Fiquei cansado só de ler |
Acabo de pousar este "The Man Who Cycled the World", após 572 páginas de aventuras a movidas a pedal, através de 4 continentes, seis meses e meio e 18.296 milhas (29.446 km) de sangue, suor e lágrimas. É a narrativa de uma muito louca volta ao mundo de bicicleta, em formato de corrida, para bater um recorde do Guinness.
Já por aqui tinha falado desta estranha mania dos recordes de volta ao mundo de bicicleta. Concretamente, existe um recorde específico do Guinness World of Records que regista a mais rápida circum-navegação do globo em bicicleta. As regras exigem, entre outras coisas, que se pedale sempre no mesmo sentido (Este-Oeste, ou ao contrário) e que se percorram pelo menos 18.000 milhas contínuas, sendo obviamente possível atravessar os oceanos de avião.
Foto: markbeaumontonline.com |
Ora o Escocês Mark Beaumont estava veio aborrecido no fim do seu percurso escolar pelo ensino superior e lançou-se nesta aventura, que já andava a magicar há algum tempo. Os Anglo-saxões parecem aliás ser os principais interessados neste recorde, já que são os seus habituais detentores. Para bater o recorde anterior de 276 dias, o Mark, que é rapaz com jeito para o networking, mobilizou amigos, colegas e professores da Universidade de Glasgow e até os media para a sua causa. Estabeleceu contactos com nutricionistas, geógrafos, fez testes de resistência, arranjou patrocínios, contactou as embaixadas do Reino Unido dos países por onde iria passar, e treinou muito. Em Agosto de 2007 fez-se à estrada em Paris, cidade onde havia de regressar 194 dias e umas horas depois, batendo o recorde por mais de dois meses.
Para uma aventura deste calibre, o apoio logístico é fundamental. O Mark não podia parar, tinha que fazer uma média de 160 km por dia, todos os dias. A bicicleta não podia falhar, não podia haver atrasos nas fronteiras, não podia desviar-se do percurso. Desde a Escócia, a mãe do Mark organizava o "Base Camp", fazendo o trabalho de bastidores para que ele se pudesse concentrar apenas, tanto quanto possível, em pedalar. Apesar de não perceber nada de computadores até aquele momento, a senhora geriu o site da expedição e realizou todos os contactos necessários para manter as rodas da Koga World Traveller do Mark sempre a rolar.
A chegada. Foto: markbeaumontonline.com |
Problemas houve alguns, muitos furos, vários acidentes, um assalto, falta de comida, falta de água, condutores que não querem partilhar a estrada, coisas que acontecem a quem pedala quase trinta mil quilómetros de uma assentada. A narrativa é viva e interessante, embora o Mark, que escreveu o livro sem ajudas, não seja propriamente um homem com veia literária. Também não tem muito jeito para a fotografia e não deixo de pensar que há histórias muito mais tocantes, disponíveis de borla, em sites como o crazyguynonabike. Mas embora não seja um artista, nem um daqueles viajantes intrépidos que parece que saem sempre airosos de qualquer situação, o Mark traz uma componente realista para este tipo de coisa. Ele é um escocês teimoso, um pouco frio, rabugento e algo desconfiado. Um rapaz de apenas 24 anos, tão obstinado com o seu projecto que rejeita os avanços de uma bela bióloga marinha que conhece na Austrália, para não se distrair do seu objectivo.
Curiosa a passagem do Mark por Lisboa, a 4 de Fevereiro 2008. Como não podia deixar de ser, andou perdido a tentar evitar as milhentas vias rápidas da capital, onde os ciclistas não podem andar, e quase se meteu na Ponte Vasco da Gama. Tanto quanto consegui perceber acabou por fazer o caminho pela nacional até Vila Franca, onde aí sim atravessou o Tejo, a rota tradicional dos ciclo-turistas estrangeiros.
Esta viagem deu um documentário da BBC, que podem facilmente encontrar completo no YouTubi. O Mark parece ter-se dedicado posteriormente a vários outros projectos aventureiros, nem todos ligados ao ciclismo, e tem um site interessante sobre as suas proezas. Como diriam os americanos, it's a living. Curiosamente, neste espaço de 4 anos, o seu recorde já foi batido mais que uma vez, estando agora nuns absolutamente inacreditáveis 91 dias. Sim, leram bem, menos de metade do tempo do Mark, o que implica uma média diária de mais de 200 km.
Dessa aventura ainda não há livro nem documentário, mas se olharem para a bicicleta do Mike Hall, o actual detentor do recorde, ficam a perceber que agora a coisa é mesmo uma corrida:
Imagem: Road.CC |
O Mark fez a viagem numa bicicleta de Touring tradicional, carregado com 4 "panniers", arrastando em qualquer altura mais de 30 kg de equipamento. Já o Mike Hall utilizou uma bicicleta de Cyclocross, em crabono, com travões de disco e pouquíssima carga. Isto agora já começa a parecer o Tour, e não sei se isso é boa ideia.
Inacreditável! 91 dias?!?!? Desculpa lá, mas não é só mais de 200 km/dia, mas sim uns 320 km/dia!?!? (para as tais 18.000 milhas) O que daria 10 horas/dia a pedalar a 32 km/h, e duvido que dê para manter tal média... Isso é mesmo verdade?? Existem auto-estradas planas e em linha reta e com vento a favor a atravessar os continentes??
ResponderEliminarÉ, eu queria dizer 200 milhas por dia, e também acho estranho que seja possível. É talvez daquelas situações em que se aproveitou o regulamento ao máximo, acho que ele pedalou só em sítios que sabia não terem relevo difícil ou mau tempo, até somar as 18.000 milhas... Qualquer coisa assim.
ResponderEliminarAbraço!