segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Massa Crítica e Cycle Chic em menos de 24h

Pedaladas Chic na Marginal

Contorno o último Fogareirus Raivosum e coloco-me na frente do semáforo. "O tempo está a ficar feio", constato enquanto espero pelo verde. Não há muito a fazer, além de, talvez, rezar à Grande Marmota que está no Céu para que o dilúvio tenha a decência de aguardar que eu chegue ao destino. Sou contido nas preces, não por falta de fé nos poderes da Grande Marmota, mas por preguiça e por ter consultado o WindGuru horas antes. O WindGuru dizia que não chovia em Lisboa. O WindGuru nunca falha!

Enquanto o meu cérebro se ocupava destas coisas, os meus sentidos iam detectando um fenómeno insólito. Naquele semáforo lisboeta tinha surgido outro ciclista! Isto é coisa que nunca me acontece. "É a Revolução! Rejubilemos!" Pensei para com os meus botões. Mas as surpresas ainda não tinham acabado, antes do semáforo dos Restauradores ficar verde, estavam lá quatro bicicletas.

Perante este cenário absolutamente inédito, avancei pela Avenida da Liberdade a sentir-me como se estivesse em Londres, ou seja, quase como um utilizador da via pública de pleno direito. Graças às capacidades da Raleigh, rapidamente deixei os ciclistas para trás e voltei à minha rotina solitária avenida acima. Havia de durar pouco. Dali a uns metros começou a chover com tal intensidade que tive que sair da estrada e refugiar-me numa arcada. Ali estavam também várias pessoas incluindo, pasme-se, outro ciclista!

Depois de ter conseguido digerir o facto do WindGuru se ter enganado,  voltei a minha atenção para o ciclista à minha frente. A bicicleta que trazia era uma utilitária de quadro preto, de cubo de mudanças, tipo uma roadster de 3 velocidades ou uma bicicleta holandesa. O tipo de coisa que não se vê por cá todos os dias. Olhando para a Avenida, vi como vários outros ciclistas se aventuravam em direcção ao Marquês, agora que a chuva tinha abrandado. Comecei a pensar que alguma coisa me estava certamente a escapar e quando ao tipo da Roadster se lhe juntou um Portuguese-Hipster numa fixie de guiador de pista cromado, só me ocorreu uma coisa: é dia de massa crítica!!!

E era. Sem tempo para ter que lidar com o dilema junto-me-a-eles-ou-é-melhor-não, assim que a chuva parou arranquei para a faculdade, tentando evitar as enormes poças de água e curvando com suavidade de um carteirista, para não ter surpresas no piso escorregadio. Infelizmente os meus cuidados não evitaram que chegasse todo molhado, já que sem guarda-lamas o spray da estrada era mais que suficiente para tratar disso.

Depois de um dia de rabo molhado, uns amigos convenceram-me a alinhar no passeio de rabo bem apresentado na manhã seguinte. Sim, era mais um evento Cycle Chic, este a terminar no Greenfest, no Casino Estoril. Talvez sobre o efeito da cafeína, eu alinhei, apesar de ser contra a minha religião, e uma grande ofensa para a Grande Marmota que está no Céu, sair da cama às oito da manhã num Sábado.

CCB, local da Partida

Mas sair da cama foi o que fiz e fiz muito bem. Foi uma manhã muito bem passada, mais pela companhia de bons amigos do que pelo evento em si, já que a minha total ausência de Social Skills limitou o contacto com a tribo do Chic. Mas registei algumas coisas dignas de nota:

  • A presença de uma conhecida marca de enlatados a promover bicicletas eléctricas (de design brilhante, devo dizer).
  • O visual cuidado de alguns, mas também havia um ou outro Fred assumido lá pelo meio.
  • A diversidade de bicicletas utilitárias (e não tão utilitárias). Havia cruisers, longtails, híbridas de grande qualidade, Bromptons, Dahons e todo o tipo de dobráveis, Globe's, atrelados, etc.
  • A diversidade de ciclistas. A começar pela idade, que começava certamente perto dos 5 anos.
  • O número de acidentes e incidentes.

Local da chegada
 
Não tem nada a ver com o Cycle Chic, qualquer passeio deste tipo implica mais riscos do que circular sozinho, por paradoxal que possa parecer, já que tínhamos escolta policial durante todo o caminho. Juntar veículos de duas rodas num espaço reduzido com pessoas de diferente nível e experiência tem o seu quê de arriscado. Mesmo há minha frente houve uma queda muito aparatosa, causada pelo embrulhar de 2 guiadores, felizmente sem consequências de maior para os protagonistas, um deles bem conhecido do meio. Havia algumas pessoas com claras dificuldades em circular em grupo, mas este tipo de evento propõe-se justamente promover e integrar pessoas no ciclismo, pelo que a velocidade baixa (entre os 6 e os 19km/h) e piso plano facilitaram as coisas.

A baixa velocidade do nosso comboio também foi útil quando um amigo meu teve um furo e ficou para trás, entregue a si mesmo, conseguindo depois voltar à comitiva a força do pedal e chegar ao fim sem mais percalços, embora com o pneu em baixo outra vez.

Abastecimento a meio caminho: água Del Cano

É impossível não reparar que estes eventos funcionam de forma semelhante à massa crítica, em termos de mensagem. Também recordam às pessoas que os ciclistas existem e que têm direito a andar na estrada, mesmo que neste caso, com escolta policial, até tínhamos mais direito que os enlatados. Adiante. Éramos também um grupo numeroso e muito visível, impossível de ignorar. E dávamos boa imagem do ciclismo utilitário, graças à profusão de gente bem vestida e bicicletas dispendiosas.

Recapitulando, no fim voltei para casa estranhamente satisfeito, com o bilhete oferecido pela CP e uma folga no eixo pedaleiro. A Raleigh está cada dia mais temperamental, acho que tenho que dar-lhe alguma atenção.

1 comentário:

  1. Bravo. Gosto da forma como observa e vive o ambiente que o rodeia.
    Miguel

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