mas fui forçado a entrar na rua para onde a vaca sagrada queria ir. O que seguiu foi uma cena triste, comigo a perder todo o controle e a berrar o que me veio à cabeça naquele momento ao automobilista, ao mesmo tempo que o desafiava a parar. Em boa hora o mentecapto não o fez, porque eu estava com a adrenalina no máximo e tomado de uma raiva desconhecida. A violência que decerto de seguiria só me prejudicaria, mais uma vez, a mim próprio.

Eu só queria chegar a casa. Mas nunca nada é assim tão simples no país dos rodinhas. Já pensei tantas vezes em emigrar, só por causa disto. Parece que sou eu que estou mal, e quem está mal muda-se, não é assim?

9 comentários:

  1. Emigrar pode ser uma opção com garantia 100% de acabar com "right hooks": vens para Singapura ou qualquer outro país de trânsito à esquerda e passas a levar com "left hooks"! (como já te contei que me aconteceu em tempos quando um condutor em morte cerebral não me viu e antes de me ultrapassar virou à esquerda para uma bomba de gasolina e depois fez cara de "mas de onde é que este apareceu??" quando fui reclamar)

    Tem cuidado com essas más energias! Se pedalar te fizer sentir raiva ou outras ondas negativas pode ser que os malefícios superem os benefícios! Equanimidade é importante para assertivamente lutarmos pelos nossos direitos (e de outros) sem nos deixarmos afectar negativamente por terceiros... Independentemente de como nos tratarem, não há vantagem (penso eu de que) em nós maltratarmos outros (fácil dizer, desafiante fazer!).

    Boas pedaladas e boas energias!

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  2. Calma Bessa! Tiveste um dia mau com muitas coincidências.
    Não podes desistir, porque isso é o que essa malta quer. "Costumo" andar em Lisboa no trajeto casa trabalho e volta (7km x 2), com muita ciclovia. Pontualmente tenho problemas com alguns taxistas e algumas senhoras, mas graças a Ele, nada de especial, antes pelo contrário, normalmente as pessoas até me parecem compreensíveis.
    Há cerca de 2 anos comprei uma scooter e comecei a acompanhar o teu ScooterLog. Fiquei baralhado quando decidiste trocar e pensei que tinhas feito mal - sou de compreensão lenta. Há 4 meses comprei uma dobrável e tirando as férias, tenho andado todos os dias úteis. Através do teu blogue contribuíste para a escolha do meu novo meio de transporte. Quero-te agradecer por isso. Gosto bastante de ler os teus artigos e normalmente concordo com as tuas opiniões.
    Um abraço,
    NSalgado

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  3. Vi este post a passar pelo planeta bicicultura,
    E queria também deixar um desabafo.
    Não sei do que é, mas sempre que se aproxima a semana da mobilidade ou mesmo em plena semana da mobilidade costumo ter as viagens de bicicleta mais atribuladas do ano todo.
    Hoje foi uma senhora que parou ao meu lado depois de ter tido que travar a fundo numa rotunda (por eu estar a circular dentro dela) que me passou ao lado e vocifrou "Olhe que não tem prioridade", como ela continuou a andar tive que lhe gritar que não era verdade, como estava a gritar juntei mais um pedacinho de raiva.
    Não sei se é por estarem fartos de propaganda à semana da mobilidade se do que é, mas a semana da mobilidade já não o é.

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  4. Acho que estás a levar a coisa a ferro e fogo. Acho que tens de assumir que os condutores de automóveis conduzem mal e fazeres o possível para te defenderes disso.
    É verdade que as cidades portuguesas não estão feitas para as bicicletas mas se cultivares as boas energias em torno da temática ciclista inspiras os outros a fazer parte. É com massa crítica de energia positiva que a coisa vai lá.

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  5. Faço o caminho Belém - Cais do Sodré - Almirante Reis todos os dias. Principalmente na Almirante Reis aparecem-me situações que não lembram ao diabo (inclusivé as que mencionaste mas extrapoladas para veículos pesados).

    Ao fim de algum tempo, reparei que comecei a ignorar e o melhor conselho que te posso dar é o que já foi dado: tens de partir do princípio que eles conduzem todos mal. Além disto, é impossível dar formação de boas práticas de condução no meio de uma estrada - simplesmente não adianta. A única lição que consigo dar é a de que tento não ligar às vozes (e acções) de burro.

    É óbvio que não consigo estar totalmente "desligado" de certas atitudes e algumas vezes respondo de maneira menos educada - afinal de contas sou um humano. No entanto, penso sempre na Lei de Murphy: se algo pode correr mal, é porque vai correr mal. Isto significa que, com o passar do tempo, comecei a esperar que (quase) tudo de anormal que se possa passar na estrada ( ou ciclovia) vai realmente acontecer. Depois é (tentar) lidar com isso - o que é bastante difícil.

    Gosto bastante do teu blog. Continua.
    Abraço,
    Pedro.

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  6. Admito que não tenho muito jeito para dar a outra face. É que já tenho muita experiência nestas coisas e o número de incidentes perigosos não diminui. Do meu lado sinto que não há muito mais que eu possa fazer para prevenir situações de risco. Aliás, acho que o número elevado de quilómetros efectuado na realidade só aumenta as probabilidades de acidente grave.

    Falar em boas energias é fácil, mas no dia-a-dia, na estrada, Lisboa é uma selva e eu começo a pensar que não compensa. No fim sou eu que chego a casa stressado e quem sabe algum dia não chego de todo. Posso ser eu que tenho tido azar, não sei, mas tenho que ponderar bem o que vou fazer, ultimamente parece que tudo me acontece.

    Não quero com isto desanimar ninguém, obrigado pelos comentários, um forte abraço e boas pedaladas

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  7. Pois... compreendo-te, acho que só tenho mesmo vindo para o trabalho de bicla nos dias da greve porque o que me faz mesmo mais confusão é o regresso a casa...
    É uma hora muito má em que as pessoas, sejam peões ou automobilistas, só querem chegar a casa, e alguns até não querem, mas azar têm de ir, e aproveitam para libertar essas frustações e outras do dia, pelo caminho...
    Mas vai com calma, porque infelizmente, descendo ao nível deles nunca vamos conseguir ensinar nada a ninguém...

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  8. Sou mais uma sortuda de 2x7km diários em que cerca de 6km são ciclovia. os 2 km totais de estrada são os que realmente me fazem transpirar. Mas compensa! Que queres que te diga, sou muito benevolente... Penso sempre "coitadinhos, não percebem que eu aqui nas minhas duas rodas com o vento na tromba vou feliz, com a verdadeira sensação de liberdade" ou então - as duas rodas rápidamente passam a duas rodas e duas pernas, se vejo que a coisa vai complicar, não faço a rotunda, vou pela passadeira, andar também é libertador e especialmente nos passeios que têm ciclovia (av brasil) com a barulheira toda de carros é impossível ouvirem-me a buzinar, mais vale abrandar e não pregar grandes sustos às pessoas.

    Leal

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  9. Eu devo ter mesmo muita sorte... sim, tenho um ou outro episódio para contar, mas nos meus milhares de Kilometros em cidade, a grande maioria é stress free, sem grandes incidentes (e acidentes, nenhum, zero!) Comecei há 20 anos, e durante os 10 primeiros aquilo sim, era adrenalina... depois até 2007-2008 as coisas foram melhorando substancialmente. Hoje em dia, raramente tenho algum conflito ou stress.

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